Francisco Gil e João Gil falaram sobre o processo de criação do EP Várias Queixas, sonoridade e sensibilidade das músicas, e futuro do Gilsons, em entrevista à Rolling Stone Brasil
Em tempos de crise - seja política, econômica, de saúde e outras - a arte é refúgio e consolo. Assim também funciona com a música nacional, por exemplo, que é uma peça central para acalanto e identificação. É por isso que você deveria conhecer Gilsons.
+++LEIA MAIS: Gilberto Gil publica foto com os 10 netos e desabafa sobre saudade na pandemia
O trio de brasileiros provoca as mais diversas sensações e sentimentos por meio das cinco canções lançadas até agora no EP Várias Queixas. A partir dos elementos sonoros, musicalidade e mensagens intensas e pessoais, o trabalho dos artistas é incrivelmente sensível ao dialogar com as emoções dos ouvintes.
No som da percussão, do trompete e do violão, o grupo revisita as influências musicais brasileiras principalmente em relação à cultura afro-brasileira. Como o nome Gilsons sugere, o trio é formado pelo filho e pelos netos de Gilberto Gil - José Gil, Francisco Gil e João Gil, respectivamente.
“Crescemos sob a influência dos ritmos afro-baianos, o ijexá, o afoxé, o axé, o forró, o baião, e os instrumentos percussivos, o atabaque, e o violão tocado com as levadas ligadas às claves dos instrumentos percussivos. É uma influência muito grande e muito natural para nós”, explicou Francisco em entrevista à Rolling Stone Brasil.
João Gil acrescentou: “Acredito que essa influência dos blocos afros sempre foi grande. A percussão sempre foi muito importante e no Gilsons não é diferente. Acredito que muito da nossa sonoridade vem dessa mistura, do tambor combinado com um beat um pouco mais moderno, mais pesado, mas também com o violão que é um instrumento característico brasileiro. O Gilsons é mistura, mas a influência negra é muito grande.”
Francisco e João contaram que o projeto surgiu de uma apresentação ao vivo. O evento tinha a intenção de unir nomes da música em shows, então José foi convidado para a ocasião, e levou os dois com ele. Desse repertório, algumas músicas e ideias já surgiram, como é o caso de “Love Love”.
Logo após, o trio passou a fazer mais shows. Depois optaram pelo nome Gilsons, o qual, João contou que foi uma sugestão de Preta Gil, mãe de Francisco. Só mais tarde veio o primeiro EP do grupo, Várias Queixas, lançado em 22 de novembro de 2019.
Antes do projeto, os três formaram a banda Sinara ao lado de LuthuliAyodele e MagnoBrito. “[A minha carreira] começou junto com os meninos na banda [Sinara] que a gente tinha. Ali foi um grande laboratório para gente. José tocava bateria e eu e João éramos guitarristas. E ali fomos entendendo como que era esse universo da música, e serviu como uma escola para gente”, contou Francisco.
“Acredito que existe uma intimidade entre nós três, provavelmente porque crescemos juntos. Essa questão de banda, por exemplo, acredito que por termos formado o Sinara, já estávamos mais entendido sobre como funciona essa dinâmica de trabalhar em grupo”, afirmou João.
José Gil, Francisco Gil e João Gil certamente cresceram rodeados de influências musicais por conta do pai e avô Gilberto Gil, um dos principais nomes do cenário artístico brasileiro. De fato, a figura dele é muito importante para a sonoridade do Gilsons, mas o grupo também busca a independência com o projeto.
+++ LISTA: Os 50 melhores discos nacionais de 2018 - OK OK OK, de Gilberto Gil, está entre eles
"Nossa musicalidade e nossa veia musical parte dele [Gilberto Gil], pelo acesso e por estar sempre perto ouvindo. É uma referência para gente. Para mim, posso dizer, é meu maior ídolo na música, sem dúvidas. É uma referência não só musical como humana também, comportamental dentro da música, a forma como entende a música e arte", explicou Francisco.
Ainda, João complementou: “Acredito que o Gil é uma grande força para todos nós. Nossa grande inspiração. Nosso grande ídolo, e referência maior dentro de casa. Incrível isso. Mas também nos preocupamos do Gilsons ter uma sonoridade própria e de não ser uma extensão do Gil, uma coisa que seja rapidamente associada. Queremos ter a nossa cara e é uma coisa que é muito importante que cada vez mais a gente tem conseguido.”
A criação e produção do EP Várias Queixas foi dividida em dois momentos, como contou João Gil. Inicialmente, o trio produziu, ao lado de Sérgio Santos, “Love Love” e “Várias Queixas”. As faixas foram lançadas sem estarem atreladas a um projeto específico, mas como o músico explicou, foram as músicas responsáveis por trazer essa “roupagem do que seria a sonoridade”.
“Já trouxemos o atabaque, e a música do Olodum em “Várias queixas” e em "Love Love" uma coisa um pouco mais R&B e meio reggae. Nelas, trouxemos o trompete que está presente nas duas músicas e é um elemento que é muito do Gilsons”, afirmou João.
Francisco completou sobre o processo de criação da música-título “Várias Queixas”: “É uma música que sempre esteve presente na nossa vida, no carnaval de Salvador. O Olodum como todos os blocos afro-baianos eram presentes. José me mostrou essa música e ela ficou reverberando muito forte na minha cabeça.”
“Ela não tinha harmonia, e eu ficava tocando ela de várias formas diferentes. A gente já tinha pensado em criá-la em outro projeto. Mas só depois do nosso primeiro show tive a ideia de fazer essa música. Com incentivo de Andrea Franco, fomos para o estúdio. E nele, acompanhados de Sérgio Santos, concebemos essa música”, concluiu.
Em um segundo momento, o trio gravou as outras três músicas "A Voz", "Cores e Nomes", e "Vento Alecrim", que somadas à “Love Love” e à faixa-título formam o EP Várias Queixas, lançado em 22 de novembro de 2019.
O EP é um projeto sensível, que explora as diferentes sonoridades e complexas maneiras ao falar dos sentimentos, principalmente do amor. “É um projeto de imersão e introspecção. Composição é um processo de introspecção”, afirmou Francisco.
João acrescentou: “As canções são bem pessoais, cada um na sua particularidade. Isso é uma coisa muito boa do Gilsons, porque ele é esse espaço democrático, então tem música de todo mundo. O Gilsons é como uma plataforma para colocarmos as nossas músicas, nossos pensamentos e nossas angústias.”
“Sempre tivemos uma característica muito bonita que é a de agregar, por exemplo. A Julia Mestre é uma compositora que participou em "Love, Love" e "Cores e Nomes". Temos composição com outros parceiros e penso que isso reverbera, porque agreamos um entendimento de valor de canção e composição o qual levamos para o projeto”, complementou Francisco.
A originalidade e autenticidade são, para João, um destaque nas composições do Gilsons: “Elas não são compostas, porque pensamos: 'vou fazer uma música porque eu sei que ela vai bombar', ou 'eu vou fazer uma música com o estilo x'. Elas são expressões que nascem e traduzem nossos sentimentos em determinados momentos.”
A música-título “Várias Queixas” foi muito bem recebida pelo público e gerou uma conexão orgânica e original com os ouvintes. “Antes dela lançar, ela tinha se espalhado pelo nosso meio de amigos e ela tinha ganhado uma força muito grande. Era muito legal ver pessoas que nos viram crescer, amigos dos nossos pais, chegando junto para dizer que a música tinha batido um sentimento forte em cada um deles. A gente já tinha um sentimento de que ali havia algo mais profundo para ser passado”, contou Francisco.
Ele completou: “É um retorno que move muita coisa, devemos muito a essa canção, porque ela abriu muitas portas. Tem muitas pessoas que nos conhece através dessa música. E isso tem um valor inestimável para gente. Somos gratos a Afro Jhow, Germano Meneghel e Narcisinho Santos, que são os compositores originais dessa música.”
Juntamente ao EP, o grupo lançou o videoclipe para “Várias Queixas”, que traduz a mensagem da música com uma linguagem corporal muito bem-construída, interpretada por Jeniffer Dias e Hiltinho Fantástico.
+++LEIA MAIS: Um mundo com Gilberto Gil é muito melhor
Na produção, o clipe é uma parceria de Francisco Gil, Pedro Alvarenga, Rafael Di Celio, e do Victor Vidigal. Francisco explicou que ele, Pedro e Rafael já tinham feito outros trabalhos de audiovisual em conjunto. Ao pensar no vídeo, os três tinham voltado de uma recente viagem à África, repletos de inspiração e referências artísticas, e acompanhados de José e João, desenvolveram o videoclipe.
“O vídeo reflete toda a verdade da canção, que é uma música negra, periférica, do Pelourinho. Com a ideia do Pedro, que escreveu o roteiro, quisemos através do corpo, da linguagem corporal, passar o sentido profundo dessa música. E penso que casou muito bem, o clipe teve uma vida bem bacana, e reverberou muito bem nas pessoas”, contou Francisco.
Assista ao videoclipe:
Várias Queixas é, de fato, um projeto com sonoridades originais e que transforma o ouvir música em acalanto - principalmente neste momento de crise política e da pandemia de coronavírus. Embora tenha sido lançado há quase um ano, é extremamente atual e necessário para dar um respiro aos brasileiros.
“Isso tem sido um relato que as pessoas têm feito para a gente sim. Bastante. Que tem escutado o nosso EP como companheiro de quarentena. Muita gente manda mensagem agradecendo por a gente ter levantado o astral e por estar ajudando em momentos difíceis. Isso para gente é sagrado”, afirmou Francisco.
Ainda, falou: “Na música, essa questão mais pessoal é o que traz para perto, porque identifica o público. Acredito que quando falamos de sentimento, e de amor, essa sensibilidade à palavra, a melodia é o que traz o público para perto e identifica.”
+++LEIA MAIS: Coronavírus, medo e incerteza: a importância da arte em momentos de caos [ANÁLISE]
Francisco contou que é a pessoa responsável por acompanhar o alcance do Gilsons nas plataformas e redes sociais. De acordo com o músico, os números dobraram na quarentena: “Foi uma alegria para nós. Quando começou a quarentena, ficamos muito frustrados, porque estávamos no nosso melhor momento de shows e de repente parou tudo. Mas, as pessoas não pararam de ouvir e dobrou todos os números, o que foi incrível.”
No Spotify, o Gilsons alcança quase 500 mil ouvintes mensais, com “Várias Queixas” sendo a faixa mais ouvida com 7 milhões de streams. O videoclipe da canção no YouTube utralpassa 2,9 milhões de visualizações.
O processo de criação de músicas na quarentena pode até ser mais complexo para alguns artistas. “No início da quarentena, falando pessoalmente, foi bem difícil. Eu estava bem frustrado com a pausa absoluta da música e fiquei um bom tempo sem compor e ter muita inspiração”, contou Francisco.
“Depois de um mês assim, ali em maio, começou a surgir esse impulso e vieram algumas canções. Logo, abriu a porteira e já surgiram várias canções nessa quarentena. Os meninos também que eu sei e a gente troca algumas figurinhas e está dando para tirar um proveito bacana disso”, concluiu.
+++LEIA MAIS: Como o isolamento social afeta a criatividade dos artistas no Brasil?
Francisco e João garantiram que há muitas novidades para serem lançadas, inclusive criação de quarentena. João afirmou: “Nessa quarentena, gravamos um single com a Mariana Volker e vamos lançar junto com o clipe. Uma gravação dentro da segurança e das recomendações da OMS.”
“Já temos várias músicas engavetadas, e vamos executar nesse segundo semestre para lançar ano que vem. Não queremos ficar parados, e cada vez mais fazer com que os Gilsons atinja mais gente e seja essa plataforma de criação”, complementou.
+++ PLAYLIST COM CLÁSSICOS DO ROCK PARA QUEM AMA TRILHAS SOBRE DUAS RODAS