Com o lançamento do single "To Comprehend", o quinteto inaugurou uma nova era promissora de transição sonora
Todo fim de ano é marcado por aquelas famosas "resoluções". Mas caso você seja uma pessoa como eu, quase nunca esses objetivos são de fato concretizados ou colocados em prática no ano seguinte. Diferente de mim, porém, a Marrakesh começou 2020 abraçando uma mudança definitiva para o futuro da banda.
Com o single "To Comprehend", lançado nas plataformas digitais na última sexta, 10, o grupo formado por Bruno Tubino (vocal e guitarra), Lucas Cavallin (vocal e guitarra), Daniel Tupy (vocal e baixo), Matheus Castella (bateria) e Volobodo (vocal,guitarra e synths), quer que todo mundo (com o perdão do trocadilho tosco e previsível) compreenda o novo rumo que o quinteto decidiu tomar nessa nova fase.
E ao que tudo indica, essa transformação tanto sonora quanto de atitude parece ser o tipo de escolha que trará resultados promissores, além de parecer uma decisão autêntica que deve contribuir também para o bem-estar criativo e crescimento musical de cada um dos integrantes.
Essa mutação vem principalmente no âmbito da sonoridade. Como é possível perceber na música mais recente, a Marrakesh se deixou envolver quase que definitivamente pela pegada pop e eltrônica, e essa nova era promete ser permeada cada vez mais por sons eletrônicos como camadas de vozes distorcidas, teclas derretidas e beats programados.
"To Comprehend" (assista ao clipe acima) é o exemplo condensado disso tudo: é um som que pode, ao mesmo tempo, fazer parte da setlist de um DJ e ser a trilha sonora de uma jornada solitária no metrô lotado de São Paulo. E ainda assim, apesar de todo esse tom urbano evidente em uma primeira audição, a faixa carrega em si um estranho bucolismo sintético que floresce depois de você dar o play mais algumas vezes.
Para quem acompanha a jornada da banda há um certo tempo, essa transformação não chega como uma grande surpresa, ou como um choque brusco, mas sim como uma evolução natural das coisas. E o principal indicativo desse rumo que vemos hoje é o sumiço progressivo das guitarras nas composições da Marrakesh.
Pegue, por exemplo, "Apeiron", lançada em 2016 no EP Vassiliki: logo de cara é ditada a importância e o protagonismo do instrumento em questão. Em "Moonhealing", single do disco Cold As a Kitchen Floor (2018), o atual estado de espírito do grupo já começa a mostrar mais suas cores: sintetizadores, que sempre estiveram presentes, ganham espaço e volume, e a bateria se sobrepõe às guitarras que ganham destaque apenas esporadicamente.
E como última fase dessa metamorfose, temos uma das músicas lançadas no fim de 2019. "Prove Me Wrong" soa como algo que habita em uma intersecção das etapas descritas até agora, além de já exibir sinais claros do que estava por vir.
Com isso, "To Comprehend" se instala, nesse processo de mutação, como o desfecho, como o rompimento do casulo e a libertação final de um ser que finalmente respira e cresce da forma como realmente nasceu para viver.
Em entrevista exclusiva à Rolling Stone Brasil, Volobodo (vocal, guitarra e sintetizadores) explicou que essa transformação foi motivada pela vontade de explorar um novo formato de show. "Somos em cinco. É bastante trabalhoso ir pra lá e pra cá com todos os equipamentos e encontrar lugares que suportam tudo isso. Disso vieram ideias de versões novas das músicas antigas, com uma pegada mais eletrônica", contou. "O que era para ser primeiramente uma 'pira' nossa, virou nosso destino final".
A nova sonoridade também é resultado de uma dinâmica de composição inédita para o grupo. Com dois dos cinco integrantes morando em São Paulo e os outros três em Curitiba, a Marrakesh precisou se adaptar às novas circunstâncias, e o resultado disso "se resume em cinco pessoas fazendo o que sabem, do jeito que sabem. Nada além disso. Leve e despretensiosamente."
Mas como toda metamorfose, essa adaptação não foi um processo fácil. Por um lado, gerou a faísca necessária para o início dessa reformulação de identidade musical. Por outro lado, exigiu disciplina e dedicação da banda. "Foi uma lição de confiança. Quando um não estava por perto, os outros tomavam a frente e faziam acontecer. Aprendemos a ser objetivos e claros com o que a gente queria", contou Volobodo.
Apesar de apontar exclusivamente para um progresso à frente, nesse novo caminho existe a liberdade total que permite à banda ir para onde os integrantes quiserem e da forma como eles bem entenderem. A única garantia é que, independente da parada final, eles estão mais confortáveis e confiantes do que nunca. Pois como cantam em "To Comprehend": "We're going faster than before".
E ah! Sempre gosto de exaltar a releitura que eles fizeram de "Canto de Ossanha", parceria entre Vinicius de Moraes e Baden Powell. Tá aqui embaixo, dá o play.
+++ CORUJA BC1: 'FAÇO MÚSICA PARA SER ATEMPORAL E MATAR A MINHA PRÓPRIA MORTE'