Leia entrevista publicada pela Rolling Stone EUA
O lendário e icônico David Bowie, um dos artistas mais revolucionários do século 20, morreu neste domingo, 10. Ele tinha 69 anos. A informação foi divulgada nas redes sociais do cantor.
“David Bowie morreu em paz hoje, cercado por sua família depois de uma corajosa batalha de 18 meses contra o câncer. Enquanto muitos vão dividir a dor pela perda dele, pedimos que vocês respeitem a privacidade da família neste período de luto”, informou o comunicado oficial. Saiba mais.
Abaixo, relembre entrevista concedida por Bowie à Rolling Stone EUA em 2003. A autoria é do jornalista Austin Scaggs.
“Desde que eu tinha 17 anos, tinha o desejo de vir para Nova York”, diz David Bowie, de 56 anos, agora um morador da cidade. “Representava tudo que era culturalmente interessante para mim – Free-wheelin', os beatniks, Allen Ginsberg.” Em seu vigésimo sexto disco, Reality, Bowie fala sobre a vida como um nova-iorquino. Mas em vez de chafurdar em um mundo de alertas de terrorismo e blackouts, Reality reflete uma visão mais otimista, que ele atribui ao nascimento da filha, Alexandria, agora com 3 anos. “Quando aconteceu um blackout dia desses, dois caras que estavam ensaiando cravo foram para a rua e fizeram um pequeno concerto clássico para a vizinhança inteira. Coisas assim estavam acontecendo por toda a cidade. Fiquei bem orgulhoso por ser um nova-iorquino.”
Qual é sua memória musical mais antiga?
Tinha uma música religiosa que tocava no rádio aos domingos, chamada “O for the Wings of a Dove”. Eu devia ter 6 anos. Não muito tempo depois ouvi “Inch-worm”, de Danny Kaye. Essas são as duas primeiras músicas que causaram alguma impressão em mim. E as duas têm a mesma carga de tristeza nelas. Por alguma razão, eu senti uma empatia em relação a isso.
Seu primeiro instrumento foi o saxofone. Por que o sax?
Meu irmão era um grande fã de jazz. Ele tocava coisas como Eric Dolphy e Coltrane. Eu queria o sax barítono, mas acabei com um sax alto.
Você fez aulas?
Ronnie Ross – que apareceu na revista Downbeat como um dos maiores saxofonistas – morava perto, então eu peguei a lista telefônica e liguei para ele. Eu disse: “Oi, meu nome é David Jones, tenho 12 anos e quero tocar sax. Você pode me dar aulas?”. Ele soava como o Keith [Richards], e disse não. Mas eu implorei, até que ele disse: “Se conseguir vir até aqui no sábado de manhã, dou uma olhada em você”. Ele era legal. Muito tempo depois, quando eu estava produzindo o Lou Reed, decidimos que precisávamos de um solo de sax no final de “Walk on the Wild Side”. Então fiz o agente agendar com o Ronnie Ross. Ele fez um solo maravilhoso em apenas um take. Falei: “Obrigado, Ron, devo passar na sua casa no sábado de manhã? Ele respondeu: “Eu não acredito! Você é o Ziggy Stardust?”
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Você tem uma grande coleção de artefatos musicais?
Perdi e quebrei tanta coisa – é algo que realmente me deixa puto. A única coisa que eu tenho que é vagamente interessante é o meu Stylophone de 1969, dos tempos do disco Space Oddity. Com o passar dos anos, dei muita coisa para caridade.
Quais instrumentos você toca pior?
Guitarra, sax e piano [risos]. Se você quer uma prova, pergunte para a minha banda. Sou bom na parte rítmica, mas não conseguiria tocar guitarra solo. Eu titubeio e faço papel de idiota.
Quem é seu Beatle favorito?
John Lennon, sem dúvida. Ele representava tudo o que eu queria fazer em termos de coragem; sempre ultrapassava os limites. Eu também gostava da abordagem dele quanto à composição, da raiva escondida sob a superfície.
Que músicos mais te impressionam hoje?
Beck é extraordinário. E sinto que quando [Trent] Reznor fizer seu próximo trabalho, será magnífico. The Dandy Warhols – eles devem ser a banda mais engraçada por aí.
Qual foi a última vez que uma música te fez chorar?
Tem uma obra musical que me coloca em um lugar que nenhuma outra música me coloca. Chama-se Four Last Songs, composição de Richard Strauss. Especialmente na performance de Gundula Janowitz. Certamente tem a capacidade de me levar às lágrimas.
Você coloca música para tocar desde a hora em que acorda?
Sim, coloco. Eu ainda ouço vinil. Depois de me desfazer de muita coisa, devo ter uns 2 mil álbuns. É o essencial de tudo que já colecionei. Meu Deus, e é diversificado. Tudo do blues do Delta até Jacques Brel. Existem pouquíssimos tipos de música dos quais eu não goste de nenhum aspecto – exceto country e western, que eu não suporto.
Qual foi o último grande show que você viu?
Esse ano, vi o Radiohead no Beacon Theatre [em Nova York]. Eu tinha a suspeita de que eles eram a melhor banda por aí, e aquele show me convenceu. Mas também vi Lou Reed no Town Hall. Achei magnífico. Havia algo de muito fundamental no que ele estava fazendo, com espaço para ele fazer anedotas – algo em que Lou é muito bom. Isso é estimulante, porque quer dizer que a idade não importa – o que importa é a intenção, a integridade e o poder de tocar as pessoas.