Artista recebeu o público na sala de concertos paulistana em show com participações de Pabllo Vittar, Majur, Drik Barbosa e Jé Santiago
Emicida aperta os olhinhos de trás das lentes dos óculos de aro fino e fala sereno: “Para gente é mágico apresentar ‘AmarElo’ aqui”. Diante dele e banda está o público que lota o primeiro dos dois shows do rapper no Theatro Municipal, ícone da arquitetura do centro antigo de São Paulo e uma das mais importantes e históricas casas de concerto do Brasil, ambos nesta quarta, 27 - um às 16h e outro às 21h, com ingressos esgotados em 10 minutos.
E Emicidaestava ali, talvez meio em transe, dada à calma mostrada quando conversou com a plateia pela primeira vez. Para ele, era um acontecimento gigantesco em termos de carreira. Para o rap nacional, representa ocupar um espaço que não lhe era dado, o Theatro, um espaço que carrega na própria história, invariavelmente, o elitismo cultural.
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“É muito importante trazer um concerto de rap para cá”, diz Emicida, depois do primeiro par de músicas. “Sozinho, a gente não faz nada. Isso aqui é o resultado de um esforço coletivo. Essa conquista é de todos que vieram antes de nós.”
Emicida sabe do impacto que a apresentação de AmarElo, o show de um rapper, tem e terá no futuro. "Vejo vocês no livro de história", disse ele, ao público.
Ele brinca com o público o tempo todo, principalmente na segunda metade da performance, quando as pessoas deixam as cadeiras e se levantam no Theatro. "Eu tento ser um cara elegante, olha o lugar que eu arrumo para vocês. Não vamos perder a classe agora", brincou ele.
As duas apresentações serão filmadas e transformadas em um filme baseado no disco, um projeto que leva o nome de Experimento Social AmarElo. Interessante é que as imagens registradas pelas pessoas, e publicadas nas redes sociais, também serão incluídas na produção.
Antes do show, quando foi anunciado que era permitido filmar e fotografar, diferentemente dos avisos antes dos espetáculos, o público vibrou com a notícia.
No palco, Emicida é acompanhado delo produtor do espetáculo Julio Fejuca (baixo, cavaquinho, violão e programações), DJ Nyack, Michelle Cordeiro (guitarra e violão), Silvanny Sivuca (bateria, bateria eletrônica e percussão), Allan Abbadia (trombone e arranjos de metais), Buga (sax e flauta), Larissa Oliveira (trompete e flugelhorn), Jamah e Thiago Jamelão (backing vocals).
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AmarElo é o centro gravitacional da performance. O álbum de Emicida, lançado em outubro deste ano, é fruto de uma gigantesca pesquisa e um impressionante processo de ressignificação artística do rapper, no discurso e na estética musical. Um disco político, empacotado de “álbum de canção”, com flertes com outros gêneros, como samba, e o uso de refrãos pop.
Político, sim, porque pede por mudança. Ele não o faz à força, contudo:Emicida canta o amor. O amor é o elo, como o título do álbum já diz, que parece faltar no dia a dia.
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Por isso, a trinca inicial de músicas foi tão importante. “A Ordem Natural das Coisas” (com participação de MC Tha), “Quem Tem Um Amigo (Tem Tudo)” e “Pequenas Alegrias da Vida Adulta” têm a importância de estabelecer o mood do que vira a seguir. “9nha”, música com Drik Barbosa, também se destaca ao vivo.
AmarElo, o concerto, não tem pressa de chegar ao clímax, atingido quando chega a música que dá nome ao disco e ao show. No Theatro Municipal, Majur e Pabllo Vittar repetiram a participação do estúdio. E foi explosivo.
De repente, a excelente e elogiada acústica do Thetro Municipal vibrava com versos de Belchior, incluídos na canção "AmarElo": "Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro / Ano passado eu morri / Mas neste ano eu não morro".
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Depois dessa canção, Emicidaparece ter saído do transe da calmaria e queimou o Municipal. Deixou o lado sereno e emendou canções que colocam dedos nas feridas de uma sociedade historicamente injusta e racista, como “Pantera Negra”, “Zica”, “Bang” e “Eminência Parda” - essa última trouxe Papillon e Jé Santiago, esse último, rap/trapper, é impressionante no palco.
Com “Ismália”, com a participação de Larissa Luz, Emicida não freia o ímpeto e segue para o ataque. Ao fundo, a narração de Fernanda Montenegro presente no disco ressoa, poderosa, pelo Theatro Municial. Emicida ouve a gravação de olhos fechados.
Depois dela, com “Levanta e Anda”, Emicida celebrou um dos seus maiores hits. Ali, o rapper brecou a banda. Silêncio. “Me emocionei”, disse ele, ao justificar o reinício da canção. “Que a gente nunca mais se contente com menos do que isso.”
Entre pancadas e carícias, Emicida extravasa seu AmarElo e sua carreira. No bis, enfileira “A Chapa é Quente”, “Gueto”, “Libre”, “Ubuntu” e “Passarinhos”.
Nada mais emblemático da caminhada de Emicida e o novo momento dele do que o verso escrito por ele para a música que deu nome ao disco, “AmarElo”: “Permita que eu fale, não as minha cicatrizes”.
E ali estava ele, Leandro, o menino que mordeu cachorro certa vez, de fome, e fez disso sua força, nome de um EP e combustível para ser Emicida, o rapper que está fazendo história - a dele, do rap, da música brasileira.
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Setlist do Emicida no Theatro Municipal
“A Ordem Natural das Coisas”
“Quem Tem Um Amigo (Tem Tudo)”
“Pequenas Alegrias da Vida Adulta”
“Cananéia, Iguape e Ilha Comprida”
“Baiana”
“Madagascar” / “Alma Gêmea”
“9nha” / “Eu Gosto Dela”
“Paisagem”
“Hoje Cedo”
“Amarelo”
“Pantera Negra” / “Zica” / “Bang”
“Eminência Parda”
“Boa Esperança”
“Ismália”
“Levanta e Anda”
“Principía”
BIS
"Passarinhos"
"Gueto"
"A Chapa é Quente"
"Libre"
"Ubuntu Fristaile"