Cineasta mexicano, que pretende entrar para o mercado de games após as filmagens do megaprojeto The Hobbit, espera uma indústria menos careta
"Um Cidadão Kane dos games" em até 10 anos. É essa previsão, com ares de profecia, que Guillermo del Toro lança sobre o mercado de games. O cineasta mexicano, que virou grife do cinema sombrio com filmes como O Labirinto de Fauno e Espinha do Diabo, contou à revista norte-americana Wired sua aposta para o futuro das plataformas multimídia.
"Estamos acostumados a pensar nas histórias de uma forma linear - ato um, ato dois, ato três. Ainda com o modelo aristotélico. O que a abordagem digital nos permite é dominar o modelo tangencial e não-linear para, com ele, expandir o mundo." Para ratificar sua visão, del Toro convoca o mais famoso personagem de James Joyce. "Por exemplo: se você está seguindo Leo Bloom, de Ulisses, num certo dia e ele atravessar a rua, você pode abandoná-lo e seguir uma outra pessoa."
Com doses generosas de realidade virtual, a fórmula do mexicano para a indústria cultural põe cinema e videogame no mesmo saco. Mas, por enquanto, as decepções têm sido maiores do que as conquistas. "Infelizmente, em minha experiência com jogos, descobri que as grandes companhias são tão conservadoras quanto os estúdios. Fiquei desapontado com o primeiro game do Hellboy (filme que ele dirigiu em 2004)." Logo depois, ele se disse impressionado com Grand Theft Auto.
O game, que já teve personagens dublados pelos atores Ray Liotta e Samuel L. Jackson, imerge o jogador em uma cidade virtual na qual violência, roubo e prostituição vêm em doses nada homeopáticas. Esse universo violento, criticado pela Secretaria de Estado dos EUA, Hillary Clinton (contrária à venda do produto), é maximizado por gráficos caprichados e experiências em 3D. "Você pode se perder nesse mundo. Mas estamos usando (essa realidade) apenas para atirar em pessoas e socorrer velhas donzelas. Poderíamos estar fazendo tão mais", ponderou del Toro, que evocou a HQ A Contract With God, publicada por Will Eisner em 1978, como pioneira da atual geração de quadrinhos.
Para o cineasta, os meios digitais também irão, na próxima década, evoluir - como aconteceu com a HQ. E ele estará no meio, assim que desocupar a agenda, já tomada pelos próximos anos com a sequência de Hellboy e os dois capítulos de O Hobbit, além de projetos menores como o roteiro do remake de Criaturas da Noite. "Tentarei", respondeu, com certa modéstia, ao ser questionado pela Wired se estará no meio dessa evolução, que promete, a seu ver, nada menos que o Cidadão Kane (tido como referência-mor entre cinéfilos) dos games.
Guillermo del Toro é visto como um dos "três amigos" de Hollywood, trio que se completa com os também mexicanos Alfonso Cuarón (Filhos da Esperança) e Alejandro González Iñárritu (Amores Brutos, Babel). Ele guarda na manga, também, a inédita trilogia The Strain, coescrita com Chuck Hogan. Veja aqui o trailer da literatura vampiresca de del Toro.