Após show no Rio de Janeiro, grupo liderado por Ira Kaplan se apresenta nesta terça-feira, 3, no Cine Joia, em São Paulo
Ira Kaplan quer apagar a imagem deixada pelo Yo La Tengo no Brasil na última passagem da banda por aqui, durante a primeira edição do festival SWU, no interior de São Paulo. Dividindo um público que cuja maioria era fã do Linkin Park, grande atração da noite. Ao final de 20 minutos de entrevista, o guitarrista e vocalista confessa: “Estamos muito felizes em voltar à América do Sul, especialmente ao Brasil, quando tocamos em um festival da última vez”, diz ele. “Foi extremamente decepcionante para nós. Queremos voltar a fazer os nossos próprios shows de novo”.
A primeira oportunidade de mudar a impressão do público brasileiro diante de Kaplan, Georgia Hubley (bateria) e James McNew (baixo e voz) já foi dada, com o show no Rio de Janeiro, no último sábado, 31, e será repetida nesta terça-feira, 3, no paulistano Cine Joia, na 31ª edição do Popload Gig, a partir das 22h.
Ao telefone, falando de Nova York, onde mora, Kaplan preparava-se para voltar à turnê com o grupo – no momento da entrevista, a banda estava há dois meses em uma espécie de férias. O guitarrista e vocalista diz que, ao longo das três décadas de banda, ele aprendeu a surpreender os fãs durante as apresentações. No Rio de Janeiro, por exemplo, eles encerraram a apresentação com “Speeding Motorcycle”, do herói indie Daniel Johnston. O show trouxe faixas do novo trabalho, Fade, lançado no ano passado, principalmente, mas passeou pelos discos da safra da gravadora Matador Records, iniciada com Painful. “Essas músicas meio que caem em um mesmo grupo para nós”, diz Ira. “Não distinguimos essa época. Já músicas de antes não aparecem nos nossos shows com tanta frequência.”
Idolatrado pela crítica, o Yo La Tengo tem uma performance tímida – e não que isso seja ruim –, mas que não se limita a reproduzir as faixas de cada álbum e dá espaço para improvisações no palco. “Tratamos o nosso show como aqueles que gostamos de ver. Você quer ouvir as músicas favoritas, mas quer se surpreender também. Acho que as duas experiências fazem uma boa mistura”, diz ele. Ira confessa: “As pessoas nos olham com rostos confusos o tempo todo”.
Mas não espere por um show greatest hits, avisa Ira. “Acho que especialmente um grupo que está há tanto tempo na estrada como a gente, é natural que as pessoas criem algumas expectativas”, diz o músico. “Mas não acho uma coisa boa atender necessariamente a todas essas expectativas. Nós gostamos de surpreender.”
Kaplan e companhia aprenderam a lidar com o tempo. Já lançaram 13 discos e, até o mais recente deles, Fade, nunca passaram mais de três anos sem um álbum de inéditas. Somente o último levou quatro anos para ser maturado, em 30 anos de carreira. “Temos nossas necessidades e vontades”, diz ele. “Mas um disco não funciona muito desta forma. Então damos um tempo, fazemos outra coisa. Até que chega o momento e temos que tomar uma decisão: vamos parar com tudo para nos concentrar em um disco.”
A distância de tempo entre os discos faz com que a própria banda se surpreenda com a evolução ao longo dos anos. “Gosto dessa ideia de dar um tempo entre os álbuns”, diz ele, cuja ideia não é apenas surpreender os fãs com o material inédito, mas a eles mesmos. Existe um discurso autossuficiência na linha de pensamento de Kaplan sobre as escolhas da banda, talvez responsável por colocá-la no patamar das grandes instituições do rock indie desde a década de 1980.
“Se não fossem os fãs, nós não iríamos ao Brasil, então agradecemos a eles”, diz ele. “Mas e mais fácil e mais recompensador para nós tentar não pensar muito nisso [nos seguidores da banda] enquanto fazemos um disco. Nos concentramos no que queremos e no que sentimos e, não, nos preocupar com o que as outras pessoas esperam de nós.”
Fade tirou a banda daquela zona de conforto quando o trio foi trabalhar com John McEntire, do Tortoise e The Sea and Cake, no lugar do produtor Roger Moutenot, com quem eles trabalhavam desde Painful. “Foi ótimo e obviamente diferente”, diz Kaplan. “Mas cada disco que fizemos com Roger também era diferente – e por isso continuamos fazendo com ele”, diz Kaplan. O álbum foi concebido de forma mais acelerada, segundo conta o músico. “O John trabalha extremamente rápido e nos fez gravar mais aceleradamente do que estávamos acostumados”, diz ele. “Isso deu uma cara diferente ao disco.”
Kaplan parece ser o entrevistado ideal: responde a todas as questões de forma cordial, bem articulado e tem uma visão muito peculiar da banda – talvez porque, no passado, trabalhou como jornalista musical. E, por isso, gosta de ver a própria música analisada por outros que não ele. Fade, por exemplo, traz uma nova perspectiva do envelhecimento e da chegada da maturidade. Principalmente, como o próprio título indica, mostra que os anos nos trazem uma percepção de que certas coisas não mudam. “Eu não gosto de responder a esse tipo de pergunta”, diz ele, sobre os conceitos do álbum. “Mas não discordo em nada do que você acabou de dizer.”
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Para ele, o universo cultural é muito cheio de “comunicados à imprensa” e textos enviados por assessorias de imprensa. “É uma coisa boa as pessoas tentando entender os discos por elas mesmas, entende? Não apenas discos, mas livros e filmes”, diz Kaplan. “Fico mais feliz em ouvir você dizer o que o disco significou para você do que eu ter que falar isso.”
São sinais da própria maturidade já escancarados no próprio disco. Kaplan, aos 57 anos e casado com a baterista do grupo, entende do ofício como poucos, dos palcos às entrevistas. E, por isso, o desabafo do músico citado no início do texto, quando a entrevista chegava ao fim, é tão genuíno. “Eu não me importo em ser questionado em nada. Para mim, ‘não quero falar sobre isso’ é uma resposta tão boa quanto qualquer outra, não?”
O clipe de “Ohm”, faixa do mais recente disco do Yo La Tengo, tenta explicar a sonoridade da banda. Assista: