De Recife para o mundo

Segundo dia do evento Porto Musical, na capital pernambucana, teve mercado internacional e política como temas centrais

Antônio do Amaral

Luisa Maita em sua primeira apresentação no Nordeste, dentro da programação do Porto Musical, em Recife
Luisa Maita em sua primeira apresentação no Nordeste, dentro da programação do Porto Musical, em Recife - Tiago Calazans/Usefoto

Não haveria ambiente mais adequado para repercutir negativamente a decisão da prefeitura de Recife de ter incluído grupos de pagode e axé para animar shows na cidade e região durante o Carnaval, deixando de priorizar as manifestações locais como em outros anos. Não se falava em outra coisa, entre músicos e produtores participantes desta edição do Porto Musical, que acontece o Centro Cultural dos Correios, no Recife Antigo. As conferências marcadas para a última sexta-feira, 25, constaram de discussões sobre as experiências de diversos produtores convidados, de como fazer a música de Pernambuco atingir outros mercados, especialmente o internacional, já que há demanda para isso.

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Introduzindo uma discussão política no encontro, a advogada Deborah Sztajnberg fez um relato minucioso da causa que defende atualmente, representando os músicos, que preconiza o fim da Ordem dos Músicos. Sua exposição indignada traçou um panorama sobre a atuação dessa entidade, que, segundo ela, “mais atrapalha que ajuda”, há mais de quatro décadas, os profissionais da música no Brasil. A ação está parada no Supremo Tribunal Federal e será julgada em algum momento por exigência legal. Causou surpresa entre alguns participantes, saber que essa entidade foi tomada por não-músicos desde a sua fundação, à margem de qualquer marco legal, e se transformou em um dos braços da ditadura após o golpe de 64.

O japonês Makoto Kubota, um estudioso e apaixonado pela brasileira, especialmente a nordestina, contou sobre suas pesquisas da música tradicional japonesa e suas manifestações que muito lembram o carnaval de rua do nordeste brasileiro. Documentou a sua palestra com um documentário que está realizando na ilha de Myaka, no sul do Japão, sobre a música feita naquele lugar e que faz uso da percussão e flauta, traçando um paralelo com as festas de rua brasileiras.

O norte-americano Bill Bragin, produtor e programador do Lincoln Center de Nova York, deu sua visão do que é necessário para o artista brasileiro tentar conquistar o mercado dos Estados Unidos. Enfatizou que um dos primeiros pressupostos é a qualidade do trabalho e que ele deve ser necessariamente diferente daquilo que os norte-americanos já sabem fazer. Nesse sentido, não adianta querer fazer rock para quem já consome rock de qualidade. A música brasileira que já tem penetração nesse mercado (Bragin já programou Gilberto Gil, Lenine, Hermeto Pascoal e muitos outros) sempre terá esse espaço, mas é um terreno a ser conquistado com ações de investimento sem retorno imediato para o artista iniciante.

A conferência mais concorrida entre todas foi a de Charles Gavin (ex-Titãs), que relatou a sua experiência na recuperação do acervo da música brasileira, especialmente os discos esquecidos e relegados de jazz samba, projeto que não foi assumido pelas gravadoras detentoras dos direitos, por não apresentarem retorno comercial. Mas contou sobre o seu grande êxito: a remixagem e relançamento em CD dos primeiros vinis dos Secos e Molhados, um sucesso de vendas. Esse acerto lhe abriu as portas para a criação do programa O Som do Vinil, do Canal Brasil.

A programação musical da noite, no palco na Praça do Arsenal da Marinha, trouxe o Pouca Chinfra, de Recife, bem humorado grupo de dez integrantes, que fazem o samba tradicional e que poderia ter surgido em qualquer lugar do Brasil. Instrumentistas competentes, cantam composições próprias com letras bem humoradas, e assumem uma certa influência de Adoniran Barbosa e de outros bambas do gênero. A banda que já tem sucesso de público em Recife e região, poderá facilmente conquistar o sudeste se investir na empreitada.

A Orquestra Brasileira de Música Jamaicana, de São Paulo, cujo ponto forte é o naipe de metais, tem repertório vasto, passando por Chico Buarque, Mutantes, Tom Jobim e até Adoniran – tudo transformado em reggae, em versões dançantes e sincopadas. A reação da plateia não é outra a não ser a dança. Foi o que ocorreu entre as cinco mil pessoas presentes na praça, em meio a um forte cheiro de canabis e muita cerveja.

O encerramento da noite se deu com a apresentação marcante de Luisa Maita. A cantora paulistana, que tocou pela primeira vez no Nordeste, trouxe um som que tem tudo a ver com a moderna música paulistana, assumindo influências do samba, do funk, do soul, num canto ora contido, ora gritado, e sempre com muito suingue.

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