Jacob Appelbaum – o hacker norte-americano por trás do WikiLeaks – luta contra regimes opressores no mundo inteiro. Agora, está fugindo do governo de seu próprio país
Em 29 de julho, ao voltar de uma viagem para a Europa, Jacob Appelbaum, um rapaz magro e despretensioso de 27 anos, usando uma camiseta preta com o slogan "be the trouble you want to see in the world" ["seja o problema que você quer ver no mundo"], foi detido na alfândega por um grupo de agentes federais. Em uma sala de interrogações no aeroporto Newark Liberty, em Newark, foi questionado sobre seu papel no WikiLeaks, o grupo denunciador que expôs os relatórios de inteligência mais bem guardados do governo norte-americano sobre a guerra no Afeganistão - e que, a cada dia, libera mais documentos na rede. Os agentes fizeram cópias de seus recibos, apreenderam três de seus celulares - ele tem mais de uma dúzia - e confiscaram seu computador. Eles o informaram que estava sob vigilância do governo, questionaram sobre o calhamaço de 91.000 documentos militares confidenciais que o WikiLeaks havia divulgado na semana anterior, um vazamento que Daniel Ellsberg, ativista da era do Vietnã, chamou de "a maior divulgação não autorizada desde os Papéis do Pentágono". Exigiram saber onde Julian Assange, fundador do WikiLeaks, estava se escondendo, pressionaram para saber sua opinião sobre as guerras no Afeganistão e no Iraque. Appelbaum se recusou a responder. Depois de três horas, finalmente foi liberado.
Appelbaum é o único membro norte-americano conhecido do WikiLeaks e o líder evangelista do programa de software que ajudou a possibilitar o vazamento. De uma certa maneira, é uma versão bizarra de Mark Zuckerberg: se a ambição do Facebook é "tornar o mundo mais aberto e conectado", Appelbaum vem dedicando a vida a lutar pelo anonimato e pela privacidade. Um garoto de rua anarquista criado por um pai viciado em heroína, abandonou a escola, aprendeu sozinho as minúcias do código e desenvolveu uma paranoia saudável ao longo do caminho. "Não quero viver em um mundo onde todos são observados o tempo inteiro", diz. "Quero ficar sozinho o máximo possível. Não quero que um rastro de dados conte uma história que não é verdadeira." Transferimos nossas informações mais íntimas e pessoais - contas bancárias, e-mails, fotos, conversas por telefone, históricos médicos - para redes digitais, confiando que está tudo trancado em alguma cripta secreta, mas Appelbaum sabe que essas informações não são seguras. Ele sabe porque consegue encontrá-las.
Demonstra isso quando o encontro, no segundo trimestre, duas semanas antes de o WikiLeaks virar manchete no mundo inteiro ao divulgar um vídeo mostrando soldados dos EUA matando civis no Iraque. Visito seu duplex cavernoso em São Francisco. Os únicos móveis são um sofá preto, uma poltrona preta e uma mesa baixa preta: uma máscara de Guy Fawkes está pendurada em uma parede da cozinha. O chão está coberto de sacos Ziploc com maços de dinheiro estrangeiro: pesos argentinos, francos suíços, leis romenos, dinars iraquianos antigos com o rosto de Saddam Hussein. O saco marcado "Zimbábue" contém uma única nota de $50 bilhões. Fotos, a maioria delas tirada por Appelbaum, cobrem a parede sobre sua mesa: garotas punk em poses sedutoras e um retrato do falecido pai, um ator, vestido como um personagem.
Appelbaum me conta sobre um de seus feitos menos impressionantes em hacking, um programa de software que inventou, chamado Blockfinder. Diz que não foi especialmente difícil de gravar. Na verdade, a palavra que usa para descrever a complexidade do programa é "trivial", um adjetivo cada vez menos usado que ele e seus amigos hackers empregam, como em "Disparar o firewall chinês é trivial" ou "É trivial acessar qualquer conta do Yahoo utilizando ataques de solicitação de senha". Tudo o que o Blockfinder faz é permitir que você identifique, contate e possivelmente invada cada rede de computador no mundo.
Ele me leva até um de seus oito computadores e aperta várias teclas, ativando o Blockfinder. Em menos de 30 segundos, o programa lista todas as alocações de endereço de protocolo internet no mundo - provavelmente lhe dando acesso a cada computador conectado à internet. Appelbaum decide se concentrar em Burma, um pequeno país com um dos regimes mais repressores do mundo. Digita o código de país de duas letras de Burma: "mm", para Mianmar. O Blockfinder instantaneamente começa a cuspir todo endereço IP em Burma.
O Blockfinder informa a Appelbaum que há 12.284 endereços IP alocados em Burma, todos eles distribuídos por provedores de internet controlados pelo governo. Em Burma, como em muitos países fora dos Estados Unidos, o acesso à internet passa pelo Estado. Appelbaum pressiona algumas teclas e tenta se conectar a cada sistema de computação em Burma. Apenas 118 respondem. "Isso significa que praticamente todas as redes em Burma estão bloqueadas para o mundo externo", afirma. "Exceto 118 delas." Esses 118 sistemas de computação sem filtro só poderiam pertencer a organizações e pessoas a quem o governo conceda acesso ilimitado à internet: políticos de confiança, os mais altos escalões de empresas estatais, agências de inteligência.
"Agora, esta", diz Appelbaum, "é a parte boa".
Ele seleciona uma das 118 redes aleatoriamente e tenta entrar nela. Uma janela abre pedindo uma senha. Appelbaum joga a cabeça para trás e dá uma risada alta - uma gargalhada alegre, quase maníaca. A rede roda em um roteador Cisco Systems e está cheia de vulnerabilidades. Invadi-la será trivial.
É impossível saber o que está do outro lado da senha. A conta de e-mail pessoal do primeiro-ministro? O servidor de rede da polícia secreta? O comando central da junta militar? Seja lá o que for, poderá estar logo na ponta dos dedos de Appelbaum.
Ele fará isso?
"Eu poderia", afirma Appelbaum com um sorriso. "Mas seria ilegal, não?"
Ninguém fez mais para espalhar o evangelho do anonimato do que Appelbaum, cujo emprego normal é ser o rosto público do Tor Project, um grupo que promove a privacidade na internet através de um programa de software inventado há 15 anos pelo Laboratório de Pesquisa Naval dos EUA. Ele viaja o mundo ensinando a espiões, dissidentes políticos e ativistas de direitos humanos como usar o Tor para evitar que alguns dos regimes mais repressores do mundo rastreiem seus movimentos online. Acredita ser um absolutista da liberdade de expressão. "A única maneira de progredirmos na raça humana é através do diálogo", afirma. "Todos deviam honrar a carta de direitos humanos da ONU que diz que o acesso à liberdade de expressão é um direito universal. A comunicação anônima é uma boa forma de isso acontecer. O Tor é só uma implementação que ajuda a disseminar a ideia."
Só no ano passado, foram realizados 36 milhões de downloads do Tor. Um suspeito membro de alto escalão do exército iraniano utilizou o Tor para vazar informações sobre o aparato de censura de Teerã. Um blogger tunisiano exilado na Holanda usa o Tor para burlar a censura estatal. Durante as Olimpíadas de Pequim, protestantes chineses usaram o Tor para esconder sua identidade do governo.
O Tor Project recebeu financiamento não apenas de grandes corporações como Google e grupos de ativistas como o Human Rights Watch, mas também do exército norte-americano, que vê no Tor uma ferramenta importante para o trabalho de inteligência. No entanto, o Pentágono não ficou especialmente feliz quando o Tor foi usado para revelar seus segredos. O WikiLeaks roda no Tor, o que ajuda a preservar o anonimato de seus informantes. Embora Appelbaum seja funcionário do Tor, é voluntário do WikiLeaks e trabalha em conjunto com Julian Assange, fundador do grupo. "Não dá para subestimar a importância do Tor para o WikiLeaks", afirma Assange. "Jacob tem sido um promotor incansável nos bastidores de nossa causa."
Em julho, pouco antes de o WikiLeaks divulgar os documentos confidenciais da guerra do Afeganistão, Assange deveria fazer a palestra principal na Hackers on Planet Earth (HOPE), uma grande conferência realizada em um hotel de Nova York. Agentes federais foram vistos na plateia, presumidamente esperando Assange aparecer. Só que quando as luzes se apagaram no auditório, não foi Assange quem subiu ao palco, mas sim Appelbaum.
"Olá a todos os meus amigos e fãs em vigilância nacional e internacional", começou Appelbaum. "Estou aqui hoje porque acredito que podemos fazer um mundo melhor. Infelizmente o Julian não pôde vir, porque não vivemos nesse mundo melhor agora, ainda não chegamos lá. Queria fazer uma pequena declaração aos agentes federais no fundo da sala e para aqueles aqui na frente, e serei muito claro: eu tenho comigo, no bolso, algum dinheiro, a Declaração dos Direitos e uma carteira de motorista, e é só. Não tenho um sistema de computação, nem telefone, chaves, nenhum acesso a coisa alguma. Não há motivo absolutamente algum para me prender ou me incomodar, e caso vocês se perguntem, sou um norte-americano, nascido e criado aqui, que está descontente com como as coisas estão." Fez uma pausa, interrompida por aplausos ensurdecedores. "Citando Tron" acrescentou, "'Luto pelo usuário'".
Nos 75 minutos seguintes, Appelbaum falou sobre o WikiLeaks, pedindo a hackers na plateia para se juntarem à causa. Depois, as luzes se apagaram e Appelbaum, com o capuz cobrindo o rosto, pareceu ser escoltado para fora do auditório por um grupo de voluntários. Só que, no lobby, o capuz foi retirado, revelando um rapaz que não era Appelbaum. O verdadeiro Appelbaum havia fugido pelos bastidores e saído do hotel por uma porta de segurança. Duas horas depois, estava em um voo para Berlim.
Quando Appelbaum retornou aos EUA, 12 dias depois, e foi detido em Newark, jornais noticiavam que os documentos de guerra identificavam dezenas de informantes afegãos e possíveis desertores que estavam cooperando com as tropas norte-americanas (quando perguntado por que o WikiLeaks não revisou os documentos antes de divulgá-los, um porta-voz da organização culpou o grande volume de informações: "Não consigo imaginar alguém revisando 76.000 documentos"). Marc Thiessen, ex-redator de discursos para o ex-presidente George W. Bush, chamou o grupo de "uma empreitada criminosa" e implorou para o exército norte-americano caçá-lo como a Al Qaeda. O congressista republicano Mike Rogers, de Michigan, disse que o soldado que supostamente forneceu os documentos ao WikiLeaks deveria ser executado.
Dois dias depois, após palestrar em uma conferência de hackers em Las Vegas, Appelbaum foi abordado por alguns agentes do FBI disfarçados. "Queremos conversar por uns minutinhos", afirmou um deles. "Achamos que você pudesse não querer, mas às vezes é bom ter uma conversa para esclarecer tudo."
Appelbaum está fora do radar desde então - evitando aeroportos, amigos, estranhos e locais inseguros, viajando de carro pelo país. Passou os últimos cinco anos de sua vida trabalhando para proteger ativistas no mundo inteiro de governos repressores. Agora, está fugindo do governo de seu próprio país.
A obsessão de Appelbaum pela privacidade pode ser explicada pelo fato de que, na infância, ele não teve nenhuma. "Venho de uma família de lunáticos", conta. Seus pais, que nunca se casaram, iniciaram uma batalha de custódia antes mesmo de ele nascer e que durou dez anos. Ele passou os primeiros cinco anos de sua vida com a mãe, que diz ser uma esquizofrênica paranoide. Ela insistia que Jake havia sido molestado de alguma forma pelo pai quando ainda estava no útero. A tia conseguiu a sua guarda quando ele tinha seis anos; dois anos depois, ela o deixou em um lar infantil em Sonoma County. Foi ali, aos oito anos, que ele invadiu sue primeiro sistema de segurança. Um garoto mais velho lhe ensinou como conseguir o código PIN de um teclado de segurança: você o limpa e, da próxima vez em que um segurança digitar o código, sopra pó de giz no teclado e consegue as digitais. Uma noite, quando todos estavam dormindo, os meninos desabilitaram o sistema e fugiram do lugar. Não fizeram nada de especial - só andaram por uma quadra de softball do outro lado da rua por meia hora - mas Appelbaum se lembra nitidamente da noite: "Foi muito bom, por um momento, ser completamente livre".
Quando tinha 10 anos, o tribunal lhe mandou ir morar com o pai, de quem tinha se mantido próximo, mas logo o pai começou a usar heroína e Appelbaum passou a adolescência viajando com ele pelo norte da Califórnia de ônibus, morando em casas de grupos cristãos e abrigos para sem-teto. Ocasionalmente, seu pai alugava uma casa e a transformava em um esconderijo de heroína, sublocando cada quarto para amigos viciados. Todas as colheres na cozinha tinham marcas de queimadura. Uma manhã, quando Appelbaum foi escovar os dentes, encontrou uma mulher tendo convulsões na banheira com uma seringa pendurada no braço. Em uma tarde, ao voltar da escola, encontrou um bilhete de suicídio assinado pelo pai (Appelbaum o salvou de uma overdose naquele dia, mas o pai morreu anos depois em circunstâncias misteriosas). A situação chegou a um ponto de ele não conseguir nem sentar no sofá com medo de ser furado por uma agulha.
Um estranho na própria casa, Appelbaum adotou a cultura outsider. Assombrava o shopping de Santa Rosa, pedindo trocados, vestia-se de drag queen e com camisetas escritas "i love satan", tingia o cabelo de roxo, provocava brigas com cristãos fundamentalistas e dava amassos em meninos na frente da escola (Appelbaum se identifica como "viado", embora mencione uma dezena de namoradas em vários países). Quando o pai de um amigo estimulou seu interesse em computadores e lhe ensinou ferramentas básicas de programação, algo se abriu para Appelbaum. Programar e hackear lhe permitiram "sentir que o mundo não era um lugar perdido. A internet é o único motivo para eu estar vivo hoje".
Aos 20 anos, ele se mudou para Oakland e eventualmente começou a fornecer segurança tecnológica para a Rainforest Action Network e o Greenpeace. Em 2005, poucos meses após a morte do pai, viajou sozinho para o Iraque - atravessando a fronteira a pé - e configurou conexões de internet via satélite no Curdistão. Após o furacão Katrina, dirigiu até Nova Orleans, utilizando documentos falsos de imprensa para passar pela Guarda Nacional, e configurou hot spots sem fio em um dos bairros mais pobres da cidade, para permitir que os refugiados se inscrevessem para casas na FEMA [agência norte-americana de gerenciamento de emergências].
Ao voltar para casa, começou a experimentar com os cartões de tarifa utilizados pelo sistema de trânsito Bay Area Rapid Transit e descobriu que era possível fazer um cartão ter tarifa ilimitada. Em vez de tirar proveito, alertou oficiais da BART sobre suas vulnerabilidades. Entretanto, durante a conversa, Appelbaum descobriu que a BART armazenava permanentemente as informações codificadas em cada cartão de trânsito - número de cartão de crédito utilizado, onde e quando foi passado - em um banco de dados privado. Ficou indignado. "Guardar essas informações é uma irresponsabilidade", afirma. "Pago impostos e não tive escolha sobre como eles armazenam esses dados. Não é uma decisão democrática, e sim uma diretriz burocrática."
Por causa de suas preocupações com a privacidade, é fácil ver por que Appelbaum foi atraído pelo Tor Project. Ele se voluntariou como programador, mas logo ficou claro de que sua maior habilidade é o proselitismo: ele projeta a mistura perfeita de entusiasmo e medo. "Jake pode fazer uma defesa melhor do que a maioria", conta Roger Dingledine, um dos fundadores do Tor. "Ele diz: 'Se alguém estivesse te procurando, é isso o que faria', e mostra para a pessoa. Ela fica apavorada."
A internet, uma vez considerada uma força implacável de liberalização e democratização, virou a ferramenta essencial para vigilância e repressão. "Não dá para retratar informações depois que elas são divulgadas", diz Appelbaum, "e são necessárias pouquíssimas informações para arruinar a vida de alguém". Os perigos da web podem ser abstratos para a maioria dos norte-americanos, mas para uma boa parte do mundo, visitar websites restritos ou dizer algo polêmico em um e-mail pode levar a prisão, tortura ou morte.
No ano passado, cerca de 60 governos proibiram seus cidadãos de acessar livremente a internet. Há rumores de que a China tenha uma equipe de mais de 30 mil censores que excluíram centenas de milhões de websites e bloquearam uma gama excêntrica de termos - não apenas "Falun Gong" [grupo que partica atividades físicas e de metitação em busca do equilíbrio - e que é contra o Partido Comunista da China], "opressão" e "Tian'anmen" [referência à Praça da Paz Celestial], mas também "temperatura", "quente", "estudo" e "cenoura".
Em uma tarde ensolarada em São Francisco, antes de o WikiLeaks dominar as manchetes, Appelbaum está vestindo seu uniforme habitual de hacker: botas pretas, meias pretas, calças pretas, óculos pretos de aro grosso e uma camiseta com slogan (a de hoje é "fuck politics - i just want to burn shit down" ["foda-se a política, quero queimar tudo"]). Embora seu trabalho o faça ficar sentado na maior parte do dia, ele raramente fica quieto. Frequentemente pula e executa uma série de alongamentos acrobáticos rápidos. Levanta a perna contra a parede, estala o pescoço violentamente, estica o braço sobre o peito e, da mesma maneira repentina, senta novamente.
Explica que temos de tomar um táxi para pegarmos sua correspondência. Como ao ser um vegano rígido ou um mórmon, uma vida de anonimato total exige muito sacrifício. Você não pode, por exemplo, receber correspondências em casa, nem listar seu nome na lista do edifício. Todas as cartas para Appelbaum são enviadas para uma caixa postal privada, onde um balconista as recebe. Isso permite que Appelbaum - e os dissidentes e hackers com os quais lida - use o sistema postal anonimamente. A Pessoa 1 pode enviar um pacote para Appelbaum, que pode reembalá-lo e encaminhá-lo à Pessoa 2. Assim, a Pessoa 1 e a Pessoa 2 nunca têm contato direto - nem conhecem a identidade uma da outra.
O Tor funciona de maneira semelhante. Quando você usa a internet, seu computador faz uma conexão com o servidor web que deseja contatar. O servidor reconhece seu computador, anota seu endereço IP e envia a página solicitada. No entanto, não é difícil para uma agência governamental ou um hacker mal-intencionado observar toda essa transação: eles conseguem monitorar o servidor e ver quem está contatando, ou monitorar seu computador e ver quem você está tentando contatar. O Tor evita essa espionagem online ao introduzir intermediários entre seu computador e o sistema que está tentando alcançar. Digamos, por exemplo, que você mora em São Francisco e quer enviar um e-mail para um amigo, um militar de alto escalão da Guarda Revolucionária Iraniana. Se enviar um e-mail diretamente para o amigo, a rede da Guarda poderá facilmente ver o endereço IP do seu computador e descobrir seu nome e informações pessoais. Mas se você instalou o Tor, seu e-mail é roteado para um de 2.000 relays - computadores que rodam Tor - espalhados pelo mundo. Então, sua mensagem vai para um relay em Paris, que o encaminha para um segundo relay em Tóquio, que o envia para um terceiro relay em Amsterdã, de onde é finalmente transmitido para seu amigo em Teerã. A Guarda Iraniana só pode ver que um e-mail foi enviado de Amsterdam. Qualquer pessoa que espia seu computador só veria que você enviou um e-mail para alguém em Paris. Não há conexão direta entre São Francisco e Teerã. O conteúdo de seu e-mail não está oculto - para isso, é necessária tecnologia de criptografia - mas sua localidade está segura.
Appelbaum passa uma boa parte do ano comandando sessões de treinamento do Tor em todo o mundo, frequentemente realizadas em segredo para proteger ativistas sob risco de morte. Alguns, como os defensores de prostitutas do Sudeste Asiático que ensinou, tinham conhecimento limitado em computadores. Outros, como um grupo de estudantes que Appelbaum treinou em um seminário no Qatar, são altamente sofisticados: um trabalho na rede de censura do governo, outro trabalha para uma petroleira nacional, e um terceiro criou um painel de mensagens da Al-Jazeera que permite que os cidadãos façam comentários anonimamente. Na Mauritânia, o regime militar do país foi forçado a abandonar seus esforços para censurar a internet depois que um dissidente, Nasser Weddady, escreveu um guia para o Tor em árabe e o distribuiu a grupos de oposição. "O Tor fez com que os esforços do governo fossem completamente fúteis", afirma Weddady. "Eles simplesmente não tinham o know-how para combater isso."
Ao distribuir o Tor, Appelbaum não diferencia os mocinhos dos vilões. "Não sei a diferença entre uma teocracia e outra no Irã", diz. "O importante para mim é que as pessoas tenham comunicação livre de vigilância. O Tor não deveria ser considerado subversivo, mas sim uma necessidade. Qualquer pessoa em qualquer lugar deveria poder falar, ler e formar suas próprias crenças sem ser monitorada. As coisas tinham de chegar a um ponto no qual o Tor não é uma ameaça, e sim utilizado por todos os níveis da sociedade. Quando isso acontecer, venceremos."
Como o rosto público de uma organização dedicada ao anonimato, Appelbaum se vê em uma posição instável. É do interesse do Tor obter o máximo possível de publicidade - quanto mais pessoas permitirem que seus computadores sirvam de relay, melhor. Mas ele também vive em um estado de vigilância constante, preocupado que seus inimigos - hackers invejosos, regimes estrangeiros repressores, o próprio governo - estejam tentando atacá-lo. Sua concessão é utilizar um sistema de duas camadas. Ele mantém uma conta no Twitter e publicou milhares de fotos no Flickr, mas toma medidas amplas para evitar o aparecimento de qualquer informação privada - números de telefone, endereços de e-mail, fotos de amigos.
"Há graus de privacidade", afirma. "O normal hoje em dia é denunciar conspicuamente outra pessoa de uma maneira que nem a Stasi poderia imaginar. Não faço isso. Não digito meu endereço residencial em computador algum. Pago o aluguel em dinheiro. Para cada conta online, gero senhas aleatórias e crio novos endereços de e-mail. Nunca dou cheques, porque eles são inseguros - seus números de encaminhamento e de conta são o que basta para esvaziar sua conta bancária. Não entendo por que as pessoas ainda usam cheques. É uma loucura."
Quando viaja, se o laptop fica fora de vista por qualquer período de tempo, ele o destrói e joga fora; a preocupação é que alguém possa tê-lo infectado. Frequentemente é levado a medidas extremas para fazer cópias do Tor passarem pela alfândega em países estrangeiros. "Estudei como as 'mulas' que transportam drogas fazem", conta. "Quero derrotá-los no próprio jogo." Ele me mostra uma moeda de cinco centavos e a joga no chão do apartamento. Ela se abre e, dentro, há um minúsculo cartão de memória Micro SD de oito gigabytes, que contém uma cópia do Tor.
Embora o Tor tenha crescido rapidamente, a vigilância do governo na internet se expandiu com rapidez ainda maior. "É inacreditável quanto poder uma pessoa tem se recebe acesso irrestrito aos bancos de dados do Google", afirma Applebaum.
Como rapidamente observa, os regimes opressores estrangeiros são apenas parte do problema. Nos últimos anos, o governo dos EUA está silenciosamente acumulando bibliotecas de dados sobre os próprios cidadãos. A polícia pode intimar seu provedor de internet a dar seu nome, endereço e registros telefônicos. Com um mandado de Justiça, pode solicitar o endereço de e-mail de qualquer pessoa com quem você se comunique e os websites que visita. Seu provedor de telefonia móvel pode rastrear sua localização o tempo todo. "Não é só o Estado", diz Appelbaum. "Se quisesse, o Google poderia acabar com qualquer país. O Google tem sujeira suficiente para destruir qualquer casamento nos Estados Unidos."
Mas o Google não fornece fundos para o Tor?
"Amo o Google", afirma. "E amo as pessoas lá, Sergey Brin e Larry Page são legais, mas estou apavorado com a próxima geração que assumir. Uma ditadura benevolente ainda é uma ditadura. Em algum momento, as pessoas perceberão que o Google tem tudo sobre todos, e principalmente pode ver as perguntas sendo feitas, em tempo real. Ele pode literalmente ler sua mente."
Agora, com a controvérsia do WikiLeaks, Appelbaum desapareceu, escondendo seu paradeiro até dos melhores amigos. Ele suspeita que seus telefones estão grampeados e que está sendo seguido. Uma semana depois de ser interrogado em Newark, ele me liga de um lugar anônimo, depois de meu pedido de contato ter sido passado a ele por uma série de intermediários. Percebe a ironia da situação.
"Usarei o Tor muito mais do que antes - e já usei muito", diz, com a voz incaracteristicamente sóbria. "Virei uma das pessoas que passei os últimos anos da minha vida protegendo. É melhor eu aceitar meu próprio conselho."
Tradução: Lígia Fonseca