A banda brasileira de metal extremo Krisiun, formada pelos irmãos Kolesne Camargo, encerra em São Paulo, no próximo fim de semana, a turnê do disco Southern Storm; confira entrevista
Era uma vez três irmãos gaúchos que queriam viver o que um deles chama de "a fantasia do metal" - ter uma banda, fazer um som devastador, tocar pelo mundo, conhecer os ídolos e viver disso.
Hoje, quase duas décadas depois da primeira viagem do Rio Grande do Sul para São Paulo, o que era o sonho dos irmãos Kolesne Camargo é a mais pura, bruta e rápida realidade: o trio Krisiun, formado por Alex Camargo (baixo e voz), Moyses Kolesne (guitarra), e Max Kolesne (bateria), é uma das mais conceituadas bandas do metal extremo do mundo. (Por "extremo" entende-se: subgêneros mais rápidos e barulhentos do heavy metal, como grind e death metal).
São oito discos, considerando tudo o que eles já lançaram, várias turnês norte-americanas e européias, shows na Austrália, Nova Zelândia, enfim, uma carreira sólida e verdadeira, acompanhada de perto por todos os grandes veículos segmentados do gênero, e construída sob os alicerces da busca por uma música que fuja das obviedades e com a admiração de uma legião de fãs pelo globo.
No próximo sábado, 7, o Krisiun encerra a turnê do mais recente disco, Southern Storm, com um show no tradicional O Kazebre, na zona leste de São Paulo. É uma das raras oportunidades, talvez a última deste ano, de ver ao vivo, em solo nacional, a banda dos irmãos Kolesne Camargo, que prometem um setlist com passagens por todos os sons que marcaram a trajetória do Krisiun até aqui.
Em fase de criação para o novo disco, direto do apartamento que a banda transformou em estúdio de ensaio, no bairro da Água Fria, na zona norte de São Paulo, o guitarrista e irmão do meio entre os três músicos, Moyses Kolesne, conversou por telefone com a Rolling Stone Brasil. Entre os assuntos, as turnês internacionais do Krisiun, a falta de apoio para o metal no Brasil e o próximo disco da banda.
Soube que vocês estão trabalhando em material novo. Como está a correria?
Moyses Kolesne: Estamos no corre, mano, compondo agora. Estamos criando.
Já tem música nova?
Tem dois sons prontos e um pela metade. E tá indo bem, cara. Nós começamos em final de junho, começo de julho.
Você me disse que estão fazendo um som mais cadenciado e menos rápido. Explique.
É, em algumas músicas a gente está tentando dar um pouco mais de peso, mais groove, influências tipo Black Sabbath, Metallica do Master of Puppets. Depois de oito discos a gente está tentando manter as características da banda, mas também queremos incorporar alguma coisa nova para não ficar tudo igual sempre.
A velocidade aliada à brutalidade são características do som do Krisiun. Vocês vão pisar mais no freio, é isso?
Não, a gente vai continuar, vai ter sons assim totalmente na linha antiga, tem sons que seguem no blast beat. Mas tem outros com uma batida lenta mesmo, tem dois bumbos em algumas partes. Na real, não é lento, mas, sim, com o groove que a música pede. Talvez tenha a ver com o fato de você ficar mais velho, vai querendo ouvir umas coisas mais diferentes também. São oito discos de puro blast beat, achamos que é bom dar uma mudada sem perder a identidade da banda.
Quais as idades de vocês agora?
Eu estou com 37; o Max, 35; e o Alex, 39. Vim para São Paulo com 19 anos, cara. O tempo voa. E a gente sempre tocando. Todos esses anos têm sido meio que a mesma coisa: viagem para a gringa várias vezes por ano, vai e volta, vai e volta. E estes últimos tempos não têm sido diferentes, a gente se mantém viajando pra caralho, em plena tour, conhecendo bandas novas, novo público. Tudo isso te ajuda a se desenvolver também. Estamos em 2010 e não mais em 2000, os tempos são outros, a molecada nova é diferente. Mas a intenção musical é algo profundo dentro de nós mesmos. A gente curte muito bandas como Black Sabbath, Iron Maiden, Motörhead, e a ideia é incorporar isso no nosso som sem deixar de ter as características fundamentais. Vai ser o Krisiun, mas vai ter uns lances um pouco diferentes também, que tem a ver com essas influências e a nossa idade.
Quando se refere a oito discos na carreira do Krisiun, você está contando tudo, desde a demo?
É, tudo, porque brasileiro é fudido. Você grava uma demo depois acaba virando disco, né. Outra demo vira outro disco. Não é como lá na gringa, em que é tudo planejado. Contamos os EPzinhos, tudo. A gente é que nem o Romário, que contou tudo para os mil gols. [risos]
Depois do lançamento do Southern Storm vocês fizeram, novamente, turnês pelos Estados Unidos e pela Europa. Como foram estes shows?
A turnê desse disco começou em junho de 2008 - aqui no Brasil ele demorou um pouco a sair, sempre atrasa um pouco, e quando saiu a gente já estava em turnê direto. Acho que fomos umas quatro ou cinco vezes para a Europa, fizemos festivais de verão, Rússia, Cazaquistão. Fomos para os Estados Unidos, América do Sul, Austrália, Nova Zelândia, vários lugares. Começou nos Estados Unidos, no começo do ano, e fizemos várias coisas lá e assim continuou. E agora, antes de fazer o próximo disco, vamos mais duas vezes ainda para a Europa. A gente vai tocar num festival no fim do ano e depois fazer uma tourzinha. Mas o disco já passou, já vai fazer três anos desde que ele foi lançado lá fora. Nesse meio tempo estamos compondo e vamos ver se a gente marca o estúdio, sei lá, para janeiro de 2011. Ou talvez no fim deste ano, quando a gente for tocar na Europa, o material já esteja pronto. Vai depender de como vão rolar as coisas. Podemos já ficar por lá, na Alemanha, e gravar onde a gente sempre grava.
E ainda vai ser pela gravadora Century Media?
O próximo disco vai ser o último pela Century Media. O último desse contrato que nós fizemos há dez anos.
Vocês vão renovar esse contrato ou estão buscando outras gravadoras?
A gente vai decidir ainda, tem umas propostas a serem analisadas.
Parece que a Deckdisc havia se interessado pelo Southern Storm, é verdade?
É verdade, a Deck queria muito ter lançado o Southern Storm no Brasil. O Rafael Ramos entrou em contato várias vezes, trocamos várias ideias, só que a gente já estava negociando lá fora e as conversas estavam mais adiantadas. Cada disco que nós lançamos no Brasil é uma negociação à parte. Talvez, eu volte a falar com o Rafael pra ver se os caras estão a fim ainda, porque a gente tem que fechar com quem está com vontade de trabalhar o disco. Porque a gente vai continuar trabalhando sempre, com tour lá fora e aqui. Temos que ter alguém forte do nosso lado. No próximo disco a gente vem forte mesmo pra fazer um bom trabalho.
Estas turnês de ônibus como a que vocês fizeram com o Destruction pelos Estados Unidos quase não têm folga. É show atrás de show.
Geralmente, não podem ser mais do que três dias de intervalo porque senão mata a tour. Você está num tour bus, tem que pagar o busão, o motorista, todo mundo envolvido. São tipo US$ 1 mil por dia só o bus, fora o gás e o motorista. Então três dias parados e você tá fodido. Zoou a turnê.
O show desta semana, no Kazebre, pode ser considerado o encerramento da turnê do Southern Storm no Brasil?
Eu poderia te dizer que sim, cara. Em São Paulo, com certeza, vai ser o último show do ano - até agora, ao menos. Vai ser meio que a despedida deste disco, vamos tocar um repertório maior, incluir algumas músicas antigas. Queremos tocar algumas músicas que a gente não tem tocado por aqui, tocar bastante coisa velha. A gente pode tocar por um bom tempo já que é um show nosso, então, pensamos em fazer um show com performances solo de bateria e guitarra, talvez. Queremos detonar, fazer um show bom. Vamos registrar em áudio e vídeo.
Tenho a impressão de que no Brasil as pessoas em geral estão mais interessadas em metal, hoje é cool dizer que curte essa ou aquela banda. Black metal, por exemplo, é meio que uma tendência em várias áreas, não só na música. Como você vê o metal no Brasil hoje, em 2010?
Cara, tem sempre uma nova geração, mais moleques entrando no metal somando com aqueles que são das antigas. Acho que o interesse sempre existe e hoje as informações estão por aí, espalhadas em todos os cantos. Só que a informação é muito rápida e as bandas que não são de verdade aparecem e desaparecem numa velocidade extrema. E as verdadeiras ficam. A molecada sabe quem é real e quem não é. Tudo bem se tem uma tendência, uma moda, mas o importante é a banda ser conhecida por ela própria, pelo trabalho que desenvolve.
Você acha que ainda existe preconceito contra esse tipo de música?
Eu acho que sim, cara, mas mais quando o assunto é apoio, tanto do governo, quanto de empresas privadas. Nós fazemos música, que é uma coisa universal, assim como Caetano Veloso e Gilberto Gil fazem música, tá entendendo? A palavra é uma só: música. O preconceito gira muito em torno de apoio, de patrocínio, essas coisas do governo mesmo. A gente representa o Brasil em vários lugares do mundo, vários festivais de grande porte, e nunca teve apoio de nenhum tipo. A gente vê essas cantoras, essas bandas famosas, que às vezes para fazer um showzinho na gringa, tocando pra quase ninguém, ganham cachê alto. Nós nunca tivemos o mínimo apoio, mas sempre conseguimos fazer o nosso corre. A gente sabe que é underground, que nosso som é extremo e que, talvez, até perdesse a graça se fosse um negócio mais pop, mais conhecido.
Vocês já tentaram participar de algum tipo de edital, algum tipo de programa de apoio à música e à cultura?
Não, a gente nunca tentou, mas já nos ofereceram. Não foi um negócio muito claro, devia ser alguém que estava querendo ganhar uma grana e só. Nunca houve alguém que seja de dentro do meio, profissional mesmo, e que tenha chegado seriamente a conhecer e entender o trabalho que a gente faz para tentar algum tipo de apoio. A mesma coisa acontece com show: todos os shows que a gente faz são com produtor, ingresso, com a grana que a gente gira nesse ciclo de se apresentar ao vivo. Por isso que a gente se dedica sempre. Hoje, no Brasil existem muitos artistas e bandas que, além de ter auxílio pra viajar pra fora e tocar no exterior, a maioria das vezes que eles tocam no Brasil é com dinheiro do governo ou de empresas privadas, fazendo show em praça, em rodeio. Se for ver, 3% da renda bruta do Brasil são direcionados pra cultura. É uma grana infinita, mas não chega nada disso para o rock, muito menos para o metal. Então, acho que muito dessa falta de apoio vem do preconceito. E também vem do fato de o cara que decide onde e como investir essa grana não ter conhecimento do nosso trabalho, da nossa correria nestes anos todos. Mas a gente continua fazendo a nossa, mano, como sempre foi.
Este ano vocês tocaram com o Ratos de Porão. Como foi?
Tocamos em Manaus com o Ratos de Porão, fizemos uma tour pelo Rio Negro, todo mundo tomou banho de rio, essa viagem foi louca.
Foi a viagem da fumaça.
Da fumaça e de tudo o mais. Foi uma viagem do capeta essa [risos]. Na semana passada tocamos num lugar bem diferente, em Rio Gallegos, na Argentina, na Terra do Fogo, três mil quilômetros ao sul de Buenos Aires. Tocamos lá a 12 graus negativos. A população da cidade é pequena, mas tinha muito nego faminto por metal. E a Argentina é sempre nota dez. Esses bagulhos que os caras falam da rivalidade Brasil x Argentina é só no futebol mesmo. No metal nós somos unidos.
Você me contou certa vez que no começo a gravadora chegou a sugerir que vocês aderissem à corpse paint [pintura facial] das bandas de black metal. Vocês já receberam propostas inaceitáveis, mas que poderiam tornar a banda maior?
Essas paradas rolam, cada momento tem a sua tendência. Logo que a gente assinou com a Century Media, lá por 1999, estavam estourando essas bandas que se pintavam e houve sugestões pra gente buscar aquele tipo de som e tal, mas a gente já estava fazendo o nosso som, já havia um caminho que a gente estava seguindo. Também teve época de new metal e nego perguntou por que a gente não fazia um som mais groove, um som mais para FM. E é assim, mano: nós sempre vamos fazer a nossa música, se vocês gostarem tudo bem. A nossa real é mais uma busca musical, não estamos nem aí pro que rola hoje ou amanhã. É claro que importa ter uma popularidade no meio metálico, agregar a nação metal sempre que a gente toca e tentar se fortalecer junto com eles, ajudar as bandas menores, fazer o Brasil ser reconhecido por isso também, o que já é difícil. Solidificar uma banda é complicado, é algo que vai além da moda e tem a ver com aquela legião que te acompanha, não importa o tempo e a hora.
Como guitarrista você tem um interesse especial pela música regional do Rio Grande do Sul. Continua pesquisando nessa área?
Meu interesse está crescendo cada vez mais, cara, principalmente pelo violão na música gauchesca. A gente tem falado muito com o povo de lá e o Rio Grande do Sul é muito fechado, então o tradicionalismo faz com eles fiquem somente por lá mesmo. Nos festivais regionais têm os caras que tocam a real música gaúcha, a música da fronteira, baguala como a gente chama, e tem muito a ver com o povo ali da Argentina, do Uruguai, a música é muito parecida. E tem o Yamandú Costa, que mostra pro mundo todo a pegada do violão gaúcho. Junto com ele tem Lucio Yanel, que é um violonista fodido, cara, e tem ainda vários outros caras. Eles fazem muito sucesso lá embaixo, aqui pra cima ninguém conhece.
Você ainda tem uma preocupação em se desenvolver tecnicamente como guitarrista?
Quando eu era moleque, sim, eu tinha essa preocupação. Agora meu lance é pegar a guitarra ali na hora do ensaio e fazer o groove, a base foda, o solo que a música pede. A técnica não é mais a razão de eu tocar. Ficar fazendo arpejinhos não te leva a lugar nenhum. Tem bandas até boas que querem se exibir tecnicamente e acabam matando a música. Meu lance não é ficar demonstrando técnica, mas, às vezes, você tem que estudar um pouco pra não ficar com os dedos duros. Daí tem que fazer umas escalinhas, uns acordes, tocar algumas coisinhas clássicas, mas sem ter a intenção de ficar horas e horas repetindo as mesmas notas achando que está chegando a algum lugar, mas sem chegar a lugar nenhum de verdade. Técnica boa te mantém em forma, é como você jogar futebol e fazer a preparação física. Tem certos exercícios que tu faz para tocar a tua música, não pra ficar tipo só fritando, né, cara.
Krisiun em São Paulo
Encerramento da turnê Southern Storm
Sábado, 7 de agosto, a partir das 21h
O Kazebre - Av. Aricanduva, 12011, São Mateus - São Paulo
R$20,00 (ingresso antecipado)
Informações: 11 2919-7022 / 2112-9299 / www.okazebre.com
Bandas de abertura: Andralls, Maithungh Death e Forbidden Ideas