Com Miles Morales como protagonista, animação reapresenta o mundo dos personagens aracnídeos para uma nova geração
Vamos precisar exercitar uma volta no tempo para entender quem é Peter Parker e a relação dos jovens com o seu Homem-Aranha. Porque, ao longo dos anos, desde a sua criação, pelos magos das HQs Stan Lee e Steve Ditko, em 1962, o personagem é extremamente relacionável com o público jovem, que enxergava encapuzados como Batman, Homem de Ferro e Capitão América, como "adultos responsáveis".
Parker, não. Era só um guri, um moleque com a mesma idade daquele ou daquela que lia seus quadrinhos.
Oras, foi assim nas representações cinematográficas recentes, quando o diretor Sam Raimi e seu protagonista interpretado por Tobey Maguire ajudou a estabelecer os filmes de heróis como blockbusters rentáveis, visualmente espetaculares e, principalmente, confiáveis para os bolsos de Hollywood.
Embora Maguire não fosse um jovem propriamente dito, ele representava um rapaz que cursava o ensino médio quando ganhou seus superpoderes, perdeu o Tio Ben, tornou-se o Homem-Aranha e se apaixonou pela Mary Jane.
No reboot com Andrew Garfield foi a mesma coisa. A diferença foi o interesse amoroso, migrado para Gwen Stacy (interpretada pela Emma Stone), e um roteiro mais bagunçado.
O que faz Homem-Aranha no Aranhaverso, a animação que chega aos cinemas brasileiors nesta quinta-feira, 10, é levar para a telona a reicriação desse personagem. Alguém que vai fazer, tão jovem quanto ele, passar um par de horas vidrado na ideia de balançar pelos prédios altos de uma metrópole como Nova York com teias de aranha.
Acontece que o rapaz, agora, não é mais Peter Parker. A história, tão conhecida, precisou ser recontada para trazer fôlego para o personagem. Assim surgiu, nos quadrinhos, Miles Morales.
Em 2002, para alavancar as vendas das HQs, os executivos da Marvel entenderam que seu Parker (seja lá qual fosse a versão que estava nos quadrinhos da época, já que o herói já foi retratado jovem, mais velho, casado, fracassado, vitorioso, clone, etc) não se comunicava com a juventude norte-americana.
Miles (na foto abaixo), criação de um gênio dos quadrinhos modernos, Brian Michael Bendis, é negro, tem ascendência hispânica, curte ouvir o som que a molecada de hoje também gosta.
Aliás, em Homem-Aranha no Aranhaverso, a música é mais presente que em qualquer outra representação de um herói aracnídeo fora das páginas dos quadrinhos. Pôsteres de astros do rap, como Chance, The Rapper, e do R&B, como The Weeknd, estão espalhados pela Nova York e pelo quarto do jovem integrante da família Morales.
Tudo isso se amarra com um visual interessante, que busca as referências certas das HQs, com cenas de ação dinâmicas e que se mostram como se os quadrinhos realmente estivessem em movimento.
É com as batidas graves, viciantes, do fino da música que a cultura hip-hop produziu recentemente que Morales embala suas aventuras. Seus fones de ouvido, por sinal, são daqueles grande e cobiçados, que cobrem os ouvidos, bloqueiam o som exterior e dão ênfase em vibrações mais carregadas de peso.
Ele é ligado na cultura de rua, no street wear, curte grafite, adora espalhar seus próprios adesivos pelo caminho até a escola.
E, ainda assim, é um Homem-Aranha, que descobre, como qualquer outro, que com "grandes poderes trazem grandes responsabilidades", como um tal Peter Parker aprendeu certo dia.
Nessa versão (meio geração z), o personagem ainda é altamente relacionável por ter problemas bastante reais, pés no chão, como seu relacionamento com colegas e professores da escola na qual estuda.
A esperteza maior da Sony Pictures Animation, que assina a animação e detém os direitos cinematográficos do personagem que é da Marvel dos quadrinhos, é estabelecer o tal "aranhaverso", assim como a Marvel tem o seu Universo Cinematográfico da Marvel, e a DC tentou fazer o mesmo (e falhou).
Portanto, o Parker de Maguire existiu (inclusive com a dancinha ridícula da sua versão estranha de Homem-Aranha 3), o mesmo se dá com o personagem do seriado live-action japonês que foi ao ar no final da década de 1970.
Todos, sim, T-O-D-O-S os Aranhas existiram, cada um no seu universo particular, ou realidade. Parece difícil de entender, ou talvez uma saída fácil demais, mas é uma manobra de costura bastante usada nos quadrinhos.
Homem-Aranha no Aranhaverso tem um Aranha adulto, fracassado e com aquela barriguinha sobressalente que salta do uniforme, tem também o incrível Aranha noir, com aventuras que se ambientam nos anos 1930, em preto e branco e mais selvagem. Também há a Spider-Gwen, a versão Mulher-Aranha nesse movimento de repaginação do herói, mais jovem e descolado, como Morales.
Há um Homem-Aranha para cada um que se colocar ali na frente da tela grande. Mais jovens vão se interessar por Morales e suas angústias.
Os mais velhos, que lutam para encontrar seu lugar no mundo adulto com seus 30 e poucos anos, também - ver um Parker fracassado, morador de um apartamento minúsculo, que se alimenta de pizzas, descontente com o próprio corpo e abandonado por Mary Jane, aliás, pode ser um choque de realidade forte demais até.