Com nome inspirado em dono de bar favorito, a banda de post-cervejada Jovem Dionísio canta as amarguras do início da vida adulta com leveza e alguma ironia - e é ótima
Post-rock, post-punk, post-tudo. Agora, post-cervejada. Existe uma transição entre o jovem e a vida adulta. O "jovem adulto", dizem alguns. "Aquele momento em que temos responsabilidades da vida adulta, mas ainda damos risada das histórias da escola", avalia Bernardo Pasquali, vocalista da Jovem Dionísio, banda nascida para tocar em festas de faculdade e churrascos em troca de bebida, comida e, com sorte, alguns trocados.
Na época, o grupo formado por ele, Gabriel Mendes, Gustavo Karam, Rafael Duna e Bernardo Hey atendia pelo nome de Huf (o nome foi trocado em 2018, em homenagem ao dono do bar favorito dos rapazes, Senhor Dionísio, adaptado para algo mais "jovem", risos). Talvez sem saber, eles criaram um gênero desse som delicinha que é meio indie, meio pop, um dream pop tropical, orgânico e graciosamente indolente e milimetricamente desajeitado. Um retrato de uma geração de idade universitária que, aos poucos, começa a levar os chutes na bunda que a vida adulta dá com aquela desenvoltura de um jogador como Roberto Carlos, lateral-esquerdo da Seleção Brasileira campeã do pentacampeonato mundial de 2002 e famoso pela largura das coxas e chutes endiabrados. É uma categoria de som própria: o som post-cervejada.
Tem dado muito certo. A banda firmou um contrato com a Sony Music em 2020, foi artista do mês da Apple Music e tem, entre um seleto grupo de admiradores nas redes sociais, gente como Manu Gavassi, os integrantes da Tuyo (Machado e Lio), a nova voz do pop Elana Dara, os cantautores Rubel, Ana Clara Caetano e Rodrigo Alarcon, a banda indie-delicinha Terno Rei além do empresário Felipe Simas. No YouTube, o clipe de "Pontos de Exclamação" tem mais de 4,3 milhões de views. O vídeo está abaixo, mas assista-o com o aviso de que a história contada ali é de moer o coração, ok?
O som da Jovem Dionísio tem um gostinho amargo e uma dor de cabeça que, antes, não chegava no dia seguinte à bebedeira. Herda a preguiça e uma vontade de não fazer nada numa tarde ensolarada. Canta o amor, sim, mas um amor que nem é maduro, nem verde demais, está naquele meio termo que ainda amarra a boca. É festivo, mas também melancólico como levar um pé na bunda em um dia radiante e lindo de sol. Representa a vida dura de quem precisa parar de arrumar cervejadas de universidades para ir para encontrar um emprego e pagar pelo goró no bar preferido (geralmente, aquele que tiver bebida gelada a preços camaradas, mesas e cadeiras de plástico e garçons gente boa).
Percebe-se isso ao ouvir as músicas "É Osso", novíssimo single lançado recentemente (que soma 1,1 milhões de visualizações no YouTube e foi destaque da coluna semanal assinada por esse que aqui escreve, HOTLIST #19), "Amigos Até Certa Instância" e "Pontos de Exclamação", três canções de 2020 que parecem melhor representar essa fase do grupo. A última delas, aliás, além do clipe que já coloquei acima também ganhou recentemente um remix do DJ e produtor brasileiro Vintage Culture (capa da edição 145 da Rolling Stone Brasil).
O trio de músicas recentes está mais conectado esteticamente do que "Porém", o primeiro single do ano, com feat do rapper Murica e que mais dialoga com uma versão, digamos, antiga da banda. Somam-se a ela a música "Filme de Cinema" e o EP Dança de Casais.
Há um frescor na produção mais recente do grupo, pós-assinatura Sony Music. Endireitaram linguagem, som e percepções da vida. Faz parte do início do amadurecimento adulto, podemos pensar nós, que já passamos dos 30 anos. Para eles, é só um jeito de se divertir com a música.
Esse salto que se deu em 2020 tem relação à mão na massa dos jovens dionísios na produção das músicas. "Foi quando realmente pegamos para fazer a pré-produção. Não pensávamos como a música chegaria ao final, que tinha que soar assim ou assado. Sentamos na frente do computador e fomos escolhendo ideias e sonoridades", conta Pasquali.
Ele segue: "Na época, Mendão (Gabriel Mendes) estava ouvindo 'Te Amo Disgraça', do Baco Exu do Blues, e falou: 'E se a gente colocasse um funk? Eu sugeri uma linha de baixo...". "Primeiros pensamos nos detalhes e não no final da música. Deu certo. Começamos a trabalhar assim", revela.
Foi numa daquelas festas universitárias que surgiu o lema da Jovem Dionísio, uma brincadeira que aparece na descrição do grupo no Instagram, nas plataformas de streaming e em qualquer papo que você tenha com os meninos: "se hidratem".
Mesmo com chuva e um público já diminuto, lá seguiam eles. Quem ainda estava lá, entre um gole e outro de cerveja (quente? possivelmente), ouviu o conselho: "Se hidratem!", vindo do vocalista Bernardo Pasquali. E aquilo virou uma graça repetida até hoje. "Pior que não tinha me ligado que estava errado", conta Pasquali, sobre a forma gramatical correta da frase.
"O certo seria 'hidratem-se', né?", diz, ciente do erro, jocosamente, também não se importando muito com isso.
A verdade é que para a Jovem Dionísio a vida ainda é uma farra, mesmo que as contas passem a chegar e a responsabilidade com a banda aumente a cada novo som lançado. Não há perrengue da vida adulta que entre no caminho deles por enquanto "Somos cinco amigos de infância que tocam porque gostam", diz Pasquali. "Isso não mudou, mesmo com gravadora, com a nossa música chamando a atenção das pessoas. Estamos nos divertindo."
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