Festival Superlativo

Com festival Mimo, Olinda se torna a convergência da musica erudita e popular no Brasil

Antônio do Amaral

Tom Zé se apresenta no Mostra Internacional de Música de Olinda
Tom Zé se apresenta no Mostra Internacional de Música de Olinda

Em sua sétima edição, a Mostra Internacional de Música de Olinda (Mimo) movimentou a semana de 2 a 7 de setembro em Olinda (PE) com presença superlativa de público. Com shows totalmente gratuitos, a programação do festival investiu em uma aproximação entre a música de concerto, a música popular e jazz, ocupando os espaços e as acústicas das igrejas da cidade.

Na abertura, na noite do dia 2, o espaço principal do evento, na Igreja da Sé, recebeu o maestro Isaac Karabtchevsky regendo a Orquestra Sinfônica de Barra Mansa. Pela receptividade do público, poderia se imaginar como se daria o restante da mostra: o concerto de abertura provou que toda a dificuldade que gira em torno da fruição da música erudita necessita ser repensada. Senão, como explicar tamanha adesão do público aos concertos? “Se houver boa oferta de música, o público responde positivamente”, afirmou Lu Araujo, criadora e diretora geral da Mimo. “Não importa que tipo de música seja.” Paralelamente à programação do festival acontecem oficinas de regência dirigida pelo maestro Karabtchevsky, ministrado a 15 alunos previamente escolhidos. O resultado deste trabalho será mostrado no concerto de encerramento da mostra, nesta terça, 7.

Além da música, este ano a programação da Mimo deu espaço também a um festival de cinema. Houve projeção de documentários recentes, como Loki, Um Morcego na Porta Principal, Uma Noite em 67 e Tom Zé – Astronauta Libertado, em um total de 28 filmes com a temática da musical. As obras foram exibidas em telões montados ao lado das igrejas onde aconteciam os shows.

Música popular, música erudita

A programação trazida pela Mimo colocou, lado a lado e com a mesma aceitação, a música de concerto, a música instrumental e até a música cantada. A maratona musical, iniciada oficialmente na noite do dia 3, trouxe o Trio Puelli, com piano, cello e violino, na Igreja do Convento de São Francisco. Em seguida, confirmando o ecletismo da mostra, apresentou-se na Igreja do Seminário de Olinda o Duofel, duo de violões formado por Fernando Mello e Luiz Bueno, interpretando temas dos Beatles com grande aceitação.

O free jazz com sotaque de salsa e reggae marcou presença com o piano do martiniquenho Mario Canonge Trio. Canonge reside na França, mas sua música carrega os fortes traços da música do Caribe. O show na Igreja da Sé proporcionou o primeiro grande momento da dessacralização do espaço religioso. Em duas horas de música, o público ouviu atentamente e dançou a som do jazz caribenho. Foi um acontecimento trangressor.

Na noite do dia 4, a mostra deslocou uma grande atenção para a Igreja Nossa Senhora do Rosário do Homens Pretos, em Recife, com a aguardada presença de Egberto Gismonti. Na mesma noite, a Igreja da Sé, em Olinda, também recebeu o show do grupo Selmer #607, nome inspirado pela marca do famoso violão que Django Reinhardt imortalizou, o de número 503. O Selmer é um quinteto que se apresenta como quarteto, fazendo revezamento de um dos membros. São três violões – um solo, dois em acompanhamento – e um contrabaixo acústico. Os violonistas se revezam, sempre com pitadas de bom humor, de forma que todos passem pelos diversos instrumentos, proporcionando diversas formações. O repertório se compôs de clássicos de violão e até “Wave” de Tom Jobim, momento em que o público foi ao delírio, dessacralizando mais uma vez o espaço da Igreja da Sé. Para encerrar, a banda fez uma concessão ao gosto fácil, tocando “Brasileirinho”, de Waldir Azevedo.

A noite do dia 5 traria atrações de peso. Logo após o concerto do Duo Milewski e Jorge Armando (piano, violino e cello) encantar o público presente na Igreja do Convento de São Francisco, a atração se deslocou para a Igreja do Seminário de Olinda. Lá se deu mais um casamento da música clássica com a popular no ambiente da mostra: o quarteto da harpista pop Cristina Braga uniu-se à guitarra de Dado Villa-Lobos, que juntos realizaram um show competente. Cristina toca harpa como se estivesse tocando piano ou mesmo guitarra. Com a entrada de Dado, houve certo clima de suspense. Ninguém poderia imaginar o que viria e se o tal encontro de harpa e guitarra daria certo. Funcionou, mas o público parecia esperar de Dado uma performance digna de Renato Russo nos áureos tempos de Legião Urbana. O que ficou foi a competência de Cristina Braga e banda e o encontro inusitado proporcionando uma performance roqueira no espaço “sagrado” da Igreja. O show retomou seus melhores momentos quando fizeram juntos “Trenzinho Caipira”, de Villa-Lobos e “Águas de Março”, de Tom Jobim.

Ladeiras

Olinda é uma cidade colonial feita de subidas, descidas e extensas ladeiras, e o que se viu em todas as noites de Mimo parecia uma procissão: centenas de pessoas caminhando devagar, tentando vencer as dificuldades do terreno. E da Igreja do Seminário de Olinda, o público caminhou até a Igreja da Sé para conferir a presença marcante do veterano do jazz McCoy Tyner e Trio. O pianista norte-americano é um dos melhores da história do gênero: com 72 anos e 55 de carreira, toca com vitalidade e inspiração, deixando o baixo de Gerald Cannon, a bateria de Eric Kamau e o sax do convidado Gary Bartz brilharem. McCoy dá o tema, improvisa sobre ele e solta a continuação da peça para os companheiros. Em seguida, a música se fecha com todos tocando juntos. Um verdadeiro concerto de jazz que faz uma ponte óbvia entre o erudito e o popular.

E a noite prometia ainda mais. Após o show de McCoy, o público, mais uma vez em procissão, desceu até a Praça do Carmo, onde o palco estava armado para mais uma festa transgressora. Tom Zé deu as caras com a banda completa e fez show com o repertório do DVD O Pirulito da Ciência e outras do seu cancioneiro. Como um show de Tom Zé nunca é igual ao outro, pode-se dizer que ele fez por aqui uma apresentação inédita, que inclui, além da música, uma boa quantidade de humor.

Crédito das imagens: Beto Figueiroa, Tiago Calazans e Ana Paula Oliveira

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