Estreia de Adriana Dutra na direção, documentário se aproxima da linguagem televisiva para discutir os reveses do cigarro na saúde física e social do homem
Em tempos de lei antifumo, em que qualquer guimba de cigarro é tratada como ogiva nuclear diante de não fumantes, a estreia de Adriana Dutra no cinema, no documentário Fumando Espero, vem a calhar. Com a recente decisão do governador de São Paulo, José Serra, em sancionar a lei que faz do fumante inimigo público n°1 em ambientes fechados, o filme entrou em cartaz nesta sexta, 8, nas salas paulistas, com pretensões de não deixar a discussão se esvair em uma nuvem de fumaça. Para tanto, atira para tudo que é lado. "Glamour histórico, malícia da indústria, saúde dos viciados, fraude nos negócios...", a diretora tenta enumerar, em pré-estreia no Cine Bombril, na quinta, 7. Haja fôlego. Ou melhor, falta de fôlego com tanta baforada em cena. Com linguagem que por vezes soa como um prêt-à-porter direto do Fantástico, a produção mais ricocheteia do que atinge em cheio.
Para começo de conversa, o doc condensa uma pesquisa de quatro anos e 190 horas de fita em 90 minutos e 30 entrevistados, entre anônimos e artistas como a cantora Miúcha e os atores Ney Latorraca e Herson Capri. Diretora e equipe foram para o Sul, para falar com fumilcultores que penam na mãos dos industriais do cigarro. Mas, em vez de amarrar o emaranhado de informações e as excelentes imagens de arquivo em uma tese sólida, a cineasta opta por uma abordagem fácil, com animações teoricamente engraçadas e recursos que fariam mais bonito na TV.
Mas a discussão a que o filme se propõe tem razão de ser. Só no país são quase 130 bilhões de cigarros por ano. De mil pessoas que tentam parar de fumar, 172 conseguem de primeira. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o Brasil é uma Maria Fumaça, constando entre as 10 nações com mais fumantes do mundo. Logo nos primeiros minutos, Dutra entrega: "e eu sou um deles". E surge a nova camada do filme: a saga da cineasta para abandonar o produto que, no Brasil, consome cerca de 426 milhões de árvores por ano.
No passado eram benditos rolinhos, média de 10 centímetros, que prometiam baforadas de puro glamour. Essa Penélope Charmosa em brasa, no entanto, virou o Dick Vigarista do século 21. Os reveses do fumacê são explicitados em depoimentos como o de José Carlos Carneiro, ex-fumante que hoje estampa um dos versos dos maços de cigarro (o vício lhe rendeu uma perna amputada e o pito do juiz, que se recusou a dá-lo causa vencida contra a indústria). Assim, a "corrida maluca" passou a ser lutar contra o vício - peleja pessoal de Adriana Dutra.
Ela passa a ser a pessoa com mais tempo em cena, misturando a vaidade com sua cruzada antitabagista. Assim, a diretora toca a fita como uma espécie de híbrido entre Michael Moore e Narcisa Tamborindeguy. Moore porque, ao se postar de cobaia às câmeras, consegue aparecer mais do que a causa sob análise. Exemplo: a certa altura, ela tenta falar com representantes de empresas de cigarro. Falha (aliás, diz não ter recebido qualquer resposta, até hoje, de qualquer pessoa ligada à indústria). Mas seleciona apenas uma cena para ilustrar os anos de tentantivas frustradas e, nela, assume o mesmo tom de denúncia fanfarrona do cineasta norte-americano - que, confessou a diretora após a sessão, foi uma fonte de inspiração. A porção Tamborindeguy fica por conta do modo desinibido em cena (percebido em tiradas como "gorda eu não quero ficar!", sobre o desespero de encarar a balança ao largar o bastão de nicotina).
Para a plateia, Dutra alegou ter feito "um filme chapa branca". De fato, não há condenações escancaradas. Mas a diretora dá um jeitinho de impor sua verdade. Entre os poucos depoimentos pró-fumo, por exemplo, há esta aposentada, encontrada "por acaso"... em frente a uma máquina de caça-níqueis. A condenação nada tem de subliminar: um vício leva ao outro. Veredicto: culpada. "Deus me deu aquele pigarro!", a cineasta, que alega ter ido atrás daquele perfil, deu o aleluia ao site da Rolling Stone Brasil, em referência ao take em que a senhora diz que o vício não lhe faz mal coisa alguma, e logo depois tem um acesso de tosse daqueles.
O bombardeio à indústria de cigarro é um tema que ganha força no cinema, em filmes como O Informante (1999) e Obrigado Por Fumar (2005). A epopéia antitabagista de Dutra, no final das contas, vale a ida ao cinema - mais por conta do tema que pelo valor cinematográfico da obra. Mas não dá para dissipar a impressão de que o filme se daria melhor entre a novela das oito e o Jornal da Globo do que na escuridão do cinema. Não à toa, Dutra negocia com dois canais da Globosat para transformar as 188 horas e meia de material extra em série de TV - por ora, estuda as propostas, mas adianta que uma oferta é para cinco capítulos; a outra, para 13 (tudo será dividido em capítulos como "vício", "indústria", "cultivo" etc). Após uma série de recaídas pós-gravação, hoje a diretora se diz integrante dessa "ex-quadrilha da fumaça" ("nem lembro a última vez que peguei num cigarro").