Em noite chuvosa em São Paulo, Oasis apresenta faixas de toda carreira - e mostra que sabe como fazer um bom show de rock
Atualizada em 10/5, às 17h30
Em tempos de "bom mocismo" no rock (em que o uso de anéis de virgindade é o mais perto que se chega de uma polêmica), o Oasis se destaca: encrenqueiros, beberrões, antipáticos - e, acima de tudo, bons músicos. Hoje, os irmãos Gallagher estão mais "calmos", mas nem por isso fazem as vezes de "rapazes do bem" - e esse é um dos aspectos que os tornam tão interessantes aos olhos do público. De volta aos trilhos (na estrada e na carreira) com o disco Dig Out Your Soul, a banda se apresentou em São Paulo neste sábado, 9, para 25 mil pessoas, com pacote completo: ótima execução musical e pequenas rusgas com a plateia.
A chuva que incomodou durante o show do Cachorro Grande, encarregado de abrir as apresentações da banda britânica no Brasil, cessou pouco antes da chegada dos ingleses ao palco. Ao som de uma gravação de "Fuckin' in the Bushes", a banda surgiu pontualmente às 22h. Vestidos sobriamente - calças jeans e casacos escuros -, e com cortes de cabelo muito semelhantes, todos se parecem de longe. A exceção fica por conta do tecladista Jay Darlington: de barbas e cabelos longos, olhar vazio, como um hippie em transe, Jay parece transportado direto da década de 1960 para os dias atuais. E apesar de sua participação ser percebida em poucas faixas, ele se mostra como um "ingrediente psicodélico" caro ao grupo, principalmente nas músicas do último disco.
O setlist manteve-se fiel ao apresentado no restante da turnê, mesclando faixas de toda a carreira da banda. "Rock 'n' Roll Star" (Definitely Maybe, disco de estreia, de 1994) é mais que apropriada para a abertura. É como um lembrete que ali, em cima do palco, eles são reis: podem e mandam em tudo, sem se importar com o julgamento de quem quer que seja. E nem precisariam: competentes, os integrantes do Oasis entregam um certeiro show de rock, sem afetações ou falsa simpatia.
Visualmente, o palco era simples: luzes coloridas funcionavam em sincronia com telões verticais ao fundo do palco, que raramente exibiam imagens dos músicos. Para ajudar quem ficou para trás da área vip, dois telões laterais. E quem deixou para a última hora, ainda teve chance de assistir à banda. Na noite de ontem, ainda era possível comprar ingressos para todas as áreas na Arena Anhembi.
Na primeira meia hora de apresentação, Liam, com as mãos quase sempre para trás ou dentro dos bolsos do sobretudo, se mostrava mais animado. Noel parecia estar apenas cumprindo mais um dia de trabalho. Suas feições só mudaram em "Waiting For the Rapture", quando Liam sai do palco para dar lugar à sua voz (o mais novo dos Gallagher sempre se retira ao backstage nas músicas cantadas pelo irmão). Agradece em português, e emenda, em inglês: "O que há com o Oasis e com a chuva? Sempre que estamos aqui chove". A bela "The Masterplan", tirada de compilação homônima, provoca o primeiro grande coro da noite.
Liam volta em "Songbird". Gem Archer troca sua guitarra por um violão de doze cordas, enquanto o vocalista, longe do microfone, pede palmas. Archer divide a tarefa de guitarrista principal com Noel, fazendo ora base, ora solo, sem deslizes em nenhuma das duas posições. Chris Sharrock, nas baquetas, se sobressai: no Oasis desde 2008, o músico esmurra os tambores na medida, equilibrando o peso de faixas como "Morning Glory" e a simplicidade (na bateria) de outras, como "I'm Outta' Time".
As jovens meninas grudadas na grade (os telões mostravam garotas adolescentes, ainda atormentadas por espinhas e aparelhos dentários) ganharam menção antes de "Slide Away", dedicada à "little people". No final da música, Liam, que até então parecia realmente empenhado em mostrar seu lado menos ranzinza, ficou nervoso: pessoas jogaram coisas no palco (não deu para ver o quê), garantindo um pequeno sermão e um "fuck off", simbolizado pelos dois dedos médios em riste. "Essa é para os idiotas que estão jogando coisas", disse antes de "Morning Glory". No final da música, quando tudo parecia resolvido, Liam bate sua meia-lua no microfone, fazendo o aparelho voar longe. Sai do palco com pinta de menino mimado - enquanto isso, Noel, como uma babá, diz que "se vocês continuarem jogando coisas, nós vamos sair do palco", pedindo que os seguranças retirassem qualquer um que fizesse menção a um arremesso. Liam volta, faz careta, e tudo volta ao normal.
"Wonderwall", hit lançado em 1995 (e para muitos aspirantes a violonista, uma das primeiras músicas aprendidas ao instrumento), acalma os ânimos antes do bumbo ensurdecedor em "Supersonic". Eles saem do palco acenando, e voltam dois minutos depois. Ao ouvir os pedidos de músicas da plateia, Noel também dá sua porção "rockstar antipático": "É o nosso show, somos nós que escolhemos as músicas, não vocês". E o público, em vez de se irritar, se delicia com a postura e a "atitude" do principal letrista do Oasis.
Chris troca as baquetas por uma meia-lua na versão semi-acústica de "Don't Look Back in Anger" (Liam e o baixista Andy Bell não estão no palco). Cantada em coro, a faixa parece ter sido escrita para grandes shows, especialmente para aqueles momentos em que a voz do frontman é encoberta pelas milhares de vozes dos fãs. Liam só volta depois de "Falling Down", oferecendo a inebriante "Champagne Supernova" aos que estão nos fundos da arena. Alguém ganha de presente a meia-lua do cantor, atirada ao meio da pista vip. "Vocês são incríveis, como sempre", constata.
A apresentação termina às 23h45, com uma versão mais barulhenta de "I Am the Walrus", dos Beatles (do psicodélico Magical Mystery Tour, trilha de filme homônimo estrelado pelo Fab Four em 1967). Liam, como em diversas vezes anteriores, fica estático no canto direito do palco, tal qual um imperador diante de seus súditos. Sai sem dizer nada, enquanto a banda permanece. Ao fim, Noel vai ao centro, agradece, e ainda manda um beijo para alguém na plateia. Evento encerrado e tarefa cumprida: o Oasis mostra que sabe como fazer um bom show de rock.
A banda se apresenta neste domingo, 10, em Curitiba, e na terça, 12, em Porto Alegre.