Rolling Stone Brasil
Busca
Facebook Rolling Stone BrasilTwitter Rolling Stone BrasilInstagram Rolling Stone BrasilSpotify Rolling Stone BrasilYoutube Rolling Stone BrasilTiktok Rolling Stone Brasil

João Rock 2016: Marcelo D2, BNegão e Black Alien cantam juntos pela primeira vez em 15 anos no festival

Edição comemorativa do evento em Ribeirão Preto mantém line-up de veteranos, mas aponta para renovação; Criolo e Tulipa Ruiz encerram a maratona de shows cantando juntos

Lucas Brêda, de Ribeirão Preto Publicado em 19/06/2016, às 20h49 - Atualizado em 20/06/2016, às 10h52

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
O encontro histórico entre BNegão, Marcelo D2 e Black Alien no João Rock 2016. Foi a primeira vez que eles cantaram juntos desde que Alien deixou o Planet Hemp, em 2001 - I Hate Flash/Divulgação
O encontro histórico entre BNegão, Marcelo D2 e Black Alien no João Rock 2016. Foi a primeira vez que eles cantaram juntos desde que Alien deixou o Planet Hemp, em 2001 - I Hate Flash/Divulgação

O Joao Rock chegou em 2016 à sua 15ª edição e o ano comemorativo do festival foi uma versão ampliada, mais grandiosa e inclusiva do histórico evento de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Além da urgente inclusão de um espaço dedicado à produção mais recente da música brasileira, o João Rock 2016 criou um palco composto por todos os artistas que tocaram na primeira edição do festival, em 2002.

A maratona musical não só recebeu um público maior este ano – impressionantes 50 mil pessoas compareceram ao Parque de Exposições de Ribeirão Preto no último sábado, 18, com ingressos esgotados com antecedência –, o João Rock foi permeado de diversos encontros, entre eles um momento histórico: Black Alien cantou junto a Marcelo D2 e BNegão 15 anos depois de ter saído do Planet Hemp.

Em relação aos últimos anos, a organização foi bem mais rígida quanto aos horários. Se em 2015 o festival ainda rolava quando os primeiros raios de sol do dia seguinte começavam a dar as caras, este ano, a pontualidade foi um dos trunfos e antes das 2h30 de domingo, 19, todos os shows já haviam chegado ao fim. A eliminação dos atrasos também impede uma movimentação comum neste tipo de evento: o esvaziamento precoce e pessoas indo embora sem conseguir assistir ao show pelo qual pagou o ingresso.

Outra novidade de 2016 foi a adoção de um recurso vastamente utilizado em festivais, uma moeda própria. As chamadas “baquetas” custaram o dobro do real (para comprar uma lata de Skol a R$ 8 eram necessárias 4 baquetas) e foram inseridas em forma de crédito em um cartão personalizado. Apesar de moderno, o recurso gerou filas gigantescas e fez com que várias pessoas saíssem do evento sem consumir pelo que pagaram.

O Parque de Exposições continuou permeado de atrações diversas, como o bungee jumping e a pista de skate, além da praça de alimentação abrangente e em tamanho adequado. Com a nova configuração de três palcos, o vazamento de som foi um problema recorrente, assim como a circulação entre os ambientes. Mesmo com palcos relativamente próximos, a transição entre eles foi complicada – ainda que não comprometedora –, especialmente depois das 21h, devido à quantidade de público no espaço.

A redundância no line-up – característica quase permanente no João Rock – voltou a ser perceptível, apesar de algumas mudanças. Por apostar em atrações veteranas e consagradas – e, portanto, velhas –, o festival acaba, por vezes, caindo em um ciclo anacrônico: Nação Zumbi, Nando Reis e Paralamas do Sucesso tocaram em 2014 e retornaram em 2016; Criolo e Planet Hemp se apresentaram em 2015 e voltaram este ano; e o CPM 22 não sai do line-up do João Rock há três anos.

Os nomes já estabelecidos são fundamentais para dar ao evento a proporção que ele tem (para se ter uma ideia, um dia caído de Lollapalooza em São Paulo pode ter quase o mesmo público do João Rock 2016), mas a venda relâmpago de ingressos é uma prova de que há suporte para mais apostas. A região de Ribeirão Preto é escassa de shows destes nomes consagrados – o que dá ainda mais importância ao João Rock –, mas não precisa ficar restrita a recebê-los uma vez a cada dois anos.

Um efeito direto da pouca variação nas escalações foi visto na edição deste ano, com algumas músicas sendo apresentadas duas vezes no mesmo palco. “Que País É Esse?”, originalmente lançada pelo Legião Urbana, foi tocada pelo projeto de Dado Villa Lobos e Marcelo Bonfá e também pelo Paralamas do Sucesso, enquanto “Manguetown” apareceu no show do Nação Zumbi e na apresentação seguinte, em que o grupo pernambucano se uniu ao Paralamas do Sucesso. Marcelo D2 e BNegão cantaram “Contexto” com Black Alien e quase tocaram a música novamente com o Planet Hemp (na ocasião, D2 decidiu cortá-la de última hora).

A escalação de Criolo e convidados como headliner foi um respiro em meio a tantos veteranos. O rapper paulistano conseguiu segurar uma multidão com um repertório construído majoritariamente nos últimos seis anos – incluindo alguns novos hits – e ainda abriu espaço para jovens e talentosos artistas, dividindo performances com Tulipa Ruiz e Rael, para um público numeroso e participativo, que não arredou pé.

Em um repertório que contou com “Convoque Seu Buda”, “Mariô”, “Subirusdoistiozin”, “Duas de Cinco”, “Grajauex”, “Bogotá” – todas dos discos Convoque Seu Buda (2014) e Nó Na Orelha (2011), respectivamente segundo e terceiro de Criolo –, o rapper mostrou as novas versões de canções antigas, revitalizadas no relançamento do primeiro álbum dele, Ainda Há Tempo (2016): “Tô Pra Ver” e “Vasilhame”.

Tulipa Ruiz entrou no palco com vistosa desenvoltura e a típica habilidade vocal, cantando o refrão da infame “Cartão de Visita”, parceria dela com Criolo. Particularmente animado com a apresentação, o cantor depois dividiu as vozes de “Só Sei Dançar Com Você”, música de Tulipa, em um dueto inesperadamente entrosado. Sozinha no palco, ela depois prendeu os olhos do público – que praticamente por inteiro desconhecia a canção – com “Proporcional”, outro momento pouco comum, mas extremamente valioso em um festival como o João Rock.

Pedindo barulho para “acordar esses hipócritas do Brasil”, Criolo gritou em apoio ao movimento de ocupação das escolas e bradou contra a “homofobia, o machismo e o racismo”. O show chegou ao fim com um palco cheio de gente e o rapper puxando, a capella, os versos de “Sucrilhos”: “Eu tenho orgulho da minha cor/ Do meu cabelo e do meu nariz/ Sou assim e sou feliz/ Índio, caboclo, cafuso, criolo! Sou brasileiro!”. Certamente um dos momentos de celebração genuína memoráveis do João Rock.

Histórico

A curta apresentação de Black Alien no palco principal do festival chegou ao fim com o hit “Mister Niterói” – do antológico álbum Babylon by Gus Volume 01 (2004) – naturalmente, sem muito alarde. Depois de o som já ter sido desligado, a plateia já se deslocava para o palco adjacente, onde o Planet Hemp tocaria em minutos, quando BNegão surgiu repentinamente, seguido por Gustavo Black Alien e Marcelo D2 (os atuais integrantes do Planet Hemp foram convidados por Alien).

Um abraço de D2 e Alien selou o encontro histórico. Desde que saiu do Planet Hemp, em 2001, Black Alien não subia no mesmo palco que os ex-companheiros BNegão e D2. Juntos, eles cantaram a clássica “Contexto”, causando um misto de euforia e surpresa nos presentes, muitos dos quais ficaram perdidos entre registrar o momento e prestar atenção no som. Musicalmente, a apresentação não foi lá das mais eletrizantes – apenas um DJ os acompanhou –, o que teve importância quase nula para a plateia, testemunha da mais significativa performance de “Contexto” em 15 anos.

Em seguida, o show do Planet Hemp seguiu os conformes, percorrendo clássicos antigos (“Legalize Já”, “Fazenda a Cabeça”, “Stab”, “Quem Tem Seda?” e por aí vai), uma cover de Ratos de Porão (“Crise Geral”), uma homenagem a Chico Science e Nação Zumbi (“Samba Makossa”) e discurso político agudo (“Vai tomar no cu, Temer”, gritou BNegão, sem nenhum pudor). Possivelmente impulsionados pelo encontro com Black Alien – mas também pela atuação especialmente afiada de BNegão –, o Planet Hemp conseguiu fazer um show ainda mais intenso que o deles no mesmo palco em 2015.

O #JoãoRock2016 abrigou um encontro histórico para a música brasileira. Pela primeira vez em 15 anos, #BlackAlien, #MarceloD2 e #BNegão dividiram o mesmo palco. Juntos, eles cantaram a clássica "Contexto", música do grupo do qual os três fizeram parte, o #PlanetHemp. A performance aconteceu entre os shows de #BlackAlien e #PlanetHemp no palco principal do festival.

A video posted by Revista Rolling Stone Brasil (@rollingstonebrasil) on

Encontros

Outros encontros marcantes também abrilhantaram o João Rock 2016. Além de Nasi com o Titãs no palco 2002 e Far From Alaska com Scalene e Supercombo no palco Fortalecendo a Cena, o palco principal abrigou a apresentação conjunta de Nação Zumbi e Paralamas do Sucesso. A banda pernambucana e o grupo fluminense já tinham feito seus shows usuais anteriormente e depois se juntaram para tocar “Selvagem”, “Manguetown”, “Beco” e “Que País É Esse?”.

Apesar de “Selvagem” e “Beco” se apresentarem apropriadas – o colorido da percussão do Nação Zumbi caiu como uma luva nas clássicas músicas ácidas e balançadas do Paralamas –, o repeteco de “Manguetown” e “Que País É Esse?” soou cansado e inofensivo. Desprovida de postura crítica, a performance do hino do Legião Urbana pareceu uma maneira de despolitizar uma das canções mais politizadas da história do país, tirando quase que por completo o significado dos desgastados e poderosos versos de Renato Russo.

A mesma faixa do Legião Urbana voltou ao palco principal do João Rock horas depois, quando o projeto Legião Urbana XXX Anos deu as caras. Com guitarrista e baterista original da banda – Dado Villa Lobos e Marcelo Bonfá – e o vocalista convidado André Frateschi, o grupo revistou clássicos absolutos da cultura popular brasileira. “Estamos aqui pelas músicas, pelo que somos e por vocês”, anunciou Villa Lobos ao microfone, antes de puxar a extasiante “Tempo Perdido”, cantada pelo próprio guitarrista.

O show tributo é fiel à estética original, com Frateschi se equilibrando entre a cópia e a recriação dos vocais de Renato Russo e Villa Lobos reproduzindo os timbres de guitarra das gravações. O projeto, contudo, teve pouco compromisso com a proposta inicial de reverenciar o disco de estreia, autointitulado e aniversariante, do Legião Urbana. Dele, apenas “Por Enquanto”, “Será”, “Soldados” e “Geração Coca-Cola” ganharam espaço. Muito devido ao curto tempo, faixas como “Ainda É Cedo”, “Teorema” e “Baader-Meinhof Blues” (todas de Legião Urbana, de 1985) foram deixadas de lado.

A escolha abriu caminho para outros hits da banda, entre eles “Pais e Filhos” (cantada por Bonfá), “Há Tempos” e “Perfeição”, todos gerando um karaokê de proporções assustadoras, com todo o Parque de Exposições soltando a voz com Frateschi. A mais curiosa foi “Faroeste Caboclo”, cuja narrativa parece nunca envelhecer e que tem a capacidade de fascinar o público por quase dez minutos sem pausa. A atuação do vocalista acentuou ainda mais o drama da jornada de João de Santo Cristo.

Paradoxo geracional

Os outros dois palcos do João Rock tiveram destaques dispersos. Alguns shows do palco 2002 foram interessantes por lembrar do que era relevante na música brasileira há 14 anos – sons nostálgicos e que hoje beiram o obsoleto –, como o Cidade Negra e o CPM 22. “Vocês são mais afinados que seus pais”, brincou o guitarrista do Ira!, Edgard Scandurra, em certa altura.

O mesmo não se pode dizer de Nasi, que alterna momentos vocais seguros – “Gritos na Multidão”, “Advogado do Diabo” – e oscilantes – “Pra Ficar Comigo”, “Na Minha Mente” –, deixando para o público o dever de cantar os refrães de hits como “Envelheço na Cidade” e “Núcleo Base”. E assim é o show do Ira! de 2016: ora lembrando como legado da banda é frequentemente subestimado, ora ressaltando a falta de brio da apresentação atual (vide a cover absolutamente dispensável de “I Feel Good”, de James Brown).

Se o palco 2002 foi um aceno ao passado, o espaço localizado logo à frente dele, o palco Fortalecendo a Cena, tinha a pretensão de vislumbrar o futuro. A criação do palco era necessária e os expressivos públicos nele reunidos foram prova disso. A curadoria do espaço fez apostas de dois tipos: artistas com sonoridades realmente frescas em relação ao cenário da música nacional (Far From Alaska, Scalene e Supercombo) e bandas mais ligadas ao método mais arcaico de se fazer rock (Dona Cislene e Marrero).

A primeira leva delas se mostrou mais interessante justamente por apontar caminhos inéditos no João Rock, ou o que realmente pode ser o futuro do rock nacional. No abarrotado show do Far From Alaska, integrantes do Scalene e do Supercombo subiram ao palco, pularam e deram gás à pesada “Dino vs. Dino”. Além de injetar energia à apresentação, o encontro serviu como urgente comunicado: a nova música brasileira pode estar longe das rádios e das mídias mais tradicionais, mas ela respira firme e continua em mutação.

A única baixa do palco foi o óbvio nome, que soa como se o festival estivesse fazendo um favor aos jovens talentos da nossa produção musical. Mais do que “dar uma força” à cena, o João Rock passa a refletir em sua programação e a levar a Ribeirão Preto e região o que já está acontecendo em outros lugares do país. Do Criolo no topo ao Far From Alaska na base do line-up, a edição de 2016 do festival dá indícios de que quer fazer parte da renovação do nosso som, para poder chegar à 30ª edição com uma programação (possivelmente) completamente diferente, mas não menos estimulante e relevante.

*Lucas Brêda viajou a convite da organização do João Rock