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Mano Brown: “Orgulho negro é uma coisa que assusta o brasileiro”

MC dos Racionais, atração do programa Manos e Minas neste sábado, 7, fala sobre o show solo de Boogie Naipe, as tretas na internet e o ex-presidente Lula

Lucas Brêda Publicado em 06/04/2018, às 18h44 - Atualizado às 19h22

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Mano Brown no Lollapalooza 2018 - Andréia Takaishi
Mano Brown no Lollapalooza 2018 - Andréia Takaishi

“É um disco bom, mas poderia ser bem melhor”, ri Mano Brown sobre Boogie Naipe, primeiro álbum solo que ele lançou, no fim de 2016, e vem levando à estrada ao longo do últimos meses, incluindo o show de grande porte no último Lollapalooza Brasil (veja imagens da apresentação no vídeo abaixo). “Ele foi feito em épocas diferentes e nem sempre nas melhores condições, foi ‘roots’ mesmo. É claro que um ano depois você fala: ‘Ah, poderia ter feito algumas coisas melhor’. Isso que me dá fome de fazer outro. Eu abri uma possibilidade.”

Com o trabalho solo, o principal MC dos Racionais entrou de cabeça nas influências de soul, R&B e funk – ou simplesmente “música preta”, como ele define –, mesclando-as com o estilo de rimar que o eternizou no hip-hop e o clima de baile black da periferia brasileira. Foi onde apareceu com mais clareza o Brown romântico, devoto de Jorge Ben Jor, Tim Maia e Marvin Gaye, explorando sonoridades orgânicas de banda, com guitarras e vocais melódicos, feitos por ele, pelo parceiro de longa data Lino Krizz ou por convidados do naipe de Seu Jorge.

(Crítica) Mano Brown - Boogie Naipe (2016)

A apresentação conceitual de Boogie Naipe rodou o Brasil em 2017 e chega à TV com um episódio inteiro do programa Manos e Minas, da TV Cultura – a partir das 20h deste sábado, 7 –, com uma banda de 14 músicos e um cenário de boteco, no qual Brown normalmente abre um whisky e vai bebendo conforme a apresentação se desenvolve. “Temos uma tendência a entrar nesse jogo suicida, mas na banda é assim: sem um, o outro não funciona e eu sem eles não sou nada. Me sinto dividindo os méritos, não gosto de injustiça. Perto de mim, não gosto de desequilíbrio.”

Com o anúncio da pausa por tempo indeterminado dos Racionais, Boogie Naipe passa a ser o projeto principal de Brown. Ele considera que o disco solo foi mais bem recebido até do que Cores & Valores, mais recente LP do grupo de Brown, que saiu em 2014 focado em sonoridades eletrônicas, canções mais curtas e batidas de trap. “[Cores & Valores] Foi uma coisa estranha, quando lançou parecia que nem tinha lançado”, analisa. “Nunca foi encarado como um disco dos Racionais, é rejeitado pelos próprios fãs. Só que esse outro lado é interessante pra caralho, você conseguir ser popular e cult. Não entenderam, é difícil. Orgulho negro é uma coisa que assusta o brasileiro. Negro orgulhoso assusta.”

Brown também lançou, no fim de 2017, um single solo natalino, “Natal no Gueto”, um rap direto e sombrio com cara de cypher (modalidade do hip-hop em que MCs rimam em sequência sobre uma mesma batida), reunindo nomes como Big, Du Bronk's e Ylsão. Com uma atmosfera completamente diferente de Boogie Naipe, a canção, produzida por Brown em parceria com Filiph Neo, não abre caminho para um novo álbum ou projeto maior. Na verdade, o MC do Racionais pretende lançar mais músicas “soltas”, desprendendo-se do formato tradicional de LP.

“O disco era muito importante quando tinha uma capa grande, um encarte, você podia ler o nome do músico, ver as pessoas. Isso com o CD já [se] perdeu e, agora [com o streaming], perdeu muito mais”, Brown teoriza. “O negócio agora é fazer música aleatória e à reveria. É o que vai manter a música viva. Eu estou falando isso, mas acabei de lançar um disco [risos]. Boogie Naipe tem muitas faixas, mas, para você lançar um álbum, tem que ter um conceito fechado e tal.”

Apesar das mudanças exteriores e interiores, o “cachorro louco” da Zona Sul garante que a “mesma sede de justiça” de 30 anos atrás é o que faz ele continuar querendo pegar a caneta para escrever. “Na verdade, ela só aumenta”, confessa. “Conforme você vai conhecendo o mundo, mais você quer lutar. Não tem acomodação, não há o que comemorar. Estamos em trânsito, em trânsito de guerra, uma Guerra Fria. Sou responsável pelo que falei no passado. O que eu falei, eu colho. Não passa batido. Tudo que eu falei é cobrado e eu vivo o que eu falei. Não conto história de super-herói para iludir os moleques – o marketing covarde, da mentira. Sou real.”

Ativo nas redes sociais – especialmente no Instagram, fazendo lives com certa regularidade –, Brown recentemente passou por um episódio curioso: virou meme depois que, sem querer, colocou um filtro de gatinho no rosto. O print viralizou, junto a um comentário feito por um seguidor do rapper, que assistia à transmissão: “Tá moscando é, Brown?”. A história rendeu uma postagem do youtuber de rap, Young Mascka, no Instagram, com o mesmo filtro que Brown usava – o que desagradou o MC, que chegou a ameaçar Mascka na própria rede social.

“Tento me aproximar dos caras que me curtam, mas sei que nem todos ali me curtem – tem gente que me segue porque tem raiva, curiosidade ou só neurose mesmo –, tem um monte de hater do Brown. Hater do Brown e segue o Brown!”, explica, engatando uma risada típica ao telefone. “Mas eu acompanho [o Instagram] normal, igual a todo mundo. Não vivo em uma bolha, estou ali na esquina, na rua”. Em relação ao meme do gatinho, ele acredita em má fé de parte das pessoas que o usaram para tirar sarro dele. “Vi que o barato não era só a brincadeira do meme, tinha uma campanha de desmoralização por trás, uma coisa impulsionada. Tem inimigo político, uma corja, tem também cara de rap, uma pá de recalcado.”

Em relação a Young Mascka, Brown diz que mandou “um recadinho” ao youtuber. “Não pode brincar comigo, eu sou real. Pessoa física, não jurídica”, avisa. “De repente, ele encontra o Brownzão na rua e pode ser o Brown dos anos 1980. É bom respeitar, olha o tamanho do meu nariz, parceiro. [Se] Ele encontra o Brownzão na madrugada, acompanhado, as coisas podem sair do controle. Pode acontecer, sou real, parceiro. Tenho sentimento. Aí o que acontece? [Dá uma gargalhada espaçada] O Brownzão com autoestima lá embaixo, revoltado, dois baseadão, duas doses de whisky, o que vai acontecer com o rapaz que faltou respeito comigo? Isso vale para todos os corajosos aí, que pensam que estão protegidos pela internet. Respeito todos e quero ser respeitado.”

“Não acredito que o Lula tenha culpa”

“Não acredito que o Lula tenha culpa nisso. Estive perto dele e não é a brisa que passa. Os caras estão muito tranquilo e muito serenos nessas ideias”, conta Brown, na entrevista que foi feita em março, um mês antes de Lula ter o habeas corpus negado pelo STF e, em seguida, a prisão decretada. “Não vejo insegurança da parte dele, não senti insegurança. Ele não passa insegurança. Aí é de cada um. Eu estive perto do cara e não acredito realmente que ele precisou fazer nada. Mesmo porque ele teria condições, sendo presidente do Brasil durante oito anos, em um governo que fez muito dinheiro, pagou dívida.”

Brown esteve recentemente em um jogo de futebol comemorativo com Lula e outras personalidades, como Chico Buarque. “O [povo] brasileiro foi de um nível de vida a outro, melhorou a minha vida e das pessoas em volta de mim”, diz. “Eu posso falar do que eu vi: eu estava aqui quando o fenômeno Lula aconteceu. Eu estava na favela, eu vi acontecer. Vi o Brasil mudar, comecei a usar blusa verde e amarela – coisa que eu nunca tinha feito na vida.”