The Overalls, Lord Bishop Rocks, Autoramas, Karina Buhr e Crucified Barbara colocam público goiano para pular com vertentes diferentes de rock and roll
Uma guitarra não é nada se não houver, do outro lado, alguém para balançar a cabeça e curtir cada nota e acorde. E o que esteve em falta no primeiro dia do festival Goiania Noise sobrou na segunda noite, neste sábado, 10, com um público que, se não era dos maiores, era barulhento e participativo o bastante para dar conta do recado.
Ainda assim, era pouco para dois palcos. Eles acabaram coincidindo o horário dos seus shows por conta de um atraso no Esplanada, aquele montado do lado de fora do belíssimo Centro Cultural Oscar Niemeyer, localizado a 7 Km do centro de Goiânia. Sobrou para as bandas que foram escaladas para tocar no Palácio da Música. Um enorme espaço que ficou relegado até depois das 22h, já durante a consistente apresentação das meninas do Girlie Hell, de Goiânia. Antes disso, apresentações de bandas que mostraram um bom repertório ficaram às moscas. Diante de um lugar tão grande e vazio, era até amedrontador se aproximar. Pior para quem perdeu grupos cuja sonoridade era interessante, caso do Versário (GO), com referências variando entre Led Zeppelin e o lado mais funk rock do Red Hot Chili Peppers, ou do Judas (DF), com seu “baião and roll”, das guitarras e vocais noventistas do Dry e a insanidade hip hop experimental do Atomic Mambo All-Stars.
Assumindo o papel de protagonista do dia (e não da noite, que fique claro), com shows começando desde as 16h e favorecido pela tarde agradável, o Esplanada é um palco menor, quase um terço da extensão do Palácio da Música, coberto por uma pequena tenda para evitar as imprevisíveis gotas que insistem em cair do céu durante essa época em Goiânia. Melhor para bandas como Leave Me Out, um grupo de Uberlândia (MG) que faz uma interessante ponte entre as guitarras grunge com o Metallica, emulado pelo vocalista até nos maneirismos. Grande sensação da tarde, contudo, foi o country punk do Fabulous Bandits, de Londrina (PR), carregado de sonoridade do interior dos Estados Unidos, com banjo, violino, contrabaixo acústico e letras quase tão sacanas como as do Velhas Virgens – até chapéu de caubói usava o vocalista.
A responsabilidade de voltar às distorções ficou com os paulistanos do Grindhouse Hotel e seu hardcore puro. Um aquecimento para o estonteante e energético show dos austríacos The Overalls. Eles, que pareciam vestidos como um trio de encanadores e seus macacões coloridos, logo impuseram uma potência sonora, ainda que formados apenas por guitarra, baixo e bateria. Foi possível até fazer a plateia se dividir e criar um grande bate-cabeça.
Com o público animado, o jogo estava ganho para os norte-americanos do Lord Bishop Rocks, também um trio, mas de rock mais clássico. Cheio de marra, Lord Bishop (guitarra e voz), um sujeito enorme, de mais de 2 metros de altura, brincou com a plateia, tocou muitos covers de Jimi Hendrix e B.B. King e algumas inéditas e xingou a produção que cuidava da iluminação do palco. A resposta foi tão positiva que a banda estendeu seu tempo de permanência no palco, ultrapassando o horário das 22h, quando, por lei, o barulho deveria parar.
As meninas goianas do Girlie Hell e os paulistanos Hellsakura, já dentro do Palácio da Música, fizeram a verdadeira estreia do palco e esquentaram a noite de Goiânia para os heardliners deste segundo dia. O sempre ótimo e consistente Autoramas fez aquilo que mais sabe: um rock para dançar. Do punk à surf music, eles passearam por um repertório que incluía “Você Sabe”, “Ex-amigo”, “Verdade Absoluta” e “Abstrai”, estas duas do disco Música Crocante, lançado no ano passado. Formada por Gabriel Thomaz (voz e guitarra), Flávia Couri (baixo) e Bacalhau (bateria), a banda é uma veterana do circuito independente e sabe muito bem como se portar no palco.
Já a performance bastante rock and roll de Karina Burh acabou prejudicada por constantes falhas no som do Palácio da Músicas, com chiados que demoraram muito tempo para serem arrumados. Ainda assim, a energia incomum sobre o palco da cantora, estreante no festival, era viciante. Ela dançou, correu, esperneou-se conquistando um público que ainda parecia descobrir quem é a cantora. Com apenas uma guitarra (Guilherme Held) na banda, em vez dos tradicionais veteranos Fernando Catatau e Edgard Scandurra, as músicas de Eu Menti Pra Você (2010) e, principalmente, Longe de Onde (2011) ganharam um peso ainda maior de percussão. Ao fim, com “Nassiria e Najaf”, a cantora correu pelo palco recebendo palmas do público conquistado.
Quando as suecas Crucified Barbara subiram ao palco, já depois das 2h, a quantidade de público já tinha diminuído, mas restaram os verdadeiros e barulhentos fãs do quarteto feminino de pegada pesadíssima, ora heavy metal, ora hard rock, ora punk – ou tudo isso misturado num caldeirão embelezado por pela morena Mia Coldheart (voz e guitarra solo) e as loiras Klara Force (guitarra base), Ida Evileye (baixo) e Nicki Wicked (bateria). Ainda que soe clichê, mulheres lindas de pernocas de fora empunhando instrumentos, elas não fizeram só caras e bocas. Arrasaram com peso, distorções e virtuosismo de sobra. Não por acaso elas são um dos nomes grandes e promissores do metal e conquistaram gente como o Motörhead, com quem fizeram uma turnê em 2006, ainda no início de carreira. Como homenagem, elas mostraram “Kill By Death”, de Lemmy e companhia.
O repertório ainda trazia as venenosas “Rock Me Like The Hell”, a balada “Jennyfer”, “Pain & Pleasure”, “Sex Action”. Com direito a bis, o show encerrou o segundo dia do festival com “In Distortion We Trust, faixa cujo nome não poderia ser mais significativo: em distorção, nos confiamos. O Goiania Noise está aí para provar.