As integrantes Amanda Pacífico e Érica Silva falaram sobre o ativismo musical, os recentes lançamentos como o clipe de 'Lama', o futuro da banda e mais
Ser uma banda formada inteiramente por mulheres, de todas as cores e formas, com uma equipe completamente feminina é um ato político em meio à sociedade supremacista masculina e branca. Combinar isto ao ato de usar a arte para falar pelas minorias e denunciar crimes é, certamente, o ativismo musical necessário, desafiador e urgente, ainda mais no Brasil.
É assim que a Mulamba faz a carreira. Formada em Curitiba há 5 anos, no dia 10 de dezembro de 2015, a banda de rock e MPB conta com seis mulheres, Amanda Pacífico (vocal), Cacau de Sá (vocal), Érica Silva (guitarra, baixo, violão), Naíra Debertolis (guitarra, baixo, violão), Caro Pisco (bateria), Fer Koppe (violoncelo). O sexteto está disposto a fazer uma sonoridade impecável com letras complexas, profundas e que denunciam e falam pelas minorias.
Amanda Pacífico e Érica Silva reforçam, em entrevista à Rolling Stone Brasil, a urgência de falar sobre assuntos que ainda são considerados tabus, ou que são simplesmente ignorados ou desconhecidos por parte da população.
O espectro político de Mulamba começa com a escolha do nome da banda. Érica explica: "Mulamba é uma palavra de origem angolana e significa uma pessoa suja e marginalizada. Basicamente, essa banda de mulheres quer abraçar todas as variadas formas existentes de ser mulher, não só aquela forma diva, deusa pop, que a gente conhece, e é massa, mas não é a única nuance sobre o que é ser mulher nesse mundo tão cruel."
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Ressignificar a palavra escolhida para dar nome ao grupo e abraçar mulheres a partir da identificação e representatividade é uma atuação extraordinária da Mulamba: "É um nome maravilhoso e é por isso que eu penso me encaixar na banda também. Na verdade, todas nós, essas seis pessoas tão distintas cabem dentro da banda, porque essa palavra consegue abraçar todas essas nuances", completa a guitarrista.
"A gente tenta ser esse zelo, esse cuidar para essas pessoas e para essas mulheres. Ao mesmo tempo, queremos ser um certo canal para que coisas que elas passem sejam ouvidas através da nossa música", conclui.
As músicas de Mulamba abordam diversos temas urgentes: de violência contra a mulher e aborto ao rompimendo da da barragem em Mariana. Tais assuntos são centrais em grandes sucessos da banda, como “P.U.T.A.” , "Mulamba" e “LAMA”, que integram o disco homônimo lançado em 2018, assim como uma das mais recentes, “Carne de Rã”, parceria com Ekena.
As canções da banda falam por muitas minorias, silenciadas diariamente no nosso país - e a partir da identificação e representatividade, muitas pessoas procuram a Mulamba para falar sobre as próprias histórias ou pedir ajuda. Além disso, os temas abordados nas canções impactam outros milhares de indivíduos que se fecham para certos tópicos, muitos com ideais conservadores, por exemplo.
"A gente tem muito cuidado quando a gente vai falar sobre algumas coisas. A gente lançou o clipe ‘Carne de Rã’, dirigido pela Helena Freitas, no dia 28 de setembro, dia da luta pela descriminalização do aborto. Sabíamos estarmos tocando em um assunto muito delicado e quisemos evitar gatilho para as pessoas", conta Amanda.
Ela acrescenta: "A gente sempre está em uma corda bamba, em uma linha tênue de até que ponto falar sobre aquilo e de que forma falar sobre aquilo, para que não sejamos gatilho para outras pessoas, mas que possamos alertar, soltar a palavra no mundo e falar sobre isso."
Érica complementa: "Essas coisas são reais que acontecem todos os dias, mas elas impactam, porque não temos coragem de falar sobre elas. Tudo vira tabu por conta do patriarcado. Então, somos acostumados a velar as coisas, colocar para debaixo dos panos. As pessoas não gostam de pessoas que são verdadeiras. Não gostamos de cutucar vespeiro, queremos viver uma calmaria que muitas vezes não dá."
"Estou na minha casa vivendo essa calmaria, mas tem outras milhares de mulheres, principalmente pretas, em locais extremamente perigosos. Vivemos uma cegueira social, tem quem vive em seus apartamentos e não sabe o que rola em outras quebradas", explica a guitarrista.
Segundo a artista, e é exatamente por isso que é tão necessário ter responsabilidade ao falar sobre questões não tão abordadas: "Somos uma banda, somos figuras públicas, e temos que ter responsabilidade emocional com as pessoas", reflete.
Por fim, conclui: "E, quando eu digo impactar, não são só as pessoas de fora, porque nós também estamos em uma constante desconstrução. A gente aprende como falar e como se portar para não gerar desconforto nas pessoas. Então, é basicamente a música sendo uma professora para geral."
No dia 3 de novembro deste ano, a Mulamba lançou o clipe para a música “LAMA”, que é uma composição lírica de Amanda Pacífico. Após cinco anos desde o rompimento da barragem de Fundão em Mariana, muitas pessoas ainda vivem em situações extremamente perigosas - e é exatamente este o reforço do grito com o vídeo.
Amanda conta que "LAMA" é uma das músicas mais complexas para executar - e ao ouvir a faixa é perceptível pela quantidade de arranjos e cordas. Como ela diz, “é uma música muito trabalhada e muito estruturada”.
Ainda sobre a musicalidade, Érica explica que a canção é uma guarânia, um estilo musical do centro-oeste. Ao qual, ela pontua: "Pensar que lama é tudo isso que aconteceu do crime também rolou em parte do centro-oeste."
Sobre a composição lírica, Amanda revela: "Essa a música eu fiz quando estava assistindo ao jornal. Vi uma senhorinha falando do quão difícil estava sendo a vida dela, o final da vida dela. Porque além de perder a casa e tudo o que ela tinha, devastado pela lama, ela ainda estava com os filhos dela doentes intoxicados com aquela lama com a água que saía na casa dela."
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"Ela se via sem perspectiva de vida e perdida psicologicamente também. Imagina você, uma senhora que construiu tudo da sua vida durante anos, e de repente você vê tudo, todas as suas memórias sendo apagadas, tudo que você construiu no material sendo destruído e você não vê quando você vai conseguir reconstruir tudo aquilo", continua.
A dor da senhora refletiu na vocalista, que explica: "Isso doeu em mim e eu pensei que é muito mais do que um crime, ou alguém que vai lá e rouba o dinheiro do banco. É sobre a história dessas pessoas que ficaram ali. ‘Lama’ vem depois do rompimento da barragem de Mariana e agora em novembro completou cinco anos, por isso, decidimos fazer o clipe."
"As pessoas ainda estão sem perspectiva de receber auxílio e de receber a indenização que elas merecem para reconstruir tudo. Não é só você chegar lá e dar um salário mínimo. As pessoas não têm mais casa, não tem família, elas perderam tudo. Tem pessoas que não conseguem mostrar serem atingidos por barragens porque são trabalhadores informais, que trabalhavam e dependiam da pesca. Tem todos os problemas que se desdobram ali e estão ainda sem solução", conclui.
Já são cinco anos desde o rompimento e com tantas pessoas sem perspectivas, Amanda reflete: "O clipe veio para alertamos sobre isso. Vivemos em um país que todo mês tem uma catástrofe, se a gente deixar a gente vai esquecendo e um assunto polêmico vai enterrando o outro. Quando vemos, só estamos falando do Pantanal, e esquecemos que houve também essa outra catástrofe. Trouxemos esse clipe para isso, para lembrarmos dessas pessoas cujo ainda estão lá."
Em novembro, a ideia do sexteto, além de reforçar o grito por Mariana através do clipe e da música, era dar voz as afetados pelo crime da mineradora Samarco, que é controlada pela Vale e pela BHP Billiton. Com uma série de lives no Instagram e no Youtube, a banda abriu este espaço para as pessoas falarem.
A vocalista afirma: "As pessoas agradeceram muito por a gente sempre estar falando sobre isso não só no dia em que aconteceu. É isso que elas reclamaram, a imprensa vai procurar no dia do desastre, mas esquece durante todo o ano. As pessoas estão lá precisando de auxílio."
O videoclipe de "LAMA", dirigido por Virginia de Ferrante, é uma obra cinematográfica documental - é extremamente complexo, profundo, artístico e repleto de significados e denúncias, feito de uma maneira realista e sensível.
Para a construção das imagens, o sexteto contou com o apoio do MAB, que é o Movimento dos Atingidos por Barragens, o qual “foi muito importante nesse processo da gente [banda] entender a grandiosidade desse problema”, como explica Amanda.
Virginia de Ferrante viajou até Mariana para conversar com as pessoas que foram atingidas e lutam pelos direitos, e muitos dos rostos ali no vídeo são de entrevistados da diretora. O movimento também ofereceu os registros de quando aconteceu o crime, o que, somado às cenas atuais traz um resultado extraordinário ao clipe.
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Vale lembrar, ainda, que todo o videoclipe contou com uma equipe inteira formada por mulheres: "Todas as integrantes da nossa equipe foram mulheres. Mulheres que fizeram motion, a direção de arte e montagem", afirma Amanda.
Assista "LAMA":
A narrativa autoral da Mulamba é extremamente importante, urgente e complexa. Antes de resultar no disco homônimo, lançado em 2018, porém, o sexteto iniciou uma carreira com shows e apresentações em bares como um tributo a Cássia Eller, que mais tarde, tornou-se de várias mulheres artistas como Elza Soares e Marisa Monte.
"Com o passar do tempo, fomos entendendo, eu e a Cacau principalmente, que tínhamos tinha algumas letras e precisávamos falar também das nossas mazelas, inquietações, e coisas que incomodavam a gente, principalmente na cidade de Curitiba. E foi quando começamos com a música "Mulamba" - a primeira música trazida para o projeto como autoral", diz Amanda.
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A vocalista fala que, gradualmente, o sexteto passou a inserir “Mulamba” nos setlists das apresentações - e o retorno foi muito positivo desde o início. Em um show no Rio de Janeiro, em um aniversário de uma amiga da banda, as integrantes gravaram um vídeo e publicaram no YouTube - que foi compartilhado de tal maneira a ponto de pessoas espalhadas por todo o Brasil passarem a conhecer a banda.
Desse modo, o grupo decidiu pensar mais na construção das composições originais, e veio a música “P.U.T.A”: "O autoral foi chegando aos poucos. Tudo nessa banda, costumo dizer, foram coisas que não fomos buscando, mas foram aparecendo. A gente vai se metendo e o universo vai trazendo para gente. E aí com o passar desse tempo, a gente foi conseguindo construir uma narrativa autoral a ponto da gente começar a pensar nesse primeiro disco", explica Amanda.
O disco Mulamba(2018), como diz a vocalista, é uma resposta do universo, principalmente pela maneira como ele começou a nascer. Em uma votação popular para o Vento Festival, o sexteto ganhou a oportunidade de integrar o line-up e também de fazer a gravação de um álbum no Red Bull Station em São Paulo.
"Foi um compilado e um divisor de águas na nossa vida, porque mostrou para nós mesmas quem somos sonoramente. No palco, a gente era uma grande mistura de muitas referências de lugares do Brasil, eu sou do norte, a Érica de Curitiba, Fê de Santa Catarina, Cacau de Pelotas. Cada uma tem uma referência musical e uma vivência. Nossas músicas refletem isso", afirma Amanda.
Ela continua: "Sentamos para criar uma linearidade no disco, e deixá-lo homogêneo. Foi aí que começamos a visualizar nossa música e entender como ela era de verdade. Foi um início para a Érica como produtora. Não precisamos externalizar nosso trabalho. Podemos fazer nós mesmas. Acredito que a Érica soube sintetizar isso muito bem."
Érica entrou para a banda neste processo da construção do primeiro disco, em 2018, como produtora e guitarrista: "Quando coloquei a mão na massa, as músicas já estavam por aí sendo tocadas. O que a gente faz é aquele lapidar maroto, né? Coloca alguns outros instrumentos para dar mais enchimento, mais peso, para dar uma cara de música mais trabalhada, mas as músicas já estavam estruturadas", conta a também produtora.
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O resultado de Mulambaé realmente incrível e encantador. As músicas trabalhadas, completas e cheias de significado representam muito bem a mensagem e a postura de banda que o sexteto busca ser.
Com calma e respiros necessário ao longo destes dois anos, a banda acredita que só agora, com o lançamento do clipe de "LAMA", encerrou o ciclo deste disco. Até porque, Mulambacontinua atual, e com tanta profundidade nas mensagens, as integrantes conseguiram destrinchar melhor as músicas a partir dos clipes, apresentações e retorno do público, e com mais tempo, tornando os resultados ainda mais completos.
Ouça Mulamba:
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