Realizado no último sábado, 16, em Recife, o evento comportou uma programação pensada no equilíbrio de atrações entre gêneros e no público LGBTQ+
Assim, na entrada do Caxangá Golf Club em Recife (PE), um túnel construído por fitas coloridas que formavam as cores do arco-íris (em referência a bandeira do movimento LGBTQ+) dava as boas-vindas ao público para a 16ª edição do festival No Ar Coquetel Molotov no último sábado, 16.
O grande evento, que acontece anualmente no Nordeste, comportou uma programação repleta intervenções artísticas, shows nacionais e um internacional distribuída entre três palcos.
No campo aberto, com lagos e muitas árvores, algumas faixas foram fixadas com frases de efeito, entre elas: "Sapatão é Revolução".
A proposta do evento de inclusão de gênero, social, acessibilidade (com intérpretes libras nos palcos CQTL MLTV e Natura) e sustentabilidade foi enfatizada desde 2018, quando aderiram à iniciativa internacional, Keychange, que busca encorajar mulheres a transformarem os grandes festivais de música ao equilibrarem gêneros na programação e incluírem pessoas trans (que tinham entrada gratuíta no evento).
Tudo isso saiu da teoria e tomou forma concreta ao receberem artistas como Liniker e os Caramelows, Drik Barbosa, Black Alien, Clarice Falcão, MC Tha, Lia de Itamaracá, Sevdaliza, Saskia, Terno Rei, Raça e Rosa Neon ao longo das mais de 12 horas de festival e ingressos esgotados.
A Rolling Stone Brasilesteve presente no evento que foi do pop experimental ao bregafunk e destacou os melhores momentos desta edição. Veja abaixo:
Como principal atração do festival, Black Alien, subiu ao palco CQTL MLTV: "Não quero demorar 7 anos pra voltar não, viu", brincou o rapper ao relembrar da passagem no festival em 2012.
Entre as faixas de Abaixo de Zero: Hello Hell - já considerado um dos melhores do ano -, como "Que Nem o Meu Cachorro", "Aniversário de Sobriedade" (na qual iniciou com um discurso motivacional: "Foi lá no fundo do poço que eu descobri que só tem um caminho: pra cima!), "Vai Baby" e hits do Babylon By Gus Vol. 1 como "Pericia na Delicia" e "Caminhos do destino", Gustavo foi ovacionado pelo público.
Como uma das revelações do funk, MC Tha envolveu o público no principal palco, CQTL MLTV, com o baile umbandafunk presente nas faixas do primeiro disco de estúdio, Rito de Passá. Mesmo após a maratona de shows que realizou durante a semana, em Curitiba (PR) e Santa Maria (RS), respectivamente, a cantora se manteve animada ao lado de Malka com o auxílio de um lindíssimo violino e banda de apoio.
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Das atrações regionais, Lia de Itamaracá, a célebre cirandeira de 75 anos mostrou a maestria da voz e metais ao apresentar o disco mais recente, Ciranda sem Fim, que conta com contribuições de Ava Rocha e Chico César, no palco CQTL MLTV.
Esperada como uma das grandes atrações do festival, Lia - que está em cartaz nos cinemas como Dona Carmelita na aclamada produção nacional Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles - foi recebida de vívida e os embalos musicais presentes nas canções fez com que o público formasse pequenas cirandas ao longo da apresentação.
Outro ponto alto - e deliciosamente surpreendente - foi a estreia da cantora irani-holandesa Sevdaliza. Com um palco sem muita iluminação dando foco apenas a protagonista do momento, a artista vestia um figurino repleto de pedras douradas e verdes e deixou o público extasiado com o doce e potente vocal mesclado ao pop experimental repleto de beats soturnos e sintetizadores.
E por falar em pop, a banda belo-horizontina, Rosa Neon, formada por um quarteto carismático e atuante na cena independente de Minas Gerais, teve uma recepção calorosa do público com as faixas - que já colecionam milhares de views no YouTube e plays no Spotify -"Brilho de Leão", "Fala Lá pra Ela" e "Vai Devagar", música em parceria com o rapper Djonga. Com apenas um ano de estrada, o 'Rosinha', como carinhosamente apelidado pelos fãs, mostrou potencial para fazer barulho na cena de música pop.
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Enquanto isso, as batidas quentes, marcadas pelo funk 150 BPM (batidas por minuto), dancehall, rap, versos afiados e também melódicos (com uma pegada de R&B), ficaram com a rapper Drik Barbosa.
Com discurso político focado nas mulheres dentro do cenário musical - especialmente no rap -, a cantora apresentou o disco homônimo de estreia da própria carreira. "Tentação", parceria com o grupo musical baiano ÀTTØØXXÁ e o coro empoderado de "Quem tem joga", em colaboração com Gloria Groove e Karol Conká ganharam participações efetivas do público.
Dando sequência as batidas de cunho político, a revelação do Palco Sonic foi a rapper gaúcha Saskia. Com o álbum de estreia Pq, a artista confrontou o público com uma apresentação experimental, de spoken words e performances. As líricas ácidas e gritos se fundiram com o trap e eletrônico e gerou uma atenção especial para a cantora.
Depois de se envolverem nas batidas, foi a hora do público ir até o Palco CQTL MLTV para se entregarem a linda orquestração de Liniker e os Caramelows. Com o palco todo em harmonia - em cores, instrumentos, backing vocals -, o grupo musical apresentou o disco "Goela Abaixo" e os hits "Zero", "Calmô" do EP Cru, responsável por lançá-los na mídia nacional e internacional.
No Palco Natura Musical,Terno Rei mostrou ao público a melancolia da cidade paulistana com o segundo disco de estúdio, Violeta, que cresce com a apresentação ornada com luzes violeta e as sessões instrumentais mais longas nas canções.
Clarice Falcão, que retornou ao line-up cinco anos depois para apresentar o segundo álbum de estúdio, Tem Conserto, lançado em junho deste ano. Repaginada pelo novo direcionamento musical, a cantora mesclou o repertório com as novas canções imersas de synthpop com faixas do lançamento anterior, Monomania (2013).
Fugindo do cronograma quase que 'obrigatório' nos grandes festivais do Brasil com os gritos de "Ei, bolsonaro, vai tomar no c*" em shows mais políticos, o público do festival se isentou deste protesto e fez da própria presença - majorietariamente LGBTQ+ - um ato político unido à diversidade da curadoria do evento.