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Grokipedia, de Elon Musk, valida suas teorias da conspiração favoritas enquanto diz coisas boas sobre ele

O bilionário tem se mostrado cada vez mais irritado com a Wikipédia nos últimos anos e agora pretende derrubá-la com uma alternativa ‘não woke’

Miles Klee

Elon Musk
Elon Musk (Foto: Chip Somodevilla/Getty Images)

“Feliz aniversário, Wikipédia! Que bom que você existe.”

Foi o que escreveu o bilionário Elon Musk no X — então chamado Twitter — em janeiro de 2021, no 20º aniversário do lançamento da enciclopédia online gratuita. Como tantos outros que acessam regularmente o site colaborativo — mais de um bilhão por mês —, ele aparentemente o via como uma ferramenta gratuita e inestimável, um empreendimento nobre que democratizou o conhecimento humano ao redor do mundo, graças ao trabalho incansável de dezenas de milhares de editores voluntários e da organização sem fins lucrativos Wikimedia Foundation.

Na última segunda, 27, no entanto, Musk revelou a primeira versão de uma enciclopédia online que, segundo ele, já era melhor que a Wikipédia e livre da chamada “propaganda” do site. A Grokipedia, composta por cerca de 900 mil artigos escritos por IA, foi desenvolvida pela xAI, empresa de Musk, usando seu modelo de linguagem Grok, integrado à sua plataforma social, o X. E embora muitas das páginas sejam cópias literais da Wikipédia, há mudanças notáveis em tópicos relacionados a Musk, seus inimigos e aliados, e suas políticas de extrema-direita.

Como, então, Musk passou de defensor do principal recurso de referência da internet a alguém tentando, desajeitadamente, destruí-lo?

Embora Musk tenha continuado a compartilhar páginas da Wikipédia nas redes sociais após sua mensagem de 20º aniversário ao site, sua visão otimista sobre essa vasta rede de informação não duraria muito. Ao final daquele mesmo ano, ele reclamava que o artigo sobre ele era um “lixão” e mal editado. “‘A história é escrita pelos vencedores’, exceto na Wikipédia, já que seus inimigos continuam vivos e têm muito tempo livre”, publicou na ocasião, repetindo a piada a cada poucos meses.

Logo, Musk começou a acusar o site de viés ideológico, afirmando em 2022 que ele estava “perdendo a objetividade” e marcando o cofundador da Wikipédia, Jimmy Wales, ao insistir que o projeto era “excessivamente controlado pela grande mídia”. (A imprensa passou a ser um alvo cada vez mais frequente do bilionário à medida que ele adotava posições mais à direita.) Em 2023, após adquirir o Twitter e lançá-lo sob a nova marca X, Musk passou a promover o recurso Community Notes como mais confiável do que a Wikipédia, que ele acusava de ter um “problema de controle editorial esquerdista”.

Ironicamente, uma Community Note acabaria corrigindo sua alegação falsa de que a Wikimedia Foundation não teria despesas operacionais significativas e, portanto, deveria estar fazendo algo mais (possivelmente nefasto?) com as doações dos usuários. Ao espalhar essa desinformação, Musk ofereceu à organização sem fins lucrativos US$ 1 bilhão se ela mudasse o nome “Wikipedia” para “Dickipedia” e adotasse o apelido adicional “Wokipedia”, vinculando o site à sua ideia de um sinistro “vírus mental woke”.

Em 2024, enquanto Musk colocava toda sua influência e poder financeiro por trás da campanha presidencial de Donald Trump, ficou furioso com a forma como a mídia e a Wikipédia desafiavam as mensagens enganosas e as falsidades do movimento MAGA, argumentando, pouco antes da eleição, que a enciclopédia havia sido “tomada por ativistas de esquerda”. Ele também disse que o site estava “quebrado” por ter uma página dedicada ao debate acadêmico sobre se Trump poderia ser considerado fascista. Musk se irritou de forma semelhante em janeiro deste ano, quando a Wikipédia registrou com precisão que um gesto feito por ele em um evento de posse havia sido interpretado por muitos como uma saudação nazista — algo que ele negou ter sido sua intenção.

Esses descontentamentos acumulados levaram à criação da Grokipedia como uma versão “recalibrada” e concorrente da Wikipédia — algo evidente apenas ao olhar para sua interminável página sobre Elon Musk: não há qualquer menção à saudação feita no dia da posse, tampouco à semelhança com um gesto fascista notório. Em vez disso, os leitores da Grokipedia encontram curiosidades elogiosas, embora questionáveis, sobre o homem cuja empresa construiu o site — incluindo que ele supostamente trabalha “de 80 a 100 horas por semana” e teria perdido 9 quilos com jejum intermitente. Outros episódios constrangedores são minimizados: enquanto a Wikipédia dedica uma seção de seu artigo sobre Musk à sua confusa “rixa com Donald Trump” na última primavera — incluindo o detalhe de que Musk mencionou as ligações de Trump com o falecido agressor sexual Jeffrey Epstein —, a Grokipedia faz apenas uma menção passageira a um “desentendimento público” com Trump, em “questões de política”.

Enquanto isso, comentaristas de direita ficaram exultantes ao ver como a Grokipedia amenizava o extremismo, observando que ela não descreve o secretário de Saúde Robert F. Kennedy Jr. como teórico da conspiração ou ativista antivacina, como faz a Wikipédia logo em seu primeiro parágrafo sobre ele. Indo um pouco além, nota-se que, enquanto a página da Wikipédia sobre “Ativismo antivacina” inclui logo de início um reconhecimento da desinformação que impulsiona o movimento, a página da Grokipedia intitulada “Ativismo de oposição a vacinas” é significativamente mais branda, limitando-se a observar que seus defensores às vezes são criticados por distorcer dados.

As próprias teorias da conspiração também recebem um pouco mais de credibilidade na Grokipedia. Considere o artigo sobre o Pizzagate, uma história falsa amplamente desmentida sobre uma suposta rede de tráfico sexual infantil comandada por elites liberais no porão de uma pizzaria em Washington, D.C. Mesmo os influenciadores de extrema-direita conhecidos por espalharem essa desinformação há quase uma década — incluindo Mike Cernovich e Jack Posobiec — já abandonaram essa ideia absurda. Ainda assim, a Grokipedia descreve o Pizzagate como uma série de “alegações”, uma “hipótese” e uma “narrativa”. A expressão “teoria da conspiração” só aparece no 35º parágrafo, após longas seções sobre a interpretação de e-mails vazados de democratas proeminentes como mensagens codificadas e o surgimento de “provas simbólicas”. Não é surpresa que as páginas dedicadas a Posobiec e Cernovich não os identifiquem como teóricos da conspiração, apenas mencionem que foram caracterizados assim pela grande mídia e por “veículos de tendência esquerdista”.

As impressões digitais de Musk aparecem por toda parte nas seções da Grokipedia que abordam temas ligados às suas próprias mágoas. Há anos ele critica o bilionário George Soros como um “marionetista” do ativismo progressista e, enquanto a Wikipédia descreve essas visões como teorias da conspiração antissemitas, a Grokipedia traz uma página intitulada “Teorias sobre a influência de George Soros”. Musk também endossou, ainda que de forma indireta, a teoria da conspiração racista da “Grande Substituição”, que afirma falsamente que elites liberais estariam tentando enfraquecer as populações brancas majoritárias em países ocidentais por meio da imigração; a Grokipedia, naturalmente, trata a ideia como válida e apoiada por evidências empíricas, descartando suas óbvias ligações com a ideologia nacionalista branca como meros ataques retóricos da imprensa.

Naturalmente, as posturas reacionárias de Musk sobre gênero e sexualidade também estão em evidência. A palavra “cisgênero” — um termo neutro que complementa “transgênero” — “patologiza a normalidade”, segundo críticos, afirma a Grokipedia. A fonte dessa alegação é um site chamado New Discourses, fundado pelo autor e ativista de extrema-direita James Lindsay, que difamou pessoas LGBTQ como “aliciadores” tentando doutrinar crianças para a comunidade queer. Em outro ponto, a página sobre “transgênero” especula longamente se as pessoas estariam fazendo a transição principalmente por causa de uma “contaminação social”, isto é, pela exposição a outras pessoas trans na vida real e na internet. As evidências científicas reais, no entanto, indicam que não há nenhum efeito desse tipo.

Mas ter fatos concretos para sustentar crenças inflamadas está longe de ser o propósito da Grokipedia — uma plataforma feita apenas para parecer autoritativa por si só. Com seu modelo baseado em IA, ela também busca reforçar a suposição comum (e equivocada) de que chatbots fornecem verdades objetivas e infalíveis sob comando. Não se engane: ao contrário dos artigos da Wikipédia, as centenas de milhares de páginas da Grokipedia não representam nenhum esforço humano para chegar a uma versão consensual da realidade. São palavras extraídas da internet, reorganizadas, revisadas e entrelaçadas com as partes mais tóxicas da visão de mundo de Musk.

Texto publicado no site da Rolling Stone em outubro de 2025. Leia aqui.

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