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Morrissey mostra, mais uma vez em São Paulo, que não se importa com a idolatria pelos The Smiths

Cantor britânico voltou à cidade com uma performance morna, mas ainda capaz de fazer alguns corações sangrarem

Pedro Antunes Publicado em 03/12/2018, às 08h03

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Morrissey em ação em São Paulo (Fotos: Fernando Pires / The Ultimate Music)
Morrissey em ação em São Paulo (Fotos: Fernando Pires / The Ultimate Music)

Cena 1) No fumódromo posicionado na lateral do Espaço das Américas, em São Paulo, na noite deste domingo, 2, um rapaz de cerveja na mão e cigarro na outra explica para a moça que o acompanhava que, depois de ver Morrissey tocar "How Soon Is Now?", um dos poucos clássicos do The Smiths que fazem parte do repertório da atual turnê, ele poderia ir para casa.

Cena 2) Na saída, ao fim do show, um grupo de moços ouve um deles dizer, bastante irritado, que se soubesse que seriam poucas as músicas dos The Smiths, não teria comprado o ingresso.

Cena 3) Três moças, na Linha 3 Vermelha do Metrô de São Paulo ouvem, no aparelho celular de uma delas, a música "Everyday Is Like Sunday", canção da fase solo de Moz, do disco Viva Hate, de 1988 (lançado logo após o fim dos Smiths). "Ai, essa música é tão bonita".

É possível enumerar, também, os casais que se abraçaram, mesmo diante das canções mais tristes e melancólicas criadas e cantadas pelo inglês de 59 anos e executadas pela sua banda que não é lá grandes coisas.

Ou, talvez, citar cada uma das pessoas que, às lágrimas, assistia e venerava o músico que, por vezes, perde a chance de ficar calado e já se envolveu em muitas polêmicas em assuntos sensíveis.

Morrissey é um furacão. Isso é fato. Também não está muito interessado na sua idolatria pelos The Smiths, banda que o lançou, em meados dos anos 1980, como um dos maiores letristas de canções de coração partido que já se teve notícia. Foram 4 discos em 3 anos, ao lado de Johnny Marr (guitarra), Andy Rourke (baixo) e Mike Joyce (bateria). A partir disso, as tensões entre eles, principalmente Moz e Marr, levou a banda ao fim prematuro.

Uma matemática simples ajuda a entender o motivo pelo qual Morrissey liga pouco (ou nada) para os The Smiths. Sozinho, ele já lançou 11 discos, o mais recente deles, Low In High School, do ano passado, tem grandes momentos, condensados na respectiva turnê em três músicas, "I Wish You Lonely", "Jacky's Only Happy When She's Up on the Stage" e "Spent the Day in Bed".

Portanto, Moz leva ao palco a mesma quantidade de canções do álbum mais recente do que dos Smiths. Da antiga banda, contudo, somente "How Soon Is Now?" está entre as mais populares. "Is It Really So Strange?" e "William, It Was Really Nothing" exigem um conhecimento maior por parte dos fãs.

Não é por acaso que "Back on The Chain Gang", clássico do The Pretenders ainda em rotação nas rádios FM, tenha recebido tamanha ovação. Neste seu novo projeto, Morrissey irá interpretar clássicos de outros artistas. E "Back on The Chain Gang" é, em popularidade, muito maior do que "Is It Really So Strange?" para aqueles que vamos chamar de púbico-médio, presente em maioria no show. Por isso, o mares de celulares levantados assim que as primeiras notas reconhecíveis tomassem o Espaço das Américas.

Morrissey contribui com isso também. Nos versos sofridos da cover, ele se emociona, entrega o melhor de si, Em contrapartida, em How Soon is Now?, ele passa parte da canção de costas para o público. Isso quer dizer muito, seja intencional ou não.

O mesmo quando "Jacky's Only Happy When She's Up on the Stage", do álbum mais recente, encerra a apresentação (antes do bis, é claro). Moz rasga sua camisa, que tinha uma ilustração com o seu próprio rosto, e os fãs gritam em polvorosa. Vaidoso, Morrissey sorri de queixo erguido.

O próprio desdém faz parte do show. Morrissey é famoso por isso também - além do fato de ser um defensor ferrenho dos animais e exigir que não seja vendido nenhum alimento com carne animal na sua performance, o que foi cumprido pelo Espaço das Américas, cujo menu se adaptou ao gosto do performer.

Nada exibido no palco é algo surpreendente por parte de Morrissey, portanto. Sua performance é costumeiramente consistente e sua voz segue impecável. Ele trata com carinho a idolatria que já dura 30 anos (de carreira solo, veja bem) e, como uma figura messiânica, do alto do palco, toca as mãos dos fãs mais próximos.

O que importa, contudo, está no conteúdo dos verso que sacodem as cordas vocais do inglês (o segundo mais importante britânico vivo, segundo uma pesquisa da BBC).

Desolação, solidão, amargura, angústia. O que Morrissey faz, nos versos, discos e palco, é encontrar aquela pontinha da casquinha da ferida ainda não curada.

E, diferentemente do conselho de toda mãe que se preza, ele arranca a tentativa do corpo de se recuperar. Abre o ferimento tudo de novo. É uma arte dominada por poucos.  

Portanto, embora compreensível, a reclamação pela ausência de mais canções dos The Smiths é um tempo perdido. Morrissey já deixou claro outras vezes que não se importa. E reclamar disso, em 2018, é não se abrir às novas possibilidades que o inglês oferece, no show, com suas músicas como artista solo - há coisas realmente ótimas ali.  

Morrissey se apresentou no Rio de Janeiro, no dia 30, e, ao fim do show de uma hora e meia em São Paulo, encerrou a sua quarta passagem pelo Brasil.