Boa Sorte é o primeiro trabalho solo da voz da banda Maglore
Teago Oliveira, voz da Maglore, enviou o link secreto com o primeiro disco solo dele antes do lançamento, como de praxe nos principais lançamentos nacionais, mas fui incapaz de apertar o play. Eram dias de crise, de coração apertado, e a ideia de que as canções presentes em Boa Sorte, o álbum, fossem melancólicas assustava. Fugi, confesso, de um dos discos nacionais do ano por culpa dos meus próprios fantasmas.
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Dias antes de Boa Sorte chegar, pouco menos de um mês, veio o single "Corações em Fúria (Meu Querido Belchior)", o single com clipe (lindo, por sinal). E três trechos bateram forte aqui.
"E um cantor amigo meu disse que se tiver que ser na bala vai"
"Eu já beijei minha garota que dormia no sofá / Ano passado ela morreu, mas esse ano vai brilhar"
"E uma guerra de repente pode estourar e a nossa vida algum momento muda de lugar"
Cada uma das frases burilava com unhas longas três copos de bebida com um líquido diferente cada. A primeira tinha um gole amargo do passado (já que o "o cantor amigo meu" é Helio Flanders, da Vanguart, com a música "Se Tiver Que Ser Na Bala, Vai", de 2011); a segunda falava do presente, dela deitava no sofá, eu partia para mais um dia; por fim, o terceiro trecho é o gole do líquido de gosto imprevisível, uma guerra pode estourar e faz o questionamento: o que fizemos até aqui?
Com esses três tragos depois, inebriado e a conter as lágrimas que teimavam em se acumular nos olhos, compreendi que Boa Sorte não é exclusivamente melancólico, embora a tristeza esteja ali, presente, martelante.
O baiano Teago Oliveira fez um disco em Belo Horizonte, produzido por Leo Marques, realizado com auxílio do edital Natura Musical, sobre a saudade ("Sombras no Verão"), sobre a distância de onde nasceu (com "Longe da Bahia"), sobre política também ("Bora" e, quiçá, "Superstição").
Fez um retrato de um coração, porque ninguém é uma coisa só, um só sentimento, uma só dor ou uma só alegria. Somos um caldeirão, somos um mexido, somos um x-tudo.
Letrista já cantado por Gal Costa, Pitty e Erasmo Carlos, Teago cruza sensações e sentimentos por versos sem se apegar à temáticas pré-estabelecidas no início de cada canção, suas músicas são mil em uma, como ele já mostrou com os discos da Maglore (aliás, ouça-os). Faz como um caminhante a caminho do metrô a percorrer uma avenida longa. Cada ruela, cada travessia, cada semáforo vermelho se transformam em momentos diferentes dessas músicas.
As canções giram em torno de encruzilhadas, dúvidas, questões (existencialistas ou não). Por isso, Boa Sorte não é inteiramente triste, embora também o seja. É também radiante ao saborear o amor, mesmo que esteja no passado ou no futuro (como em "Movimento das Horas"), e com isso seja transformado em saudade ou esperança.
Principalmente, contudo, Boa Sorte se coloca como um disco sobre o presente, sobre ela deitada no sofá, sobre o beijo de despedida, sobre o ônibus lotado a caminho de mais um dia. Tudo amargo e doce. Tudo agora.
Sem os arranjos de cordas presentes em Boa Sorte, com a exceção de um ou outro disparo eletrônico, Teago Oliveira estreou o repertório solo na noite de sexta-feira, 18, no Auditório Ibirapuera, acompanhado de mais três músicos. Cantou lindamente e acrescentou algumas canções a esse álbum de fotografias chamado disco: "Motor", gravada por Gal e Pitty, "Não Existe Razão no Cosmos", registrada por Erasmo, e ainda tocou lindas versões de "Mãe" (Caetano Veloso) e "Lilac Wine" (Nina Simone e gravada por Jeff Buckley).
Teago Oliveira abriu o show com a lindeza "Oh, Meu Bem", uma canção descaradamente de amor, mas não aquele demasiadamente ansioso ou distante demais. Pelo contrário, ele canta: "Oh, meu bem, você apareceu na hora certa".
Na hora certa. Com medo, evitei ouvir Boa Sorte. Feliz, ouço-o sempre que posso. E os fantasmas? Ah, deixe-os estar. E boa sorte - todos vamos precisar.