Na era das playlists e dos 15 segundos no TikTok, o rapper de Toronto dominou a arte de fazer hits e é rei no streaming
De um lado, a devoção dos fãs de Aubrey Drake Graham. Do outro, o desejo ansioso que o rapper pise em falso para que ele seja “cancelado”. Sem entrar na discussão do certo ou errado, o fato é que Drake está nos holofotes há uma década.
Em dezembro de 2019, o Spotify divulgou a lista dos artistas mais ouvidos daquele ano e dos últimos dez. O canadense ocupa o último posto citado ao colecionar mais de 28 bilhões de streams na plataforma e 50 bilhões nas mundiais. Na Billboard, maior parada norte-americana, Drake teve 38 músicas entre as 10 mais ouvidas (sendo sete ocupando o primeiro lugar) no Hot 100. Sim, são 10 anos seguidos liderando o império de uma indústria massiva e efêmera de lançamentos a cada sexta-feira.
Seja sozinho com "Hotline Bling", "Passionfruit", "God's Plan" e "Nice for What" ou amparado por outros grandes nomes como Rihanna ("What’s My Name", "Take Care" e "Work"), Lil Wayne ("She Will", "I'm the One" e "Love Me") e Kendrick Lamar ("Fuckin Problems"), não houve um ano que o rapper não foi revelante para o mercado. Até em 2014, quando ele não lançou nenhum single ou disco, o canadense foi onipresente na cultura pop.
Como ele conseguiu fazer isso? Drake entendeu como construir a própria força comercial - e a música não perde com isso. Com 14 anos de carreira, o artista encontrou uma brecha entre um R&B soturno, o pop e um rap emocionalmente carregado para fazer com que tudo isso soe “como uma música do Drake”.
Os versos existencialistas e românticos combinados às batidas - que no início do movimento não era possível prever - foram vistos inicialmente com o Kanye West e a recepção não-calorosa do 808s & Heartbreak. Inspirado por essa melancolia, anos depois o rapper incorporou essa faceta. A diferença é que enquanto o Kanye fez um disco para cada mood (o que é incrível), Drake pegou a melancolia e fez disso a própria marca. Para ele, o canto chegou a sobressair as rimas em alguns pontos como em Take Care.
Essa fórmula exata, que incorporou o rap de vários lugares (Nova York, Atlanta, Toronto e Londres), o colocou incessantemente nas rádios, nas playlists para malhar, chorar e, agora no termômetro de hits, o TikTok.
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O último meio de reprodução, inclusive, expôs a atenta relação que o rapper tem com a internet. Com o lançamento de “Toosie Slide”, faixa que integra a nova mixtape Dark Lane Demo Tapes, juntamente a uma coreografia pensada para os 15 segundos do aplicativo, Drake estreou no topo do Hot 100. Com passos simples - e ilustrados por ele no clipe da música - o refrão chiclete “pé direito para cima, pé esquerdo desliza” já movimenta mais de 3 milhões de vídeos na plataforma.
Drake, é claro, não foi o primeiro a ter um hit viralizado no TikTok. O trap country “Old Town Road” de Lil Nas X e o pop cativante de “Say So”, de Doja Cat, por exemplo, ocupam esse posto. No entanto, o rapper foi o primeiro a fazer uma música com a intenção de estar na rede social - o que é muito esperto.
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A relação dele com a "internet viral", porém, não é de hoje. O rapper foi Tiktoker, antes do Tiktok. No lançamento de Scorpion - o segundo disco mais vendido de 2018, porém, o mais criticado da carreira do artista -, a música "In My Feelings" ganhou um desafio com a hashtag #DoTheShiggy no Instagram após o comediante Shiggy ter feito mímicas com os versos da faixa.
O feito, é claro, viralizou na rede social e foi reproduzida por vários artistas, inclusive, o Will Smith. Tempo depois, a música chegou ao topo das paradas da Billboard e Drake aproveitou o pódio para incentivar ainda mais a campanha ao publicar um vídeo participando do desafio. Ao voltar alguns anos atrás, as cenas do clipe de "Hotline Bling", lançado em 2015, também foram uma febre e continuam sendo utilizadas - agora, aperfeiçoadas como stickers no Whatsapp.
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Considerado um “crooner”- um artista que canta vários gêneros musicais ou populares - dessa geração, Drake também sai na frente com as personalidades artísticas que construiu ao longo desses anos em 14 projetos (entre discos, EPs e mixtapes). Dessas facetas, duas são mais evidentes: o rapper brinca com a postura romântica do R&B e a de bad boy do rap.
É possível encontrá-lo cantando com uma energia prepotente como “Meu Deus / Se eu morrer / A única coisa que eu sei / é que sou uma lenda”, em “Legend”, do If You’re Reading This, It’s Too Late (2015), ouvi-lo cantando apaixonado: “Você não quer dançar comigo? / Eu poderia dançar como o Michael Jackson / Eu poderia te dar uma paixão avassaladora” ou ingênuo ao fazer alusão a brincadeira bem-me-quer, mal-me-quer em "Toosie Slide": "Tiro pétalas da rosa / Eu amo ela? / Talvez não”.
Drake aperfeiçoou essas personas e usou isso para buscar outros espaços dentro da indústria: as parcerias. Como já citado acima, o rapper esteve ao lado de grandes nomes, desde os que alcançam o mainstream até os nichos musicais, e isso potencializou o alcance dele. Quando Drake se reúne, por exemplo, com Black Coffee, um produtor de house sul-africano ou Wizkid, cantor nigeriano de pop, ele expande a possibilidade de conseguir um novo público. Ou quando ele se reúne com Justin Bieber, ou o DJ Khaled: a música vai tocar nas rádios e os shows dele sempre estarão lotados.
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O Drake esbanja dessa energia agridoce, é odiado, é amado, é subestimado, é superestimado - basicamente, é o resumo das emoções que estão na internet hoje, veja como faz sentido que ele tenha liderado o topo das paradas. Na crítica da nova mixtape Dark Lane Demo Tapes, Craig Jenkins, da Vulture, enfatizou essa figura do rapper ao compará-lo com os outros artistas: "50 Cent explodiu quando precisávamos nos sentir invencíveis; Kanye West nos alimentou quando tínhamos fome de impulsividade. Toda época recebe o rapper que merece".
Para quem espera o passo em falso do canadense, isso pode soar como algo ruim, afinal, existe a rejeição do fato do Drake, definitivamente, não buscar a figura da perfeição que você pode ver Miss Americana. Muito pelo contrário, ele mostra que é imperfeito e fica bem com isso.
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