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Jazz e blues esquentam o inverno em Rio das Ostras

Roberto Fonseca, José James, Tommy Castro e Jane Monheit fizeram os melhores shows do festival, que aconteceu entre 22 e 26 de junho

Por Antônio do Amaral Rocha, de Rio das Ostras (RJ) Publicado em 27/06/2011, às 15h26

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Roberto Fonseca fez o melhor show da nona edição do Rio das Ostras Jazz e Blues Festival - Cezar Fernandes/Divulgação
Roberto Fonseca fez o melhor show da nona edição do Rio das Ostras Jazz e Blues Festival - Cezar Fernandes/Divulgação

A nona edição do Rio das Ostras Jazz e Blues Festival, realizado na cidade do litoral do Rio de Janeiro entre os dias 22 a 26 de junho, teve público superlativo. A festa cresce a cada ano: nos cinco dias do evento, cerca de 90 mil pessoas assistiram a 29 shows. Stenio Mattos, produtor e idealizador do festival, manteve a tradição de buscar atrações de qualidade.

Confira abaixo como foram as principais apresentações da maratona:

Quinta-feira, 23 de junho

No palco da Praia da Tartaruga, José James fez um show enxuto de 45 minutos, acompanhado de Hammond, baixo, trompete e bateria. O vocalista James inova na forma de cantar e usa sua voz sensual para interpretar temas de jazz com toques de hip-hop, com impressionantes fraseados onomatopéicos. Além disso, ele também dá espaço para o trompete de Takuya Kuroda.

Na mesma noite, no palco Costazul, 15 mil pessoas assistiram à afiada banda do guitarrista Ricardo Silveira, acompanhado de sax tenor, trompete, flauta, baixo e bateria. Ricardo é instrumentista que está na estrada desde a década de 80, tem quatro discos instrumentais e uma música que foi hit na voz de Milton Nascimento, "55" - que, no repertório do brasileiro, se transformou em "Portal da Cor". A execução da música foi de arrepiar, quando Ricardo tentou acompanhar a melodia no assovio. Foi uma surpresa: o músico teve a adesão de grande parte do público, e nem ele parecia esperar por isso.

A trompetista holandesa Saskia Laroo veio em seguida com a banda multi-étnica The Saskia Laroo Band. O grupo é formado por teclado, baixo, guitarra, percussão e dois vocalistas. Saskia toca segurando o instrumento só com uma mão, pois a outra está o tempo todo ocupada pilotando os botões de efeitos que ela carrega afixados à cintura. O show foi contagiante, dançante, com uma mistura eclética de jazz, salsa, funk, reggae e hip-hop. Saskia desconstrói o jazz, mexendo com o universo delicado do gênero.

A alternância entre festa e música tem sido uma tendência do Rio das Ostras, tanto que após Saskia entrou o trio Azymuth (baixo, teclado e bateria). Se não bastasse Mamão, um dos maiores bateristas do Brasil em atividade, o show trouxe ainda o sax competente de Leo Gandelman. Eles alternaram temas do repertório de ambos e clássicos da música brasileira, incluindo Tom Jobim, e fecharam com uma volta ao meio da década de 70, quando o Azymuth era uma banda pop. A pedidos, tocaram "Linha do Horizonte".

Depois da música cerebral do Azymuth, pontualmente à 1h da manhã de sexta, 24, a banda de Bryan Lee começou um show que duraria duas horas. O guitarrista, que é cego desde os oito anos de idade, toca sentado, e é uma figura excêntrica: todo vestido de preto, óculos escuros, cartola e cavanhaque branco. Lee fez um show didático, e até discorreu sobre as vertentes e caminhos do blues; ele também fez todos cantarem o refrão "The Blues Is Alright". Mas o grande destaque da sua banda é mesmo o guitarrista Brent Johnson, um verdadeiro monstro. Quase ao final do show, a equipe de Bryan entrou no palco e passou pela plateia distribuindo colares coloridos, como se faz em Nova Orleans.

Sexta-feira, 24 de junho

No palco da Praça São Pedro, às 11h30 da manhã, o Blues Groover & Cristiano Crochemore tocou para um público de duas mil pessoas. A banda carioca, veterana no blues, se apresentou sob um sol escaldante e contou com a canja do guitarrista-sensação Brent Johnson, da banda de Bryan Lee.

No palco da Lagoa do Iriri, foi a vez do guitarrista Tommy Castro, acompanhado de guitarra, trompete, sax, baixo e bateria. Tommy é um excelente cantor de blues e com categoria animou os três mil presentes à frente do palco, localizado em um local paradisíaco. Teve canja do guitarrista carioca Big Joe Manfra, que já não é tão big assim, pois após um rigoroso regime perdeu quase a metade de seu peso original. Tommy chamou-o de Middle Manfra - mas apesar de menor no porte físico, ele continua tocando magistralmente sua Fender.

À noite, no palco Costazul, José James mostrou para um público maior porque é uma renovação na forma de cantar jazz. Ele se consagrou com sua voz quente e seus fraseados originais bem adaptados do hip-hop e do rap e esbanjou talento ao homenagear John Coltrane, em uma versão de "Equinox". Nos bastidores, houve a notícia de que James ficou impressionado com o Azymuth e que eles acertaram a gravação de um disco ainda para este ano.

Em seguida, o Rio das Ostras Festival teve o tão esperado show intimista de Jane Monheit. Acompanhado de um trio, Jane, charmosa, se disse impressionada com o crescimento do festival (ela esteve por aqui na edição de 2003). Com sua voz aveludada, a cantora conquistou o público, cantando em sequência "Dindi" (de Tom Jobim, em inglês), depois "Caminhos Cruzados" e "Samba do Avião", ambas em português, mostrando o quanto gosta de bossa nova e conseguindo a maior ovação da noite. Jane encerrou com "Over the Rainbow", tema de O Mágico de Oz.

O quarteto Yellowjackets, a atração seguinte (sax tenor e soprano, baixo e bateria), apresentou "jazz" só na forma de tocar - eles poderiam ser chamados de banda fusion de música instrumental contemporânea, apesar de seus 30 anos de estrada. O público, que estava ali para ser feliz, ouviu tudo com atenção respeitosa e só se empolgou com as performances individuais. Jimmy Haslip, o baixista canhoto, impressionou.

A última atração da noite foi o guitarrista angolano-brasileiro Nuno Mindelis. Como se esperava, Nuno entrou botando fogo na plateia a partir da 1h30 da manhã do sábado, 25. Ele tocou uma série de temas que renovam o gênero, incluindo até uma levada hip-hop. Nuno diz que investe na modernização do gênero, para que o blues não se transforme em verbete de enciclopédia. Mas um acidente (a quebra de uma corda de sua Fender vermelha) deu uma esfriada no show, justamente quando ele tocava "Blues Canalha". Nuno não tinha guitarra reserva e teve que pedir emprestada a de Big Joe, enquanto a sua era reparada, oportunidade para o tecladista Flavio Alves brilhar. O guitarrista continuou fazendo seu show, que seguia um tanto morno até o momento em que ele desceu do palco e começou a tocar no meio da plateia. Depois, ele voltou ao seu posto e se despediu, mas o público queria mais. Já no segundo bis, perguntou o que a plateia queria ouvir. Mais blues ou algo do Jimi Hendrix? O público ficou com a segunda opção, e Nuno emendou uma versão de 15 minutos de "Hey Joe".

Sábado, 25 de junho

A noite do sábado, a mais nobre do festival, abriu com atraso de 40 minutos no palco Costazul. O problema era o piano, que estava com as teclas desalinhadas - e a atração que viria, o cubano Roberto Fonseca exigia um piano impecável. Ele chegou acompanhado de contrabaixo, sax, bateria e percussão. Seu repertório, todo composto de jazz latino com ecos de salsa, rumba e vertentes, parece nascer do fundo da alma, e as execuções alternam momentos de extremo lirismo e outros vigorosos. O sax de Javier Zalba compôs um dueto perfeito com o piano, o mesmo acontecendo entre piano e percussão, mas a integração total aconteceu mesmo nos diálogos do piano e bateria em momentos alternados. Quando todos tocavam todos juntos, a música crescia até atingir a catarse. A performance de Roberto é magnética. Em um dos momentos mais eletrizantes do show, ele dedicou uma balada a Ibrahim Ferrer e a Cachaito Lopez. Nesse momento, ele quase saiu do piano ao curvar o corpo para a lateral ao tocar, retornando depois a boca ao microfone para soltar sua voz como se fosse um lamento.

Anunciada como a última música, "Lo que me Hace Vivir" iniciou-se só com Roberto ao piano. Depois de cinco minutos de solo impressionante e alternando diálogos com cada instrumento, Roberto continuou solando de maneira nada convencional, dando a ideia que tem uma ligação invisível entre seus dedos e o teclado.

Como Roberto fez a melhor e a mais impressionante performance de todo o festival, sucede-lo no palco foi uma tarefa árdua, que coube a Nicholas Payton e seu Sexxxtet, que entrou logo a seguir. O grupo apresentou um jazz cerebral, com toques de genialidade na execução do trompete. Payton, na tradição de Louis Armstrong, também canta e trouxe uma vocalista, inserindo sensualidade às interpretações. Mas, comparado ao de Roberto, o show de Payton (apesar de competência indiscutível) foi morno.

O trio Medeski Martin & Wood, mais o saxofonista Bill Evans, anunciado como a grande atração da noite de encerramento, fez um show energético com muito groove e temas de jazz experimental, jazz fusion, acid jazz, jazz funk e free jazz. O tecladista Medeski, em determinado momento, tocou uma escaleta, em duo com o sax de Evans. A sequência de sons resultou em algo que parecia estar em construção, como uma trilha sonora de uma caminhada para um lugar desconhecido.

Às 2h15 da madrugada do domingo, 26, a energia maluca do blues, soul e rock do premiado guitarrista Tommy Castro, que já se imaginava ser uma festa para encerrar a festa, começou com a pressão às alturas e se manteve assim até o fim, por mais duas horas e meia. Às 4h30 da manhã, a banda saiu do palco. Nesse show, teve de tudo: Tommy repetindo Nuno Mindelis e tocando no meio do público, canjas de Saskia e seu trompete e a guitarra de Joe Manfra. Além da energia de Tommy, ainda foi possível compartilhar da maluquice do baixista, que mais parece um duende, de longa cavanhaque e um sapato de cinco números maior que o seu pé, que fazia questão de mostrar a todo tempo.