Em show secreto, banda apresentou o single "Reflektor" em um clube de salsa para 200 pessoas, com ingressos a 9 dólares canadenses, coreógrafos e a exigência de traje formal ou fantasia
Montreal amanheceu agitada na última segunda-feira, 9: começou a circular no Twitter que o Arcade Fire faria um show secreto naquela noite. O grupo, um dos principais nomes do rock atual, já tinha soltado teasers e anunciado que algo aconteceria no dia 9 de setembro. O nome do single, “Reflektor”, já havia sido revelado (e a música tem participação de David Bowie). Bastou um cartaz divulgar que, nesta data, haveria um show da banda The Reflektors, às 9 horas e com ingressos a nove dólares canadenses para que o público juntasse as peças e confirmasse os rumores.
Perfil: a infinita ambição do Arcade Fire.
A fila em frente ao Salsathèque, escola de dança e clube para cair na salsa, na lambada e em outros ritmos calientes, começou a se formar pouco depois do meio-dia. O inferninho é famoso em Montreal e, em suas noites mais badaladas, ferve ao som de hits de Michel Teló e Gusttavo Lima remixados. A escolha do local foi bizarra, mas tinha fundamento. Você vai entender.
A reportagem da Rolling Stone Brasil foi uma das primeiras a chegar. Da porta, o segurança observava os fãs, que largaram os compromissos para garantir um lugar. Ele, então, achou melhor avisar que a noite era especial e que roupa formal ou fantasia eram obrigatórias.
O pavor foi instaurado nos que estavam despreparados. O rumor era de que não entraria quem não cumprisse o dress code. Amigos trouxeram camisas e gravatas para emprestar aos que já estavam na fila, muitos correram na loja de roupas da esquina, outros improvisaram fantasias com itens baratinhos de uma loja de 1 dólar. Das 200 pulseiras à venda, 100 foram para as primeiras pessoas da fila e as outras 100 foram escolhidas para entrar no show pelo figurino. O restante dos fãs pôde comprar ingressos para outro show, que acontecerá nesta quarta, dia 11.
O relógio marcava 18h30 quando os integrantes do Arcade Fire apareceram atravessando a rua. Cada um deles usando uma cabeça de papel machê (a mesma que usam no clipe de “Reflektor”), eles caminharam entre os fãs para fazer a passagem de som. O último a entrar no Salsathèque foi Win Butler, o vocalista, que, de surpresa, tirou a cabeça no melhor estilo boneco de Olinda e cumprimentou os fãs. Às 20h, a banda fez uma nova entrada, já pronta para o show, desta vez com sacos de pano na cabeça. Enquanto isso, os fãs tinham os rostos pintados e os cabelos enfeitados para entrar no clima da noite.
A apresentação
Meia hora antes do horário marcado, foram abertas as portas do Salsathèque. Todo o público subiu uma escadaria e parou no primeiro andar, antes de ser conduzido a uma pequena sala de dança para uma aula. Um guitarrista estava lá, tocando a música com o instrumento desligado e um saco de pano na cabeça. Dois coreógrafos ensinaram os passos, que todo mundo repetiu várias vezes, até quase aprender. Tudo sendo filmado por várias câmeras. Ao final, o guitarrista misterioso avisou: "Lembrem-se, vai ser a terceira música".
Subimos mais um andar. Na entrada, uma banquinha de merchandising vendia camisetas (25 dólares canadenses) e a versão física do single (9 dólares canadenses), lançado apenas em vinil e em edição limitada. Na capa aparece o nome da banda, The Reflektors, com os integrantes do Arcade Fire com os rostos apagados; no verso, uma lista falsa de músicas, já que o disco só tem uma faixa, “Reflektor”, completa no lado A e instrumental no lado B.
Com o souvenir em mãos, nossa reportagem chegou à pista. Um mundo de espelhos surgiu. Paredes, teto, globos – reflektors (refletores, em alemão). E muito neon, porque um clube de salsa no Canadá precisa ser bastante kitsch. O som antes do show ia do reggae ao kuduro, e pessoas com as cabeças de papel machê dançavam. Garantimos nosso lugar "na grade" – entre as aspas, porque não havia grade. Na verdade, não tinha nem palco. O Arcade Fire tocou no chão e só havia uma separação simples com um cabo emborrachado de um lado a outro porque os câmeras e fotógrafos precisavam se movimentar com segurança. Tudo estava sendo registrado.
A banda entrou com o figurino do clipe, paletó branco bordado, os sacos de pano na cabeça e os rostos pintados. Para mostrar seis novas músicas, eles contaram com dois percussionistas. Régine Chassagne deixou o acordeon para assumir o tambor de aço (devidamente preparado com as notas escritas no interior). O clima era de dança. Não de salsa, mas de discoteca, de anos 70, com muitas batidas de influência africana e palmas ligeiras. A temática das letras continua a mesma, mas a atmosfera é inesperadamente festiva e contemporânea.
Win Butler cantou muito mais do que tocou guitarra. Logo no início do show, se jogou no meio do público, que pulou junto com ele como se estivesse em uma micareta. A banda toda estava empolgada. Régine estava mais performática do que nunca. A pintura preta e branca no rosto e as luvas que usava reforçavam essa performance – o olho no olho também, e a vantagem de tocar em uma casa pequena, sem um canhão de luz que quase cega ou um palco altíssimo, é essa troca tão próxima.
A cena foi toda preparada para fechar o conceito de “Reflektor”. Todos os teclados tinham espelhos virados para o público. O piso era branco, e todo o equipamento que pôde ser coberto de branco o foi, da base do pedestal aos cases nos quais se apoiavam os amplificadores.
Durante os 50 minutos de show, o Arcade Fire se apresentou como The Reflektors. O vocalista, inclusive, chegou a agradecer a gentileza do público, já que aquela era a “estreia” deles. Como combinado, na terceira música, ele perguntou se havíamos aprendido alguns passos de dança. Então, convidou os coreógrafos, que ficaram na frente refrescando a memória de quem assistia ao show. Apesar do pouquíssimo espaço – todo mundo queria estar na primeira fila, pertinho da banda –, a coreografia funcionou e certamente vai ficar ótima no material que está sendo preparado esta semana em Montreal. Quem sabe um DVD?
O show terminou tão explosivo que Win voltou a se jogar na plateia, e os integrantes da banda passaram a pular em seus lugares. Pularam tanto que derrubaram um dos filetes de neon que estava no teto, que tanto era baixo como eles eram altos. Will Butler, irmão de Win, ficou preocupado, tentando consertar na hora e até depois do show. Régine deixou o lugar saltitante, tocando as mãos dos fãs com entusiasmo.
Acredite se quiser: dez artistas que amamos e nunca chegaram ao topo da parada nos EUA.
Shows secretos e vida em Montreal
Headliner nos maiores festivais de mundo, quando está em Montreal, cidade onde a banda se formou, o Arcade Fire gosta de tocar em locais pequenos, para poucas pessoas. Antes do lançamento de “Reflektor”, eles haviam feito um show em dezembro sob o pseudônimo de Les Identiks, com divulgação pela internet e cartaz com os integrantes da banda sem rosto. No show desta segunda, os músicos ficaram interagindo com o público na Salsathèque, tomando drinks e distribuindo autógrafos, enquanto Win Butler escolhia o repertório com um DJ. A festa parece ser mais divertida pra eles quando a casa é menor. Para o público, definitivamente é.
Enquanto não saía o material novo, os membros se divertiram tocando na cidade. O baterista, Jeremy Gara, foi DJ em um festival com ingressos "pague-quanto-puder". A violinista Sarah Neufeld lançou o disco solo Hero Brother no La Sala Rossa, bar com capacidade para 250 pessoas.