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The National: como o disco 'High Violet' se tornou 'queridinho da crítica' com músicas cruéis sobre corações partidos, goles de vinho e arrependimentos

O 5º álbum do grupo completa 10 anos neste domingo, 10 de maio

Pedro Antunes, editor-chefe Publicado em 10/05/2020, às 10h00

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Imagem The National: como o disco 'High Violet' se tornou 'queridinho da crítica' com músicas cruéis sobre corações partidos, goles de vinho e arrependimentos

Não consigo lembrar de outra banda tão capaz de acompanhar a maturidade - e devastação - de alguém. Talvez seja só um grande timing dos discos deles, mas realmente não acredito nisso. A sinceridade (estética e sonora) e versos tão cruelmente reais são intrinsecamente ligados ao amadurecimento de qualquer indivíduo. Parece bruxaria. Mas é o The National.

Espere, eu explico. Foi em um 10 de maio de 2010 que o The National lançou o 5º álbum da carreira, High Violet. Esse senhor de 10 anos completados neste domingo, 10 de maio de 2020, apontou o grupo formado por Matt Berninger (voz) e duas duplas de irmãos - Aaron e Bryce Dessner (ambos na guitarra e teclados), e Scott (baixo) e Bryan Devendorf (bateria) - como queridinhos da crítica especializada.

É também o disco mais pop que eles poderiam fazer, dentro de um espectro sonoro ocupado por Berninger de entendimento do que é "pop". High Violet existe depois de uma conversa com Michael Stipe, do R.E.M., que soou como um desafio. "Por que vocês não escrevem um hit de rádio?", disse Stipe.

High Violet é uma resposta indireta a isso. Claro, não é um álbum pop, não tocou incessantemente em rádios populares no Brasil e possivelmente sua mãe ou seu tio não conheçam esse trabalho ou o The National, mas seu amigo nerd de música soltará um "uau!" quando você encaminhar o link desse texto para ele.

Ser "queridinho da crítica" parou, há tempos, de significar um bom lugar na parada de sucessos - é como se houvesse uma cisão de realidades e ambas, o pop e a crítica, andassem geralmente desconectados, com alguns pequenos pontos de intersecção, mas só. O The National não é pop, mas lota arenas nas turnês pelo hemisfério norte e fez um show belíssimo em uma noite de Lollapalooza 2018.

The National é também possivelmente a única banda capaz de me fazer chorar em todos os shows deles aos quais assisti. Foram três: em um Citibank Hall (antiga e extinta casa de show de São Paulo) bastante vazio em 2011; no lotadaço Lollapalooza 2018; e outro naquele mesmo ano, em Los Angeles.

High Violet foi o quinto trabalho do grupo, eles não eram nada novatos quando o disco saiu. A carreira deles foi construída durante o início dos anos 2000, juntamente com The Strokes e a turma do "rock sujinho", como Lucas Silveira, da Fresno, categorizou dia um desses num papo. Havia Strokes, The Libertines, Arctic Monkeys, Rapture, The Killers, Interpol, Franz Ferdinand.

As guitarras efervescentes faziam evaporar o suor nas testas daqueles jovens de calças jeans justas e jaquetas de couro desnecessárias para o calor do recinto em pistinhas de dança e boates descoladas. Esse era o som do momento. O renascimento do rock, a nova ascensão do gênero à popularidade e tudo mais.

E havia o The National. Não, eles não se enquadravam nessa cena porque por mais que seus primeiros álbuns fossem bastante sujos e entorpecidos de distorção (ouça The National, de 2001, e Sad Songs For Dirty Lovers, de 2003), eles não dialogavam com essa geração do "you only live once" de Strokes e companhia.

Pelo contrário, para o The National, a vida não era uma festa regada a goles de cerveja morna e já sem gás. Enquanto o mundo se derretia por "Reptilia", dos Strokes (Room on Fire, 2003), o The National abria o também segundo álbum deles com "Cardinal Song" e cantava versos como esses aqui:

"Fall asleep with stranger's wives
The wild wives of unknown men
Good for you, you've just become
Just another one of them"

Algo como, em tradução livre: "Durma com esposas de estranhos / As esposas selvagens de homens desconhecidos / Bom para você, você acabou de se tornar / Apenas mais um deles".

Outro verso ótimo dessa música é esse:

"Jesus Christ, you have confused me
Cornered, wasted, blessed and used me"

Que pode ser traduzido como: "Jesus Cristo, você tem me confundido / Encurralou-me, gastou-me, abençoou-me e usou-me".

Percebem a diferença, certo? O The National já eram os excluídos de um "movimento roqueiro" de basicamente excluídos que estourou a bolha própria e foi parar nas capas de revistas.

O que impressiona na discografia do The National, contudo, é como essas canções lançadas ao longo do tempo podem ser tão barrocas nas camadas sonoras cheias de rococós e versos vindos de um novo movimento de romantismo exacerbado, sem parecer pedante demais.

High Violet é o momento de virada para Berninger e os irmãos Dessner e Devendorf. E de um momento de aceitação, também.

Da barulheira à calmaria, dos hormônios às ressacas, dos amores delirantes aos amores que definharam, essa é a jornada cantada por Berninger ao longo desses anos, de The National (2001), Sad Songs for Dirty Lovers (2003), Alligator (2005) e Boxer (2007), cuja primeira parte é concluída com o álbum High Violet.

Cada álbum, em ordem de lançamento, é um retrato diferente de um mesmo jovem, em diferentes momentos da vida. The National, o disco, é o desabrochar da vida adulta, sem saber qual é o próprio lugar nisso tudo, contudo. Sad Songs For Dirty Lovers é o primeiro pé na bunda que doeu de verdade. Alligator e Boxer, discos irmãos, são os excessos de álcool e as péssimas tomadas de decisões entre tragos de cigarros fedidos.

High Violet é entendimento. É o primeiro passo para a sobriedade sentimental - se é que ela existe. Ele não é o fim do caminho, não é a linha de chegada, ele é o momento da maratona que o corpo entra em um moto-contínuo e a gente passa a notar e realmente enxergar a caminho. É um disco com letras dolorosas, óbvio, porque é assim que o The National compõe: como se fossem goladas de vinho que tentam empurrar garganta abaixo os erros do passado.

Depois desse álbum, o The National seguiu por um natural caminho de calmaria já apontado pelo registro de 2010.

Tudo segue confessional ali. Vieram Trouble Will Find Me (2013), Sleep Well Beast (2017) e I Am Easy to Find (2019). Cada um deles, de novo, dialoga ou dialogará com um momento da sua vida, leitor, acredite em mim.

Pensava que vivia na fase Alligator + Boxer , meus álbuns favoritos deles, até a chegada de High Violet, em 2010. Dei o play. Senti o soco no estômago que era o trio de músicas de abertura "Terrible Love", "Sorrow" e "Anyone's Ghost". Vamos aos trechos e segurem as pontas ai, meus amigx:

"It's a terrible love and I'm walking with spiders
It's a terrible love and I'm walkin' in
It's a terrible love and I'm walking with spiders
It's a terrible love and I'm walkin' in", diz "Terrible Love".

Ouça:


"Sorrow found me when I was young
Sorrow waited, sorrow won
Sorrow, they put me on the pill
It's in my honey, it's in my milk
Don't leave my hyper heart alone on the water", diz "Sorrow".

Ouça:


"I'm afraid of everyone, I'm afraid of everyone
With my kid on my shoulders, I'll try
Not to hurt anybody I like
But I don't have the drugs to sort
I don't have the drugs to sort it out, sort it out", diz "Afraid of Everyone".

Ouça:


Em determinado momento do show de 2011, deixei de conter aquelas lágrimas que queriam cair e parei de disfarçar o arrepio que me percorria a pele. É incrível quando uma banda, música ou artista toca você desse jeito. Isso se repetiu, sete anos depois, nos shows assistidos no mesmo ano, sob perspectivas diferentes. De novo o choro. Droga.

Não estou aqui, com esse texto, tentando convencer você a ouvir The National - embora devo pensar que se você chegou até aqui, depois de 7.218 caracteres, você deva curtir os caras suficientemente também. Mas entendo: não é a praia de todo mundo. O principal aqui é um pedido para se emocionar com a música, seja ela qual for.

High Violet marcou a transição entre o moleque e a vida adulta, embora essas duas personas se misturem com uma frequência maior do que eu admito publicamente e gostaria. Foi o mesmo com o The National.

A discografia deles a partir daí é serena, embora igualmente devastadora, como a vida pós-2010 para jovens adultos como eu: uma porção de arrependimentos acumulados que teimam em, vez ou outra, bater à porta da cuca e perturbar uma noite de sono tranquila; as três últimas taças de vinho que não deveriam ter sido bebidas; os olhos inchados no dia seguinte acompanhados da dor de cabeça; a barriga que tem um crescimento inversamente proporcional à quantidade de fios de cabelos ainda firmes na cabeça.

Com High Violet, a calmaria fez o The National dar um salto ao mesmo amadurecimento que qualquer um vive com o entendimento de que "sim, você só vive uma vez, mas isso não é desculpa para fazer tantas cag****das pelo caminho, porque elas vão te atormentar para o resto da vida". 

Passaram a lotar shows maiores, cresceram em público, fazem discos cada vez mais burilados e detalhistas. Seguem devastadores de corações, obviamente - mesmo que essas rachaduras sejam antigas e cicatrizadas. Ainda bem.


Vou deixar aqui o registro do magistral e mítico diretor D.A. Pennebaker e de Chris Hegedus sobre o show de estreia de High Violet, no Brooklyn, na noite anterior ao lançamento do álbum High Violet nos Estados Unidos.


Já que estou falando de The National para trazer aqui uma novidade da banda Young Lights. O grupo mineiro está com um novo disco prestes a sair (tudo fica confuso em tempos de pandemia do novo coronavírus) e lançou um cover lindo de "Conversation 16", música de High Violet.

O Young Lights toma algumas liberdades criativas para apresentar essa homenagem ao The National, uma das bandas que, segundo eles, foi fundamental para o entendimento estético desse novo disco deles.

Essa versão me deixou ansioso pelo trabalho que está por vir:


Pedro Antunes é editor-chefe da Rolling Stone Brasil e comemora, em 2020, dez anos como jornalista de música, algo que sempre quis fazer, embora o dia a dia o impeça de exercer o ofício delirante que é descrever canções em palavras. Desde esse 2010, tropeçou mais vezes do gosta de admitir e mais vezes do que, felizmente, consegue lembrar.