Depois de tocar no Rio de Janeiro, banda encarou dezenas de milhares em show com setlist anticlimático e festa rara de luzes no Allianz Parque
O Radiohead ficou nove anos sem tocar no Brasil e, no último domingo, 22, encerrou em São Paulo a curta mas barulhenta passagem pelo país. Se o show de sexta, 20, no Rio de Janeiro, foi um pouco mais longo e imprevisível (com uma surpreendente performance ao violão de “True Love Waits”, uma versão tocada pela primeira vez em 15 anos), o do Allianz Parque proporcionou momentos épicos possíveis apenas com as dimensões de um estádio.
Além de Aldo the Band e do Junun (projeto do guitarrista do Radiohead, Jonny Greenwood), o produtor Flying Lotus abriu os trabalhos com uma apresentação que teve toda a cara de DJ set e uma recepção bem mais acalorada que a dos cariocas. A plateia vibrou com as viradas bruscas e batidas frenéticas e também com o tipo do palco, em que Flying Lotus ficou dentro de uma “caixa” na qual projeções das mais diversas – em alguns momentos, de gosto duvidoso – se sucediam e até ofuscavam o rosto do norte-americano. Novamente, ele falou de Avicii, DJ sueco que morreu na última sexta, tocou a versão trap do tema de Twin Peaks, evocou a voz do colaborador Kendrick Lamar em trechos de “King Kunta” e “Wesley’s Theory” (ambas de To Pimp a Butterfly (2015)) e “Never Catch Me”, além de Thundercat em “Friend Zone”.
No RJ, Radiohead mostrou como soube envelhecer sem perder; saiba como foi
Espaço para mais de 40 mil pessoas, o Allianz Parque soava desde o anúncio do Soundhearts Festival – que, de festival mesmo, teve apenas o nome, já que o caráter era inteiro de um show regular do Radiohead com algumas atrações de abertura – como um local muito maior do que a capacidade do Radiohead de reunir público no Brasil. Nem na última passagem pelo país, em 2009, com Los Hermanos e Kraftwerk abrindo, eles conseguiram vender tantos ingressos. Quando o show começou, pouco das 20h, apesar de buracos na plateia e principalmente nas cadeiras mais distantes, o estádio esteve consideravelmente preenchido (de acordo com a organização, 30 mil pessoas estiveram presentes), levando em conta ainda que todo o nível mais alto da arquibancadas foi fechado durante o evento.
No Rio de Janeiro, o Radiohead tocou em um espaço fechado, a Jeunesse Arena, consideravelmente mais indicado para uma apresentação de muita imersão e pouca conversa fiada como é a da banda. Em São Paulo, o desafio era reter a atenção de pessoas mais distantes e praticamente sem auxílio dos telões (que chegaram a falhar e ficar desligados em performances inteiras), porque os vídeos exibidos eram conceituais e não a exibição mais fiel do que acontecia no palco. A dinâmica deixou o protagonismo ainda mais com os climas gerados pelo som e não com a imagem dos integrantes, apesar de ter gerado momentos frios, incluindo em algumas das faixas do último disco, o triste A Moon Shaped Pool (2016), entre eles “The Numbers” e “Ful Stop” (o álbum também rendeu “Daydreaming”, “Identikit” e “Present Tense”). Essas horas mais desanimadas também foram influenciados pelo volume do som, que chegava sem tanta força nas regiões da pista comum mais distantes do palco.
A estrutura foi a mesma de dois dias antes, com a banda absolutamente solta e azeitada e o sexteto (um baterista/percussionista adicional) completamente entregue aos seus instrumentos. De novidade, os paulistanos ganharam uma faixa de Amnesiac, “You and Whose Army?”, e três de Hail to the Thief, “The Gloaming”, “2 + 2 = 5” e “There There” (as duas últimas bastante celebradas) somando-se à feroz “Myxomatosis”. In Rainbows, um disco do qual praticamente todas as canções crescem ao vivo, rendeu “15 Step”, “All I Need”, “Bodysnatchers”, “Nude” e uma das melhores performances que a banda pode proporcionar, “Weird Fishes/Arpeggi”. Os grandes momentos de surpresa vieram com duas músicas dos anos 1990, “My Iron Lung”, de The Bends (1995), e “Exit Music (for a Film)”, de OK Computer (1997), em números comoventes nos quais a voz de Thom Yorke ecoou soberana pelos paredões do estádio.
O Radiohead não tem nenhum costume de agradar plateias com discursos e é raro que os integrantes cheguem a interagir de forma direta com o que acontece fora do palco. Em São Paulo, nada disso fez muito sentido, já que o guitarrista Ed O’Brien voltou para um dos bis com uma camiseta da seleção brasileira de futebol, enquanto o baixista Colin Greenwood sacou uma câmera de mão para filmar as luzes emanadas pelo público. Os celulares acesos, inclusive, aconteceram de maneira espontânea (diferente de shows como o de Paul McCartney, em que todos sabem os momentos exatos de participar) durante “Exit Music (for a Film)” e depois em “Paranoid Android”. Este tipo de festa proporcionado pela plateia nos hits foi raridade e até a inquietude de Thom Yorke no palco dava a entender isso. O vocalista até fez um comentário muito breve e quase indistinguível depois de “No Surprises”, dizendo que “não queremos alarmes e nem surpresas, sem alguém faz alguma coisa, o colocam na cadeia”, em um possível aceno à prisão do ex-presidente Lula.
Novamente, o Radiohead provou a capacidade de se manter relevante mesmo depois de tantos anos, com um setlist que abrangeu um cardápio vasto de emoções – compreendendo sentimentos que vão muito além da euforia natural dos shows de rock – e uma dedicação ao som que é única e enche os olhos dos mais aficionados por música. No Allianz Parque, a plateia não manteve a empolgação de maneira constante, como no Rio de Janeiro, mas propiciou que hits como “No Surprises”, “Idioteque” e especialmente “Paranoid Android” ganhassem proporções épicas quando cantadas por dezenas de milhares de vozes simultaneamente. Muitos fãs vão divergir em relação às escolhas do setlist, mas, mesmo após encerramento – ao mesmo tempo bonito e anticlimático, com “Fake Plastic Trees” ganhando o lugar que normalmente seria de “Karma Police” – ninguém se mexeu para ir embora, esperando mais uma graça, desta vez não alcançada, dos britânicos.