Com faroeste incômodo, cineasta assume de bom grado a função de agente provocador de Hollywood
Se não é o melhor filme da carreira de Quentin Tarantino (e talvez seja), Django Livre possivelmente é o que mais fácil se passa por “normal”. O diretor norte-americano admite que a intenção era pagar um tributo aos clássicos western spaghetti eternizados por Sergio Leone e Sergio Corbucci – portanto, não é coincidência já haver um filme chamado Django lançado há quase 50 anos, dirigido por Corbucci e estrelado pelo ícone Franco Nero (que, aliás, faz uma participação especial no Django atual. Quem piscar, passará batido pelo simpático “easter egg”).
Entrevista: "Se eu tivesse feito Cidade de Deus, haveria bem mais risadas nele", diz Tarantino.
Exageros estéticos aos moldes de Kill Bill e Bastardos Inglórios ficaram no passado. Django Livre, que estreia nesta sexta, 18, leva à risca o gênero Faroeste, sem carregar muito nos tradicionais flashbacks cartunescos e multiplicidade de cores típicos de Tarantino. Há também uma rara linearidade (nada de tramas paralelas, apesar dos 165 minutos de duração), assim como certa economia nos exageros de praxe: o sangue espirra bonito e a violência é óbvia e desmedida, mas nada que se compare à aterrorizante cena da orelha mutilada de Cães de Aluguel. Django não é exatamente light, mas não pesa tanto.
Afiado tanto na escrita quanto nas escolhas de ângulos, Tarantino fugiu de complicações, sem misturar as bolas. Gastou anos elaborando o roteiro de Django Livre, aparando arestas e incrementando os detalhes, sem pressa ou sofrimento, no conforto de casa (leia mais sobre o processo criativo aqui). O esforço lhe rendeu o prêmio Globo de Ouro de Melhor Roteiro e fez dele um dos favoritos ao mesmo prêmio na cerimônia do Oscar, que ocorrerá no final de fevereiro. Se a ideia é fazer um bangue-bangue à italiana, que seja da maneira apropriada e sem economizar nos clichês. Mais literalidade tarantinesca, impossível.
À vontade aos 49 anos e com um estilo para chamar de seu, o diretor parece se divertir com suas próprias manias: seja tirando astros consagrados da zona de conforto (Jamie Foxx se encontrou na pele sofrida de Django, enquanto Leonardo DiCaprio e Samuel L. Jackson brilham como os vilões detestáveis da vez – ambos mereciam indicações ao Oscar), trazendo de volta acertos recentes (o austríaco Christoph Waltz deve levar novamente o Oscar de Ator Coadjuvante – já havia ganho por Bastardos Inglórios), explorando o surrealismo nos longos diálogos e causando gargalhadas nervosas a partir de perversões inesperadas (a cena que mostra membros da Ku Klux Klan reclamando dos capuzes brancos é algo de inacreditável). As participações especiais aqui e ali só temperam a experiência – além de Franco Nero, procure pelas aparições relâmpago de Don Johnson, Jonah Hill, Robert Carradine (protagonista de A Vingança dos Nerds) e, obviamente, do próprio Tarantino.
Entrevista: Christoph Waltz fala sobre a parceria com Tarantino.
Django Livre não foi feito para descer facilmente – é uma obra de Quentin Tarantino, afinal de contas. E como é de praxe, ele não parece preocupado em aliviar a barra ou incomodar menos. Os temas abordados são delicados, espinhosos – racismo, escravidão, tortura –, e não há quem consiga pensar a respeito sem tropeçar na autopatrulha. Mas se não ameniza as discussões desagradáveis, o cineasta pelo menos é gentil o bastante para transformar tudo em entretenimento dos bons. E que venha a próxima provocação.