“Acho que tenho até sido um pouco comodista de seguir essa carreira no exterior”, diz o diretor em entrevista coletiva de imprensa
Fernando Meirelles e a atriz Maria Flor se reuniram com a imprensa na tarde desta segunda, 13, para falar do mais novo filme do diretor de Cidade de Deus, 360, que chega aos cinemas nesta sexta, 17. O filme, livremente baseado na peça Ronda, do austríaco Arthur Schnitzler, é no esquema “coral”, com várias histórias interligadas de forma a dar uma volta de 360 graus. Jude Law, Rachel Weisz, Anthony Hopkins e diversos outros nomes estão no elenco.
“Todas as histórias têm menos tempo do que eu gostaria”, analisou Meirelles. “Essa é uma armadilha desse gênero. Você conta muitas histórias e não consegue entrar muito fundo em nenhuma. Corre o risco de ficarem superficiais. É preciso olhar o tema geral.”
Além de Maria Flor, alguns outros brasileiros estão no elenco e nos bastidores do filme. A direção de fotografia é do consagrado Adriano Goldman, a trilha é de Ciça Meirelles e Juliano Cazarré também integra o elenco. Meirelles conta que não é muito ligado na parte política de incentivo ao cinema nacional, mas que sua forma de colaborar é interligando nosso cinema ao cenário internacional sempre que pode. "Trabalhei com a Flor e o Juliano em Som e Fúria. Os dois são muito talentosos e foram meus primeiros nomes", conta o diretor, que também revelou que na verdade, tinha pensado em Cazarré para outro projeto. "Vi o Juliano pela primeira vez em A Concepção, e fiquei muito impressionado. Estava preparando um filme sobre a Janis Joplin e tem um cara que é a cara do Juliano. Ele ficou superanimado, mas o projeto desabou porque os donos dos direitos das músicas e eu não tínhamos as mesmas ideias.”
Considerando o ponto alto do filme a atuação do elenco, que tem profissionais de vários lugares do mundo trabalhando muito bem, Meirelles contou que “gosta de manter as portas abertas aos atores”. “Isso os estimula a trazer coisas para expandir a cena, mesmo a gente tendo um roteiro para cumprir”, acredita. Uma das sequências com mais improviso é estrelada por Anthony Hopkins (foto), que praticamente interpretou ele mesmo no filme. “Ele frequenta o alcoólatras anônimos diariamente de verdade, é alcoolatra recuperado, como o personagem. A primeira vez que falei do personagem ele disse que queria fazer porque ‘esse cara sou eu. Vou contar a minha história do meu jeito’. Ele pediu para colocar umas histórias dele no meio e não parava de falar, chegou a acabar o negativo das câmeras. Ele conseguiu misturar o texto dele e do Peter Morgan de forma brilhante.”
Peter Morgan que, aliás, é muito mais autor da trama do que o dramaturgo Schnitzler. "O longa é 80% Peter Morgan, 3% da peça e o resto é meu", define o diretor. "Peter é um cara muito internacional, usou La Ronde de desculpa para ter o patrocínio da TV austríaca e contou uma história dele. Ele sente que a vida dele é muito internacional. A história é muito pessoal, ele nem foi pago para fazer o roteiro. E ainda ajudou a escalar o elenco e me ajudava a montar o filme por Skype."
Voltando ao elenco, Maria Flor, que atuou direta e especialmente com Hopkins, também foi só elogios a ele. “Nunca achei que fosse contracenar com um ator desse porte. Ele é um cara reservado, cada um fica no seu trailer, não tem essa interação que tem no Brasil. Ele foi muito generoso comigo, tudo que ele queria fazer ele me propunha antes, queria saber se tudo bem por mim.”
Outro ator com quem ela teve bastante contato direto foi Ben Foster, que vive um predador sexual recém-saído da prisão e que tenta se recuperar, se tornar um membro funcional da sociedade. O ator usa aquele “método” de interpretação dos norte-americanos de ficar o tempo todo no personagem. “A principio, achei meio metido, mas depois entendi que ele queria aproveitar isso para a cena. A primeira vez que a gente se olhou e se falou de verdade foi nos personagens. Isso está na cena, essa surpresa, essa energia. É um ator muito sério e concentrado, adorei a proposta, no fim.”
Distribuição
Mesmo sem ter muita certeza se podia revelar a informação, Fernando Meirelles contou que para que o filme "se pague" (ou seja, não dê prejuízo), tem de ser visto por 300 mil expectadores. “Sabemos que não é um filme para estourar, mas vamos ver.” Nos Estados Unidos, o fim de semana de estreia da produção foi decepcionante. No país, foi usada uma técnica de distribuição que tem se tornado cada vez mais usual por lá. Antes de o filme chegar às telonas, é vendido para a televisão on demand. Meirelles quer trazer a iniciativa ao Brasil. “A O2 está tentando juntar pacotes de dez ou 15 filmes brasileiros para essa venda on demand na TV daqui”, contou. A questão da dificuldade na hora de distribuir é um dos fatores que, segundo ele, o atraem para o trabalho no exterior: “Prefiro fazer filmes em português e em uma cultura que domino mais. Acabo fazendo fora por uma comodidade, porque as coisas já chegam financiadas e é mais fácil de vender. Acho que tenho até sido um pouco comodista de seguir essa carreira.”