A origem da personagem de olhos esbugalhados que tem sido culpada por automutilação e suicídio de adolescentes
Ej Dickson, Rolling Stone EUA Publicado em 01/03/2019, às 19h48 - Atualizado em 18/03/2019, às 14h02
Da figura conhecida como Slender Man (uma imagem assustadora homem sem rosto e alto, criada em um fórum de internet) à crianças instigadas a comer detergente. Há uma infinidade de desafios bizarros na internet assustando os pais de todo o mundo. A mais recente novidade é a Momo, vinda de outro desafio virtual que parece ser uma união de um episódio de Black Mirror (o "Shut Up and Dance") e o Desafio da Baleia Azul.
A Momo, alegadamente, mira em crianças mais novas por meio de mensagens de texto vindas de um número desconhecido no WhatsApp. São enviados instruções para que elas completem uma série estranhas de desafios, cada vez mais perigosos, que começam com um simples "assistir um filme de terror tarde da noite" a encorajá-las a se automutilarem e tirarem as próprias vidas.
Embora as notícias sobre Desafio da Momo já circulem por aí há algum tempo nos cantos mais obscuros da internet, o assunto voltou a ganhar o noticiário com um post de Facebook publicado pela polícia da Irlanda do Norte recentemente (em reprodução, na imagem abaixo). Nele, há um aviso para que os pais supervisionem as atividades dos filhos no WhatsApp.
Também há relatos de vídeos com uma estética infantil no YouTube, com imagens da figura da Momo, com instruções para que as crianças se machuquem.
(Atualização a seguir realizada no dia 18/3, às 14h03)
No YouTube, os casos parecem mais preocupantes. Isso porque o nome da Momo ressurgiu nas redes sociais. Uma mãe de Campinas, no interior de São Paulo, diz que sua filha assistia um vídeo no YouTube Kids quando as imagens foram substituídas por um vídeo da boneca Momo.
De acordo com a mãe da criança, a filha afirma ter visto o vídeo da Momo três vezes. Nele, a boneca ensina as crianças a cortarem os pulsos, ou ela sairá da tela para pegá-los.
Em contato com a revista CRESCER, o YouTube Kids emitiu o seguinte comunicado:
"Muitos de vocês compartilharam suas preocupações conosco nos últimos dias sobre o Desafio Momo - prestamos muita atenção nisso. Depois de muita análise, não vimos nenhuma evidência recente de vídeos promovendo o Desafio Momo no YouTube. Vídeos incentivando desafios prejudiciais e perigosos são claramente contra nossas políticas, incluindo o desafio Momo. Apesar dos relatos da imprensa sobre esse desafio, não tivemos links recentes sinalizados ou compartilhados conosco do YouTube que violem nossas Diretrizes da comunidade.
É importante notar que permitimos que os criadores discutam, denunciem ou instruam as pessoas sobre o desafio / personagem Momo no YouTube. Vimos capturas de tela de vídeos e / ou miniaturas com eles [...] Essa imagem não é permitida na aplicação YouTube Kids e disponibilizamos garantias para a excluir do conteúdo no YouTube Kids."
(Fim da atualização)
Vamos, então, a algumas explicações sobre o Desafio da Momo e se o assunto é, ou não, motivo para preocupação.
Isso provavelmente não é um choque, mas o fato é que a imagem da Momo, embora seja bem aterrorizante, não tem nada a ver com o Desafio da Momo em si. Essa garota com olhos esbugalhados associada ao Desafio é uma escultura feita por Keisuke Aisawa, da empresa japonesa Link Factory, responsável por criar efeitos especiais para filmes de terror.
A escultura estava exposta em Tóquio, em agosto de 2016. Sua figura parece ter saído da figura folclórica chamada Ubume, uma mulher que morreu logo após dar à luz a uma criança.
As imagens da escultura foram publicadas no Instagram e, logo, foram parar no Reddit, onde seu alcance de multiplicou.
Embora o início real do Desafio da Momo seja desconhecido, ele foi notado pela primeira vez em países de língua hispânica, quando autoridades mexicanas revelaram ter encontrado os primeiros vestígios em um grupo de Facebook.
De acordo com a base de buscas do Google, contudo, o Desafio só esquentou em países de língua inglesa depois que o YouTube ReingBot fez um vídeo para explicar o fenômeno, em julho de 2018.
O vídeo, contudo, está fora do ar. Nele, era explicado que aqueles que enviassem mensagens de texto para o número da Momo seriam desafiados a completar tarefas cada vez mais difíceis e perigosas. De início, o desafio era assistir um filme de terror na madrugada. Depois, as coisas ficariam mais críticas, com desafios para automutilação ou suicídio.
Falhar em algum dos desafios resultaria, de acordo com o vídeo, no vazamento de informações pessoais ou ameaças de violência.
E embora o vídeo de ReignBot desmentisse o fenômeno, apontando as origens incertas do Desafio da Momo, a história passou a circular na imprensa. Especialistas de segurança na internet, procurados por jornais, sites, emissoras de TV e rádio, passaram a aconselhar os pais a monitorarem seus filhos para que pudessem encontrar sinais de que as crianças estivessem envolvidas no jogo.
Uma notícia sugeriu que uma garotinha de 12 anos, de Buenos Aires, na Argentina, tirou a própria vida ao participar do Desafio do Momo. A falta de evidências, contudo, fez com que a história não fosse levado a sério.
Na internet também é possível encontrar vídeos sobre os Desafios da Momo às 3h, mas eles soam mais como comédia, não como algo a ser levado em consideração.
Também surgiram relatos de vídeos do YouTube nos quais personagens amigáveis às crianças, como Peppa Pig ou Splatoon, eram editados e trocados por imagens da Momo. E traziam mensagens de automutilação.
Os vídeos parecem ter surgido como piadas para perturbar as crianças, contudo. "Uma criança pode desligar o vídeo, mas outra pode ser mais vulnerável e assisti-lo", disse April Foreman, psicóloga licenciada e integrante do Conselho Executivo da Associação Americana de Suicidologia.
O Desafio da Momo e, consequentemente, o ataque de pânico que se espalhou com ele, ocorre da mesma forma como o Desafio da Baleia Azul, um fenômeno surgido na Rússia e que se tornou viral em 2018.
De acordo com relatos da imprensa russa, o Desafio da Baleia Azul envolvida adolescentes em uma série de tarefas cada vez mais graves ao longo de 50 dias. E, ao final dela, o participante era encorajado ao suicídio.
Como é o caso na grande maioria dos desafios que se tornam virais, há algo de verdade nisso. Houve uma recente onda de suicídios de adolescentes na Rússia, país cuja taxa de suicídio adolescente já é maior do que a média mundial). E um homem chamado Philipp Budeikin foi preso e acusado de organizar o jogo nas redes sociais. Grande parte das acusações foram retiradas. E, desde então, tem sido relatado que Budeikin muito provavelmente criou esses grupos para promover sua carreira musical.
Outros relatos ligam o Desafio da Baleia Azul a suicídios de adolescentes, como é o caso de Isaiah Gonzales, de San Antonio, nos Estados Unidos, se provaram em fundamento.
"Não há verdade sobre a existência [de jogos como o Desafio da Momo] ou de que se trata de uma ameaça real", diz Benjamin Radford,folclorista e pesquisador do Comitê de Inquérito Cético. Ele afirma que fenômenos como Baleia Azul e Desafio da Momo são parte de um "ataque de pânico moral alimentado pelos medos dos pais em querer saber o que os filhos estão fazendo. Existem adultos que talvez não sejam familiarizados com os smartphones, que não troquem mensagens, não se sintam confortáveis com essa tecnologia. E eles ficam se perguntando: 'Minha filha está sempre no meu telefone… Com quem ela está falando? O que está acontecendo por lá? Existe um receio sobre o que os jovens estão fazendo com a tecnologia", ele explica.
Até mesmo a política da Irlanda do Norte, que publicou o aviso a respeito da Momo, parece acreditar que a reação foi exagerada. Eles publicaram, novamente no Facebook, dizendo que "uma pesquisa básica sugere que a Momo é mantida por um grupo de hackers que estão procurando por informações pessoais das pessoas. Por mais assustadora que ela seja, a Momo não vai se arrastar para fora do celular e matar o seu filho."
Dito isso, especialistas em saúde mental alertam que a cobertura massiva da imprensa, em parte histérica, pode ser prejudicial, possivelmente inspirando imitadores. Tomemos, por exemplo, o caso das duas garotas de 12 anos de Wisconsin, também nos Estados Unidos, que tentaram esfaquear o melhor amigo até a morte, alegando mais tarde que o fizeram para apaziguar o bicho-papão da internet Slender Man, citado no início desse texto.
Embora não exista qualquer evidência para provar a existência do Slender Man, o caso ensina que "o Slender Man não precisa existir para que as pessoas por ele”, adverte Radford.
E mesmo que jogos como o Desafio da Momo sejam exagerados, isso não quer dizer que as crianças não corram o risco de serem exploradas por predadores na internet.
Como tratou ensaio do escritor de tecnologia James Bridle, que se tornou viral em 2017, plataformas populares como YouTube são inundadas de criadores de conteúdo que exploram o algoritmo da plataforma para criar vídeos perturbadores e frequentemente violentos especificamente direcionados a crianças, geralmente usando personagens infantis populares.
De início, o YouTube fez pouco para reprimir esse tipo de conteúdo. Depois, perdeu anunciantes com os relatos de que pedófilos estavam usando as seções de comentários na plataforma, às vezes até publicando links para acesso a pornografia infantil.
O YouTube também anunciou que vídeos com a Momo não serão mais monetizados (ter anúncios, antes, durante e no fim dos clipes), mesmo se eles forem publicados por organizações de notícias, como reportagens sobre o fenômeno.
Como todas as lendas urbanas, “há um princípio de verdade nos [desafios do suicídio on-line], nas quais o cyberbullying acontece. A extorsão sexual acontece também”, diz Radford. “Essas coisas são reais.”
Os pais que estão preocupados com a exposição dos seus filhos a imagens perturbadoras nas redes sociais devem ter uma conversa franca com eles sobre o uso da internet, explica Foreman.
"Precisamos lembrar aos pais que estão essas coisas funcionam como como estranhos dando doces nas ruas, mas em uma nova mídia", diz ela. Além de implementar o controle dos pais e os filtros em todos os dispositivos de seus filhos, os pais também devem "dizer [aos filhos]: Você pode ver algumas coisas estranhas, se encontrá-las, desligue-as. E me avise”, ela explica.
Enquanto o risco de ver conteúdo perturbador nas redes sociais é muito real, a ideia de uma misteriosa cabala de sociopatas tecnicistas se comunicando com crianças por meio de WhatsApp e pedindo que eles se matem é muito ridícula para ser plausível.
"Se você pensar sobre isso, os adultos têm dificuldade em conseguir que os adolescentes limpem seus quartos. Muito menos levar as crianças a realizar uma série de tarefas cada vez mais bizarras por 50 dias consecutivos", diz Radford.
Em última análise, a internet é um lugar muito assustador para as crianças, e os pais têm muitos motivos para surtar. Provavelmente, contudo, não há necessidade de adicionar a escultura de uma personagem japonesa na lista.
* Tradução: Pedro Antunes