Compositores pedem voz em negociações de pagamento de direitos autorais; enquanto isso, artistas independentes seguem sem representação
Uma negociação que durou mais de dois anos parece estar próxima de um desfecho. Desde 2012, quando desfez o acordo que tinha com o ECAD, o YouTube parou de pagar royalties relativos a direitos autorais aos artistas brasileiros. A partir de então, a UBEM (União Brasileira de Editoras de Música) – que alega ser responsável por mais de 70% do catálogo dos autores brasileiros – discute um novo acordo com o site que pertence ao Google.
“Primeiro, estávamos discutindo os tipos de direitos. Depois, os valores. E, ao final, a maneira de processar”, conta o presidente da UBEM, Marcelo Falcão. “O Google queria que nós fornecêssemos nosso banco de dados para eles procurarem as obras. Nós sempre trabalhamos no sentido contrário.”
Após uma vitória judicial da UBEM, a empresa norte-americana dá a entender que irá ceder, e as partes estão próximas de um entendimento. “Com o acordo, os membros da UBEM receberão pelos direitos autorais pertinentes”, afirma Flavia Sekles, chefe de comunicação do Google para a América Latina.
A empresa norte-americana adiantou R$ 5 milhões como demonstração de boa vontade em seguir com a negociação e Falcão promete valores no “padrão mundial”, com “condições possivelmente melhores até que o México.”
Com o segredo de justiça garantido durante toda a negociação, diversos autores – de Caetano Veloso a Mallu Magalhães – passaram a compartilhar imagens de protesto no Facebook. Frejat chegou a escrever um artigo sobre a questão. “Percebo que as coisas não estão sendo feitas para o melhor interesse dos artistas – ou estão sendo feitas sem transparência”, diz o vocalista do Barão Vermelho. “Estamos querendo entrar na discussão, participar ativamente, não deixar que ela seja debatida apenas pela UBEM.”
“Até o final do sigilo, para nós, era tudo uma caixa preta”, comenta Frejat. “Tem de haver mais atores nesse cenário. Essa é a ideia [das organizações] GAP e Procure Saber”. “Não sabemos como [o pagamento] funciona”, queixa-se Lenine. “Queria ter subsídios para entender o que acontece.”
Reforçando o então caráter confidencial das negociações, Marcelo Falcão garante: “As negociações são passadas aos associados. Eles podem opinar, discordar, não aderir. Não é uma ditadura”. Tanto Frejat quanto Lenine e Caetano Veloso têm parte de seus catálogos em editoras associadas à UBEM, dentre as quais estão Warner, Universal e Deck, entre outras.
“A [remuneração] que existe é baixíssima e não há um acordo certo, com o qual todas as partes estejam contentes”, comenta Caetano Veloso, ampliando a discussão para a relação entre artistas e editoras. “Os autores seguramente não estão contentes”. Lenine acrescenta: “O que é claro como água é que migraram do universo físico leis que são injustas para o universo digital.”
O que o pernambucano procura apontar é a incoerência dos acordos feitos em uma época na qual a indústria musical era baseada quase exclusivamente em vendas físicas. “Todo o sistema que hoje funciona bem vai parar de ser usado”, argumenta Frejat. “Mas o digital, não. O digital é o futuro”. Diferente da divulgação em disco, as gravadoras praticamente não têm custo com a distribuição de música online.
Com o acordo entre YouTube e UBEM se aproximando, entretanto, uma lacuna ainda fica aberta: a dos artistas independentes. O Google espera fechar o contrato com a UBEM – que supostamente representa a maioria – para tê-lo como base em outras negociações. Flavia Sekles afirma: “O YouTube tem um sistema de contrato direto com outras entidades e [autores] independentes que será disponibilizado em breve no Brasil também.”
“Durante muito tempo, ficamos aguardando para entender como a indústria iria voltar a funcionar depois da desabada do CD e do fortalecimento da pirataria”, confessa Frejat. “E ela começa a dar sinais de sua nova cara: a música digital, no streaming, iTunes, download. Hoje, se você procurar uma loja de discos vai ser foda, é melhor procurar uma loja de meia.”
O autor de “Segredos” e “Amor Pra Recomeçar” conclui: “O momento de começar a tratar o banco de dados digitalizado da música brasileira é agora. Se fizermos cagado agora, vai ficar cagado durante anos.”