Terceira edição do festival realizado em Brasília foi marcada pelos gritos de "Ele não", mas Gadú e Guajajara foram além do discurso
"Eles estão comigo", diz Maria Gadú, enquanto si. "É a minha galera".
Pouco antes da artista chegar para a entrevista, seis indígenas, cruzaram com a reportagem da Rolling Stone Brasil, em direção aos camarins montados atrás de um dos palcos do Festival CoMA (Conferência de Música e Arte), cuja terceira edição é realizada neste fim de semana, em Brasília. É sobre eles que ela fala.
Maria Gadú está de volta aos palcos dois anos depois. Na sexta-feira, 2, no Rio de Janeiro, ela dei início à turnê comemorativa de 20 anos de carreira - sim, a artista de 32 anos realmente iniciou-se aos 12, ao tocar em barzinhos, onde quer que pudesse.
Dois anos longe dos palcos, mas nem tanto assim. "Não é que realmente não pisei no palco, mas o que eu fazia era outra função. Uma função social, de ativismo", conta Gadú. "Nesses momentos, eu até esqueço que tenho uma função musical, eu volto a lembrar: 'ah, eu também canto, se der, é só falar'", ela ri.
A apresentação realizada CoMA, a segunda desse "retorno", contudo, não integra a turnê de 20 anos de carreira, na qual ela se apresenta ao lado da banda que a acompanhava até 2013, antes dela decidir buscar novos caminhos sonoros que desaguaram no disco Guelã.
O show em Brasília era um híbrido, na verdade, entre trazer à tona as memórias afetivas com as canções como Shimbalaiê e o ativismo.
"Foi um show pensado para hoje, para esse festival", revela Gadú. A intenção dela era usar do seu espaço para a causa indígena. "E está ligado à militância. Era o momento perfeito para usar esse lugar no palco para o ativismo indígena, que não tem muito espaço."
O timing citado por Gadú se dá porque ocorre entre os dias 9 e 12 de agosto o Fórum Nacional das Mulheres Indígenas. No dia 13, será realizada a primeira Marcha das Mulheres Indígenas no dia 13 de agosto.
"Esse portanto é um show único, com uma banda híbrida", revelou Gadú. No repertório, incluiu músicas com "Fora da Ordem Mundial", de Caetano Veloso, e pediu também liberdade para Preta Ferreira, liderança cultural do Movimento Sem-Teto do Centro de São Paulo presa desde 24 de junho.
O Festival CoMA teve, no seu primeiro dia de shows, neste sábado, 3, uma força política. Artistas de Barro, que abriu a noite, Aretuza Love, Scalene e BaianaSystem ocuparam seus espaços no palco para tratar de política.
O público reagiu com gritos de "ele não" e "ei, Bolsonaro, vai tomar no c*". O alvo foi, constantemente, o presidente Jair Bolsonaro.
Gadú quebrou esse ciclo, de certa forma, ao direcionar com foco a sua mensagem militante. Ela surgiu no palco com um macacão especial que recebeu dos índios que foram até seu camarim. Tocou com marcada com tinta vermelha na região dos olhos e, entre as canções do show, mostrou Mundo Líquido, faixa gravada no Rio Negro, e traz o canto do povo Guajajara.
Para encerrar a apresentação, Gadú deu o seu lugar de fala para outra pessoa. Chamou ao palco Sonia Guajajara, candidata à vice-presidente na última eleição pelo partido PSOL. Ela subiu acompanhada de outros seis índios, Erisvan, Edilene, Maria Gavião, Wilton e Cíntia.
"Defenda a mãe-natureza", pediu Guajajara no palco,"a mãe-terra, ela que gera a vida. No dia que não houver mais espaço para a nossa cultura para a nossa identidade, para os nossos modos de vida, não haverá lugar para mais ninguém."
Não houve mais canções de Gadú depois disso, como se a ideia é que o discurso fosse o que iria ecoar até o início do show seguinte, no palco erguido na frente daquele, depois de um grande gramado. E assim foi.
Gadú ainda tem um disco comemorativo a ser lançado neste mês de agosto e outro, de inéditas, com raízes fincadas em intenções políticas, inclusive com a presença de "Mundo Líquido", previsto para 2020.
"A princípio, esse semestre vai ter para a turnê comemorativa", conta Gadú. "Como estava enferrujada, também fiz alguns shows de voz e violão. Tenho mais alguns deles marcados. E ainda faço alguns shows fora."Shows de militância, ela explica, ainda não estão na agenda, mas podem entrar. "Não dá para saber. Se tiver que ter, terá. Estou à serviço desse show de militância."
*A Rolling Stone Brasil viajou a convite do Festival CoMA