Conheça a trajetória de uma das grandes revelações do hip-hop nacional, que lançou o segundo disco, Amem, no fim do ano passado
Com Neto, não há assunto que seja banal. “Quero falar para as pessoas que estão se preocupando em respeitar a vida”, diz a mente por trás do projeto Síntese, destaque do hip-hop no ano passado, em um papo matutino ao telefone. Começar uma conversa com Neto é como iniciar uma audição do segundo disco dele, Trilha para o Desencanto da Ilusão, Vol. 1: Amem (2016): é preciso abandonar o mundo profano por alguns minutos.
Com o trabalho – segundo na discografia, mas “primeiro de verdade” –, o Síntese se firmou como uma das maiores revelações do gênero no país. O álbum anterior, o duplo Sem Cortesia, saiu em 2012, como uma coleção de faixas lo-fi e sentimentais, quando o Síntese ainda era um duo formado por Neto e o amigo Leonardo Iran, o Léo.
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Sem Cortesia, publicado no SoundCloud, saiu como produto final deles. “Estávamos passando uma tribulação espiritual muito grande”, recorda o rapper. “Muita descoberta e muito pouca idade. Problemas de saúde mental, saúde espiritual. Tudo que estávamos recebendo, decodificando, não sabíamos lidar muito bem.”
Neto trata a decisão de pausar as atividades do Síntese como uma “aversão a uma vida artística”. “Era um bagulho muito íntimo, uma terapia”, analisa. “Era a gente se curando, se entendendo. Colocamos tudo que tínhamos vivido. Decidimos só soltar e parar com o rap. Queríamos purificar a mente e a alma de uma fase difícil que vínhamos passando.”
Em 2012, contudo, a união de batidas rústicas – de conotação vintage, resultado das experimentações de Neto no programa Fruity Loops – e poesias compassivas de Sem Cortesia despretensiosamente começou a fazer a cabeça de muita gente.
“Nós dois estávamos, cada um de um jeito, montando igual um touro em cima dos nossos pensamentos, do que acreditávamos”, conta Neto. “Era tudo produzido entre a gente, nesse ambiente hermético. Eu vi a voz se espalhando, a galera ouvindo. O Sem Cortesia puxou as pessoas. o povo queria muito sentir aquela energia.”
O álbum sequer ganhou show de divulgação, mas cerca de seis meses depois, no ano seguinte, Neto estava de volta – e sozinho – com o Síntese. “Em 2013 eu tomei coragem, me senti apto”, revela. “Meus irmão do [selo] Matrero deram muita força e eu voltei a fazer o show do Síntese do zero.”
De volta aos palcos, Neto reencontrou uma figura que já conhecia dos eventos de hip-hop em São José dos Campos – cidade natal do rapper –, por meio do produtor Daniel Ganjaman. “Falei para o Ganja: ‘Estou com metade do [meu] disco pronto, vamos fazer?”, recorda. Na ocasião, Ganjaman e Criolo estavam gravando Convoque Seu Buda (2014), sucessor de Nó Na Orelha (2011).
“Ele falou que curtiu, mas estava gravando com o Criolo, estava corrido”, narra Neto. “Um mês depois ele disse: ‘Manda o seu telefone que o Criolo quer falar com você’. Ele [Criolo] me tratou muito bem, como sempre. Fui no outro dia a São Paulo, ouvi a música, nós escrevemos na hora e gravamos. No dia seguinte, já gravei a oficialzona e saiu”. Em diversos shows da turnê Convoque Seu Buda, Criolo contou com o Síntese nas performances de “Plano de Voo”, a faixa em parceria entre eles.
“Foi muito forte essa participação”, confessa. “Todo mundo viu, tá ligado? Viu que eu era alguma coisa, uma energia que estava ficando madura. Se o louco dos locos [Criolo] falou que é isso [tudo] mesmo...” A visibilidade também rendeu ao Síntese uma colaboração em shows e gravações com o grupo Projetonave, incluindo apresentações em festivais espalhados pelo Brasil.
Com as faixas praticamente prontas – também “caseiras”, ainda que mais rebuscadas –, Neto entrou em estúdio (o El Rocha) com Ganjaman por duas semanas no fim de 2015, acrescentando instrumentos orgânicos – baixos, sopros, guitarras –, o que acabou gerando participações de nomes como Marcelo Cabral, Guilherme Held e Thiago França, entre outros.
Trilha para o Desencanto da Ilusão, Vol. 1: Amem saiu no fim de 2016 como um convite ao universo espiritual de Neto. Já em “Ritual”, segunda e mais mundana na tracklist, ele rima sobre a criação de uma espécie de ritualística sonora: “Espirito em harmonia, corpo em sintonia/ Audição atenta pra se captar magia”. Neto trata de superação, respeito e busca pela paz com versos de cunho psicológico e que demandam transcendência. “Queria fazer um disco solo que fosse meu pronunciamento oficial à humanidade: é música sagrada”, crava.
Com samples proeminentes de Racionais e Black Alien – duas maiores influências do joseense –, as melodias de Amem também são apuradas, tanto pelos arranjos de Ganjaman quanto pelo acréscimo de refrãos (praticamente inexistentes em Sem Cortesia). O álbum também se esquiva de sonoridades da moda.
“Uma base rolando é uma banda tocando, para mim, e eu sou muito fã dessa linguagem”, explica o rapper. “Não vou falar para você que eu odeio trap, acho um bagulho interessante. Os caras da gringa estão muito na frente na sonoridade. [Mas] Eu ainda espero ouvir um trap que seja mais uma [outra] linguagem. Ainda estou entendendo essa revolução.”
“De São José, para reacender sua fé”, como enuncia em suas músicas, Síntese chega ao grande público com uma personalidade forte e correndo paralelamente às tendências. Ele se relaciona com a fé, mas sem se alinhar à religião – ao contrário da sensação norte-americana Chance the Rapper, por exemplo –, ao mesmo tempo em que fala de liberdade e autoconhecimento. Síntese é música de elevação, que pode soar banal para os “infiéis”, mas que reacende a fé em um hip-hop particular e atemporal.
O Síntese lança o Amem com show no Sesc Pompeia, em São Paulo, no dia 18 de março, com ingressos a R$ 20 (há meia-entrada).