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Francisco, el Hombre mostra que, sim, música e política se misturam: "É necessário levantar algumas bandeiras"

Conversamos com o vocalista Sebastián Piracés-Ugarte sobre fama, montanhas-russas emocionais e o peso de ser artista no Brasil de 2020

Lorena Reis Publicado em 13/07/2020, às 07h00

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Francisco El Hombre (Foto: Instagram / Reprodução via Pyx Filmes)
Francisco El Hombre (Foto: Instagram / Reprodução via Pyx Filmes)

Na última quarta, 8, em meio ao barulho de obras - tanto em São Paulo quanto em Salvador (afinal, ainda estamos nos acostumando com o home-office) - eu e Sebastián Piracés-Ugarte, vocalista e multi-instrumentista da banda Francisco, el Hombre, conversamos e, entre papos construtivos sobre fama, montanhas-russas emocionais e hortas caseiras, chegamos ao seguinte questionamento: música e política se misturam?

+++LEIA MAIS: Francisco, El Hombre lança clipe de ‘Juntos, Nunca Sós’, com participações de Gretchen, Hot e Oreia, Dona Onete e mais [VÍDEO]

Nos últimos tempos, dentro, é claro, do espectro político que estamos vivendo globalmente, além do domínio das redes sociais, a ânsia do público para que seus ídolos se posicionem tem ficado cada vez mais evidente. Tanto que a Anitta fez algumas aulas de política ao vivo e o System of a Down foi criticado por - aparentemente - ser uma banda política (como se não o fossem há mais de 25 anos).

Afinal, qual é o peso de ser um artista no brasil de 2020?

Alguns minutos antes que eu telefonasse para o Sebastián, ainda de manhã, ele conta que estava rolando a timeline do Twitter quando viu que mais um DJ periférico estava na mira dos policias, como aconteceu com Rennan da Penha no início de 2019.

Trata-se do MC Poze do Rodo, cujo nome de batismo é Marlon Brendon Coelho Couto da Silva. Segundo a Jovem Pan, o funkeiro é investigado pela polícia por envolvimento com tráfico de drogas e associação com a facção Comando Vermelho. Em buscas realizadas na última segunda, 6, agentes da 34ª Delegacia de Bangu não o encontraram e passaram a considerá-lo foragido. 

Na noita da última terça, 7, o jovem de 21 anos publicou nas redes sociais que está sendo perseguido: “Errei, paguei por isso, dei a volta por cima e hoje estou no topo, TOPO uma das coisas que um FAVELADO NUNCA PODE CHEGAR PORQUE SE CHEGAR É BANDIDO.”

"Acabou de aparecer no Twitter, literalmente há alguns minutos, pouco antes de você me ligar, que mais um cara está sendo associado à figura do tráfico, simplesmente porque ele fala sobre o que ele acredita, e, quando alguém fala a sua verdade e essa verdade é comovente, assusta quem detém as rédeas do status quo", lamenta Sebatián.

Apenas este tópico em si fomentou a nossa conversa. E seguimos.

"Bom, eu entendo que tenho muitos privilégios. Por isso, para quem está numa posição de privilégio, ser um artista no Brasil de 2020 é um desafio da porra. Não tem nem como mensurar. Porque quando você está distante dos olhos da mídia, distante dos olhos de qualquer iniciativa pública de incentivo às artes, você dificilmente consegue viver de arte. Eu acho extremamente desafiador: não tem iniciativas, não tem apoio. Constantemente, a classe artística tem perdido seus poucos direitos, suas poucas portas de abertura. Eu nunca vi uma situação tão difícil", explica o músico e historiador.

"A verdade é que, desde 2013, a área da cultura está sendo estrangulada aos poucos, porque, claro, a classe artística é muito poderosa. Ela estimula as ideias, né? Contagia pela emocionalidade, misturando intelecto com comoção. Isso cria uma catarse que é perigosa para o status quo", ele argumenta. "Então, o modo como os poderosos lidam com essa potência perigosa foi tirar daqui, tirar de lá, tirar os editais. De pouco em pouco, as pessoas que vivem da arte e do grande mundo financeiro da arte foram perdendo espaço, perdendo dinheiro, perdendo alcance. Ao ponto que você nem perceve, mas já não está trabalhando onde queria estar, porque se viu obrigado a tomar outro caminho. Ninguém se lembra mais do que era ter um festival gigantesco movimentando a cena. Nosso trabalho é de resistência, de entender que não tem um caminho fácil ou planejado. O sistema é doente. Por isso a gente faz o que a gente faz. Porque a gente acredita nisso, a gente ama isso e porque a gente quer mostrar pro mundo que é possível viver bem fazendo o que você curte. Do jeito que a gente faz. É muito revolucionário, sabe?"

Os artistas têm esse poder de influenciar, de representar muitas pessoas. Você acredita que exista, de fato, essa obrigação moral para que vocês se posicionem politicamente?

Completamente... A Nina Simone tem uma frase excelente que eu gosto muito de citar. Ela fala: 'É responsabilidade social do artista falar sobre seu próprio tempo'. Então sim, eu acho que é nosso dever falar, porque, querendo ou não, nós temos o privilégio de segurar um microfone enquanto pessoas nos escutam. Dando a minha militada aqui, é importante a gente usar esse privilégio para trazer luz às coisas que a gente apoia, né?

Ao mesmo tempo, quem é artista, compositor ou trabalha com a arte de certa forma são pessoas muito sensíveis. A gente vê coisas acontecendo o tempo inteiro, seja na nossa casa, seja com nossos amigos, enfim. A gente se sensibiliza com as  coisas que a gente vê. Então, é natural que a gente fale sobre aquilo que tá acontecendo no mundo, sabe? E você expor as coisas positiva e negativas do mundo contagia outras pessoas. Muitos areditam que 'ser político' é algo relativo a partido ou governo. Mas não. É falar sobre a sociedade. E mesmo que você fale sobre si, o fato de falar no microfone e ter sua voz amplificada reflete sobre a sociedade. Isso já é uma transformação social e política.

Você sente essa cobrança de posicionamento por parte do público da Francisco, el Hombre?

Hum, sim! Eu acredito que, quando você levanta certas bandeira, o público que se identifica com elas acaba criando uma expectativa. Por exemplo, a gente tocou "bolso nada" anos antes do Bolsonaro ser candidato à presidência, Enfim, a gente tem várias músicas que falam sobre transformação social, para não dizer apenas políticas e politizadas. A banda surgiu em 2013, que configurou um momento de caos e instabilidade política. É natural que a gente fale sobre política também. Por isso, parte do nosso público espera que a gente se posicione, até para que eles possam opinar e debater sobre o nosso posicionamento.

Ao contrário, você já percebeu pessoas deixando de acompanhar seu trabalho exatamente por você ter se posicionado?

Exatamente. É um caminho filosoficamente interessante, para não dizer nem bom nem ruim. O fato de você levantar uma bandeira aproxima as pessoas que também acreditam nessa bandeira, mas, naturalmente, afasta as pessoas que não acreditam nessa bandeira. Claro, você poderia dizer que o segredo seria não levantar nenhuma bandeira para não afastar o público e não causar nenhuma disruptura no sistema. Só que, ao mesmo tempo, num sistema tão doente quando o que a gente vive, é impossível não falar: 'Mano, não bate em tal pessoa', ou tipo: 'Remunerem direito os trabalhadores', ou: 'Por que essa pessoa tem tanto e essa pessoa tem tão pouco?'  São coisas básicas, sabe? Então, pelo modo como eu fui criado, me é necessário levantar algumas bandeiras.

+++LEIA MAIS: Francisco, El Hombre abre um diálogo sobre depressão com "Parafuso Solto :: Peso Morto" [SESSION ROLLING STONE]


Por dentro da Francisco, el Hombre

Francisco, el Hombre (Foto 1: Divulgação | Foto 2:Jeff (@caodenado) | Foto 3: Felipe Miranda)

A Francisco, el Hombre foi fundada por Sebastián e Mateo Piracés-Ugarte na cidade de Campinas, em São Paulo, há cerca de sete anos, e conta com os vocais poderosos de Juliana Strassacapa e a habilidade de Andrei Martinez Kozyreff na guitarra. Recentemente, o chocante anúncio de que o baixista Rafael Gomes deixaria a banda depois de seis anos e meio se espalhou em forma de música: "Despedida".

"Vamo fazer a mais linda despedida e cada um vai prum lado /
Destranca a porta pra mudança chegar /
Depois te conto os babados /

Que apague a luz o último a sair, que a lua nova já ilumina /
Procurando o novo sempre o novo reinventa a vida /
Que apague a luz o último a sair /
Se fecha mais um ciclo e a história fica /
Procurando o novo sempre o novo vem depois da despedida."

Para além de música, política e música política, Sebastián também abordou assuntos da vida, da banda e o que a Francisco, el Hombre tem feito durante a quarentena. Confira o resultado do bate-papo abaixo:

Sobre quarentena, surtos e propositividade

Bom, eu acredito que, se você não esteve em nenhum momento próximo ao surto ou surtado durante a quarentena, você deve ser louco, sabe? A gente tá vivendo um momento atípico na história da humanidade, coisa que ninguém estava preparado para lidar. Nem nossos pais, dificilmente nossos avós. Enfim, é uma grande loucura que nos leva a essa montanha-russa emocional que me parece comum a todo mundo, especialmente quem é vítima direta do descaso do Estado.

Hoje eu acordei meio filosófico, né? Mas, sendo bem prático, a Francisco El Hombre é um coletivo muito propositivo. A banda não é uma empresa. É nosso meio de trabalho, sim, mas a gente considera mais um estilo de vida. Então, em frente à pandemia, nossa postura tem sido positiva, do tipo: 'Vamos tentar extrair alguma coisa boa disso?'

E como vocês têm se organizado?

O que a gente tem feito para manter uma constância é fazer reuniões internas toda segunda e quinta-feira, nas quais a gente vê se tá bem, troca ideia sobre qualquer coisa: 'Porra, eu tô prestes a colher a primeira cebola que eu plantei na hortinha', ou 'Ah, o vizinho do Mateo decidiu fazer uma obra no prédio, tá rolando briga', enfim... A gente troca ideia pessoal e também tenta discutir sobre como a gente pode enfrentar tudo isso.

É quase como um momento terapêutico, né?

É um momento de tudo, porque a gente também precisa de uma disciplina mínima para tocar os projetos. E um jeito que a gente encontrou para manter o trabalho constante é se reunir com frequência. Na verdade, é uma conversa informal, como a gente tá tendo agora.

A gente quer entender como o momento pode ser produtivo, mesmo neste período de instabilidade emocional, financeira e mesmo separados fisicamente um do outro. Pensando nisso, a gente produziu as músicas 'Juntos, Nunca Sós' [no dia 7 de abril] e 'Despedida' [19 de junho]. A última foi em homenagem ao [Rafael] Gomes , que saiu da banda. A gente tentou lidar com isso de uma forma, de novo, positiva. Vamos fazer uma saída bonita, né? Afinal, ele dedicou tantos anos a essa vida louca que merece sair com um hino.

Por outro lado, a gente tem que aproveitar do nosso destaque para apoiar as pessoas que precisam de apoio. Como usar nosso tempo hábil para ajudar aqueles que a gente acredita que deva ter a voz amplificada? 

Assim, a gente criou a Live Juntos Nunca Sós, na qual, toda quarta-feira, a gente usa as redes sociais em geral para amplificar as vozes que a gente apoia. A dinâmica é: a gente escolhe um movimento solidário, por exemplo, rolou o projeto 4g para estudar, que é um projeto sem fins lucrativos para levar internet para que a criançada da periferia também possa estudar durante a pandemia. Na primeira metade da live, a gente conversa com alguém do projeto, para que a pessoa nos explique e, portanto, explique para quem está assistindo. Na segunda metade, o projeto se despede e entra uma figura conhecida. Naquele caso foi o Marcelo D2. A gente conta um pouco do projeto para o D2 e, assim, não é apenas a nossa rede que está sendo contagiada. É a nossa rede, a rede do 4g para estudar e a rede do D2, amplificando o movimento.


Sobre a saída do Rafa Gomes, fama e relacionamentos líquidos

Já faz um tempo que o [Rafa] estava com outras vontades, sabe? Pô, ele tem um filho que vai fazer 13 anos de idade, e é foda você ficar viajando o tempo todo, tocando um mês de turnê por ano. Essa vontade e necessidade de se aproximar do filho veio junto com os estudos que ele tem de agroecologia, permacultura. O Gomes é uma alma revolucionária, assim como eu acredito que todo mundo na Francisco seja. Antes da pandemia, a gente tava fazendo turnê meio rockstarista, sabe? E isso tem muitos pontos positivos, mas, pelo lado negativo, tudo fica um pouco plástico, sabe? Tipo, é isso. A gente que tá em banda sabe que é difícil se entregar a isso, porque nas redes aparecem as glórias, mas, por trás de toda essa construção, você não tem amigos, você não tem relacionamentos, enfim. Custa muito chegar onde a gente chegou, e ver que a pessoa está disposta a encerrar esse ciclo de tanto que acredita no próximo ciclo... Véi, a gente só pode apoiar, aplaudir e é nóis.

Falando sobre a saída do Rafa, na música “Despedida” vocês falam sobre o encerramento de um ciclo e falam também que “cada um vai prum lado”. Essa frase reflete o pensamento atual da banda? 

A gente começou a banda em fevereiro/março de 2013 e foi só com a quarentena que a gente parou. Esse processo nos engoliu. Não nasceu de uma vontade de crescimento, nasceu de uma vontade de viver. Eu falo, reforço e repito porque é uma parada que eu acredito muito: se não fosse pela música, muitos de nós nem estaríamos vivos, porque, quando você passa por um momento de dificuldade emocional, você não pensa no futuro. O futuro é irrelevante, desimportante. Então a gente começou rodando a América Latina, o Brasil, tocando em praça, hostel, semáforo, porque era uma forma da gente se estimular a chegar no dia seguinte. E essa construção de viver como se cada dia fosse o último - porque no início da banda possivelmente era - foi gerando um movimento muito maior. Naquele momento, a gente não imaginou que chegaria nos palcos que a gente chegou. Mas nesse processo todo, porra, a gente se afastou de amigos, todos os nossos relacionamentos terminaram, se ressignificaram. Relacionamento com a família, com o trabalho, parece que o resto da nossa vida ficou distante, de tão imersos que a gente tava no movimento de viver dia após dia. Então foi só com a pandemia que a gente se viu obrigado a respirar.

E quanto aos projetos de carreira solo?

A gente tá entendendo como se reestruturar. Agora, cada um tá desenvolvendo diversas frentes. Tem essa necessidade de descobrir quem a gente é também, até para entender exatamente qual é o nosso valor dentro da banda. E essa é uma coisa que tem aflorado muito durante a quarentena. Cada um de nós tem se desenvolvido individualmente. Eu com o meu disco, que é "meme, militância e putaria" [risos]. Tem desde 'Sexo de Manhã' até umas músicas que eu estou com o Russo Passapusso e a gente grita no microfone: 'Foda-se o sistema!' Então porra, pode crer, agora eu entendi qual é a minha cara na Francisco. Eu entendo quem sou eu. Eu sou meio amorzinho, fofura, mas também sou anarquista queima o sistema. Ao mesmo tempo, eu vejo a Ju. Ela está no processo de se entender enquanto ser espiritual e tem feito umas músicas extremamente espiritualizadas. O Mateo, por sua vez, está se metendo no mundo pop junto com a Luê, se descobrindo. O Andrei tem esse hábito de soltar vários discos na internet com nomes de banda diferentes. E é isso, cada Power Ranger está descobrindo a própria cor, e eu acho que isso vai ser interessante.

***

Enquanto isso, desde o início da quarentena, a Francisco, el Hombre está estudando sobre cúmbias, o que resultou numa parceria instrumental com Mestrinho: "Valer La Pena". O single será disponibilizado em todas as plataformas digitais na próxima sexta, 17.


+++ RAEL | MELHORES DE TODOS OS TEMPOS EM 1 MINUTO