Rolling Stone Brasil
Busca
Facebook Rolling Stone BrasilTwitter Rolling Stone BrasilInstagram Rolling Stone BrasilSpotify Rolling Stone BrasilYoutube Rolling Stone BrasilTiktok Rolling Stone Brasil

A versão light de Lily Allen

Longe da fama de bad girl, cantora volta a São Paulo bem-comportada e rasga seda para o público paulistano, "o melhor de todos os tempos"

Por Anna Virginia Balloussier Publicado em 18/09/2009, às 10h44

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Lily Allen, em ação na recente (e última?) turnê, em São Paulo - Stephan Solon/Divulgação/Via Funchal
Lily Allen, em ação na recente (e última?) turnê, em São Paulo - Stephan Solon/Divulgação/Via Funchal

Você pode até culpar a indústria, essa velha máquina de fazer estereótipos, que adora colar palavras de ordem (Who's bad? Ela é má! Ela bebe! Ela diz "fuck"! Compre! Agora!) para transformar música em mercadoria.

Perdeu a viagem quem foi à Via Funchal na noite de quarta, 16, com a expectativa de ver uma Lily Allen que esculacha os homens, paga peitinho, se perde na manguaça e está perto de se graduar no "Educandário Amy Winehouse".

Quando o pano branco caiu, às 22h15, e revelou a cenografia simples (apenas letras gigantescas, estofadas com pano branco, formando LILY), a britânica que canta "fuck you very much" com o sorriso de uma criança em loja de doces revelou-se incrivelmente amável. E simples. De canudinho, bebeu algo, que durou o show inteiro, num copo com marca de cerveja. O cigarro era eletrônico (dá até para fumar em avião, se vangloriou). Horas mais tarde, ela, meiga como um comercial de amaciante, postaria no Twitter que São Paulo tinha sido "o melhor show de todos tempos". Uma espécie de Lily Skywalker para Darth Winehouse.

O vestuário era simples: shortinho jeans e blusa cinza sobre regata preta. Na boca, batom roxo; por volta do olho esquerdo e nas unhas das mãos, as cores verde e amarelo.

O gatilho ficou por conta de "Everyone's At It", que investe contra as relações hipócritas entre sociedade, indústria farmacêutica e drogas ("então sua filha está deprimida, tudo bem colocá-la direto no Prozac/ Mas mal sabe você que ela já manda crack"). Aqui, Lily se põe a brincar com sintetizadores, distorcendo o som como se o synth pop oitentista se materializasse em pessoa para nos dizer: "Ei, olhe pra mim!".

A balada "I Could Say", segunda da noite, não foi seu momento mais feliz. Açúcar em excesso para a cantora que despontou a reboque de repertório debochado. Algumas desafinadas fortalecem a impressão de que ela é a típica garota que, se não tivesse o mínimo de atitude no palco, soaria como a filha cujos pais insistiram saber cantar após uma "Noite Feliz" bem-sucedida antes da ceia de Natal.

Lily pareceu bem mais confortável em "Never Gonna Happen". Espinafra os ex-alguma coisa em número com pegada cigana - soa como alguém influenciada por vídeos da No Smoking Band, de Emir Kusturica, e que tomou um porre com o pessoal da Gogol Bordello. Em seguida, engatou cover de "Oh My God", do Kaiser Chiefs, como introdução de "Everything's Just Wonderful", com sonoridade que dava até para avizinhar ao samba-rock. Seguiu dando preferência ao segundo álbum It's Not Me, It's You (2009) (de All Right, Still, de 2006, foram apenas quatro músicas). A ordem das faixas: "22", "Who'd Have Known", "LDN", "Back To the Start" e "He Wasn't There".

Por mais que Lily seja, sim, um ato pop, a sequência dá crédito para a cantora. Dessa vez, a jovem de 24 anos não precisou encarnar um hamster correndo em círculos, sempre às voltas com os mesmos truques para prender a audiência - algo como "se o público espera que eu seja louca, é bom que eu faça Courtney Love parecer a irmã perdida dos Jonas Brothers quando subir naquele palco".

Em "Littlest Thing" e "Chinese", o público, que compensou os clarões na Via Funchal com o tipo de empolgação dispensada a boy bands, já estava aquecido para o primeiro grande sucesso da carreira de Lily. Depois de nos chamar de "fucking brilliant", ela pediu um favor a todos: sorriam. "Smile" faz lembrar das raízes inclinadas ao reggae, deixadas um pouco de lado pela britânica no segundo trabalho.

Já enrolada em pano com as previsíveis bandeirinhas do Brasil, ela encerrou a primeira parte do show com "The Fear".

Assim como a leva de cantoras brasileiras - todas se creem as bolachas mais recheadas de um mesmo e uniforme pacote -, Lily despontou no inchado saco de aspirantes ao posto de diva suprema do cenário britânico. Sua marca era ser uma espécie de "A Noiva", aquela personagem de Uma Thurman em Kill Bill que quer ver o sangue do ex. Ao retornar para o bis, com camiseta branca e salto alto, depois de mandar uma versão de "Womanizer", de Britney Spears, ela dedicou um de seus grandes hits para aquele que é um dos mais espinafrados homens na década. Especialmente para o "bundão" que "costumava ser o presidente dos Estados Unidos", Lily cantou "Fuck You" (hora em que pediu para todo mundo levantar aquele dedo mesmo que você está pensando em riste).

Por volta das 23h30, o concerto termina com o "country" (palavras dela) de "Not Fair", com Lily usando simulacro de chapeu de cauboi. Ela pula de um lado para o outro com suas esporas imaginárias - que não estão ali para arranhar ninguém pra valer. O que diz muito sobre o show de quarta. Who's bad? Certamente, não Lily Allen.