Dispensando dublês, atriz quebrou dois dentes ao interpretar agente secreta nos tempos da Guerra Fria; trilha sonora com David Bowie e Depeche Mode é atração à parte
Hoje a situação política é tão caótica e fragmentada que é fácil esquecer que, mais ou menos 30 anos atrás, havia alguma esperança de estabilidade mundial após a queda do Muro de Berlim. É justamente neste ambiente de final de Guerra Fria que está inserido Atômica, filme que apresenta Charlize Theron como uma agente secreta das boas, em cenas de luta realistas e animalescas. Com o ótimo uso de uma trilha sonora de festa eletrônica oitentista, Atômica também não deixa de ser um passeio nostálgico pelo final daquela década, antes de o mundo embarcar em outros tipos de crise.
Embora o longa se baseie na atmosfera e nas paranoias do final dos anos 1980, a história não tem raízes plantadas em fatos reais. A fonte é a graphic novel The Coldest City, de Anthony Johnston e Sam Hart, lançada nos Estados Unidos em 2012 e que finalmente ganha uma edição nacional pela editora DarkSide, com o nome Atômica: A Cidade Mais Fria.
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Lorraine Broughton (Charlize) é parte do topo da elite dos espiões da MI6, a agência de inteligência britânica. Ela não tolera conversa mole e é mais do que eficiente: para executar o trabalho, deixa que suas ações beirem à selvageria. Em 1989, com o Muro de Berlim que dividia a Alemanha prestes a cair, Lorraine é enviada à região para executar uma missão com múltiplos objetivos, sendo o principal deles resgatar uma lista que tem os nomes de agentes e das comprometedoras e ultrassecretas missões que eles executaram. Outra incumbência dela é desmascarar e eliminar um agente duplo de nome Satchel, pedra no sapato do MI6.
O mote do filme é a frase “é um prazer duplo enganar o enganador”, do escritor e pensador italiano Niccolo Machiavelli (ou, como o conhecemos no Brasil, Nicolau Maquiavel), o que dá a dica: há muitas traições e reviravoltas. Lorraine não pode confiar em ninguém no ninho de ratos que é Berlim, incluindo aí o contato dela na cidade, o cínico David Percival (o sempre ótimo James McAvoy). No meio da complicação, ainda aparece Delphine Lasalle (Sofia Boutella), uma agente francesa que também estaria escondendo segredos.
Dirigido por David Leitch (que foi codiretor sem crédito do primeiro filme da agora admirada franquia John Wick), Atômica pode parecer ter mais estilo do que substância, mas, aqui, isso não é problema. A ação é constante e mesmo aqueles versados em filmes de espionagem vão se surpreender com as mudanças de rumo no roteiro. Também há uma boa dose humor negro, além da trilha sensacional, que inclui canções de New Order, Depeche Mode, George Michael, The Clash, Queen e David Bowie, entre outros. A direção de arte recria Berlim com uma aura de decadência chique, sem para um tom kitsch.
Depois de viver a marcante Furiosa em Mad Max: Estrada da Fúria (2015), Charlize provou de vez que tem perfil ideal para filmes de ação. As complexas cenas de luta foram feitas por ela mesma, sem uso de dublês ou trucagens de computador. Os embates corpo a corpo que a personagem Lorraine tem com os russos são eletrizantes. Charlize até quebrou dois dentes durante as filmagens – a atriz se arriscou fisicamente para dar credibilidade ao papel. A exuberância da atuação física dela é o principal motivo para se assistir a Atômica, mas o filme tem prazeres e sensações de sobra, com qualificações para se tornar cult.