"Nesse caso, é uma história real. E com isso vem uma série de responsabilidades, porque você não pode mudá-la", afirma o diretor e ator
O texto abaixo foi publicado na edição 74 da Rolling Stone Brasil.
Ben Affleck não se abala pelo fracasso. Nem quando ele vem em série, nem quando ele vem depois de uma grande glória (no caso, um Oscar de melhor roteiro ao lado do amigo Matt Damon por Gênio Indomável, em 1997). Armageddon (1998), lançado logo depois, não foi uma falha do ponto de vista econômico, mas foi do ponto de vista de carreira: o papel insosso de Affleck na igualmente fraca trama dirigida por Michael Bay foi visto por muita gente como um desvio deprimente na ascensão do rapaz. Mas o mais deprimente ainda estava por vir – depois de protagonizar filmes como Pearl Harbor (2001), ele fez a pior de suas escolhas, o terrível Demolidor – O Homem sem Medo (2003). Não bastasse isso, deixou de ser lembrado pelo trabalho para se tornar notícia de tabloide com o bastante exposto relacionamento com a cantora e atriz Jennifer Lopez (o casal, na época, foi apelidado de “Bennifer”).
Mas Affleck é perseverante. Mesmo após ter invertido sua imagem de ator e roteirista promissor para “apenas mais um galã raso de Hollywood”, ele não se abateu – e virou o panorama a seu favor. Tornou-se diretor, com os bons Medo da Verdade (2007) e Atração Perigosa (2010), e agora é um dos grandes candidatos à corrida pelo Oscar com Argo, o qual também produziu e protagonizou. O longa conta a história real de um agente da CIA, Tony Mendez, que bola um plano mirabolante para resgatar seis norte-americanos escondidos durante a Crise dos Reféns no Irã, iniciada em 1979, que culminou em 52 cidadãos dos Estados Unidos mantidos como prisioneiros durante 444 dias. No meio disso, há a relação distante de Mendez com o filho e o mundo glamoroso do cinema – o plano é fingir que os refugiados fazem parte de uma equipe de filmagem canadense, em busca de locações para um filme de ficção científica chamado Argo.
“A história do Teerã e do Irã como um todo, da política, sempre foi uma coisa pela qual me interessei”, diz um bem-humorado Affleck em Los Angeles, alguns meses antes da estreia do filme. “E tem o lado divertido, a Hollywood dos anos 70, que para mim foi a época de ouro.” Sorridente e piadista, ele não se envergonha ao olhar para as derrapadas do passado, e mantém uma única certeza: ainda vai cair muito no futuro. “Sei que vou falhar em algum ponto, porque nem todos os filmes funcionam.”
George Clooney comprou os direitos para filmar Argo anos atrás. Como você se envolveu?
George e Grant [Heslov] têm uma produtora chamada Smokehouse. Eles desenvolveram o filme. A Warner mostrou para mim, eu li e achei sensacional. Liguei para o George e disse: “Isso é incrível, eu realmente quero fazer. O que você acha?” Ele aceitou, e eu pensei que era bom demais para ser verdade, porque tudo foi dando muito certo.
O que te animou mais? Argo é muito diferente do que você já fez, distante da cena do crime de Boston, pano de fundo para os dois longas que dirigiu anteriormente.
Uma coisa que me deixou animado foi o fato de não ser um filme de crime em Boston [risos]. Fiquei instigado, porque tinha um monte de coisas nas quais eu estava interessado. A história do Teerã e do Irã como um todo, da política, sempre foi uma coisa pela qual me interessei. E a outra foi o lado divertido, a Hollywood dos anos 70, que para mim foi a época de ouro.
O fato de você ser pai influenciou a abordagem da relação do seu personagem com o filho?
Ter filhos é uma daquelas coisas em que você divide como “antes e depois”. Não muda todo mundo da mesma forma, mas te muda independentemente de qualquer coisa. Para mim, é um aspecto muito poderoso da trama. Eu me ative mais a essa parte da história, só que ficou muito longo, deve entrar no DVD.
Mas a paternidade fez nascer uma vontade de contar histórias mais relevantes, que não sejam apenas entretenimento?
Nesse caso, é uma história real. E com isso vem uma série de responsabilidades, porque você não pode mudá-la. Mas não sei fazer um filme se eu não conseguir sentir que é real. Mesmo nos outros dois filmes que fiz, ficcionais, usei o máximo de elementos reais que pude. Faço isso com pesquisa. E Argo teve muita pesquisa.
E o que aconteceu com o roteiro real de Argo? Ainda está por aí?
[Risos] Ainda está por aí. Eles mudaram o nome, antes se chamava Lord of Light. Nós inventamos as falas que aparecem no filme, porque não somos donos do roteiro original.
Este é um filme que envolve política, e você se envolve em questões políticas. Qual é a sua opinião sobre os Estados Unidos quando o assunto é o Oriente Médio?
Bem... Obviamente, o Iraque e o Afeganistão têm sido intervenções dolorosas para os Estados Unidos, e representam tempos difíceis para as pessoas de lá e para os soldados que estão lá. O caso do Iraque foi baseado em um erro, em algo que não era verdade.
Você acredita que os acontecimentos mostrados no filme têm alguma relação com o cenário que vemos hoje?
Acho que há muitos paralelos interessantes. Primeiro, as consequências não intencionais inerentes a revoluções. As pessoas que arquitetaram a revolução de 1979 o fizeram pela liberdade, era uma revolução do povo, democrática. O que ninguém sabia na época era que todo mundo ia ser meio que colocado de lado disso pelos muçulmanos radicais. E que o aiatolá Khomeini iria tomar essa revolução e construir em cima disso a República Islâmica do Irã. Isso faz com que nos questionemos sobre as revoluções que estão acontecendo agora. As coisas nem sempre saem como queremos. E uma das coisas que a trama inclui é o fato de os Estados Unidos terem, por causa da Guerra Fria, se envolvido com o governo do Irã, com quem agora não se relacionam bem. Eu tentei não adotar nenhuma visão política no filme, apenas apresento os fatos como eles são para que as pessoas possam, talvez, tirar suas próprias conclusões. Tentei ser o mais preciso possível.
Quem viu Argo antes de finalizado?
Obviamente George e Grant, que também produziram o filme. Não sei quantas pessoas há por aí que são tão perspicazes em relação a filmes quanto George. Sempre mostro ao Matt [Damon] tudo que faço ou mostro ao meu irmão [o também ator Casey Affleck], lemos roteiros um para o outro. Às vezes também mostro coisas ao J.J. Abrams, que mora bem perto de mim. Nesse caso, Matt e George foram os principais. Eu quis mostrar ao Brad [Pitt], mas ele estava de partida para Londres na época. Bradley Cooper também viu, fez observações ótimas. Ele é um velho amigo da minha esposa, também atuou em Alias.
Matt Damon sempre falou em não querer morar em Los Angeles. Para você, ir morar na cidade foi uma decisão familiar?
O Matt agora mora muito perto da minha casa! Eu sempre disse: “Cara, você tem que mudar para cá”. Fiquei em cima dele para vir morar aqui para que nossos filhos pudessem estudar na mesma escola, crescer juntos. Ele finalmente cedeu, veio morar em Los Angeles há poucos meses. As nossas esposas simplesmente não acreditam: “Espera aí, o Matt está vindo aqui? Você acabou de voltar da casa dele!” [risos] É como voltar ao colegial, tem sido muito divertido.
Há esperança de um novo roteiro juntos?
Há esperança, definitivamente. Acho que é algo muito possível agora.
É apenas a segunda vez que você dirige e atua em um mesmo filme. Está ficando mais fácil fazer os dois ao mesmo tempo?
Ficou um pouco mais fácil. Da primeira vez eu não sabia se conseguiria fazer, então tinha um terror que não teve neste. Mas comecei a perceber como usar melhor meu tempo. Tempo e energia são as coisas mais importantes. Você tem que decidir o que não fazer. Em Argo eu soube melhor o que delegar para outras pessoas. Definitivamente consigo ver um futuro em que eu não atuo nos filmes que dirijo, mas por enquanto ainda é emocionante fazer ambos.
Você se vê como diretor em tempo integral?
Espero poder fazer muitas coisas diferentes. Esse negócio é difícil de muitas formas: é difícil manter uma carreira como diretor, é difícil manter uma carreira como ator, como roteirista. Então, é preciso trabalhar duro.
Mas, tendo uma família, como lidar com a carga de trabalho que tantas posições conjuntas geram?
Minha esposa [a também atriz Jennifer Garner] é realmente maravilhosa, e faz com que a família fique bem quando estou tão ocupado. Acho que não tem muita gente que faria isso. Jennifer entende meu trabalho. Antes deste filme, ela foi para Atlanta para fazer A Estranha Vida de Timothy Green, então tentei retribuir. Só que não é a mesma coisa, porque para ela são dez semanas de trabalho e para mim é um ano e meio. Então, dou crédito a ela pelo que funciona na nossa família [risos].
Você mostra seus projetos para ela, pede para ler roteiros?
Peço, mas ela sempre diz: “Se você quer fazer...” Acho que é para eu não reclamar com ela caso algum não dê certo: “Mas você disse para eu ir em frente!” [Risos]
Essa troca é necessária para fazer um casamento dar certo em Hollywood?
É o que tentamos fazer. Não sei como outras pessoas fazem. Olho para Brad [Pitt] e Angie [Jolie], vejo eles com os filhos e tendo de lidar com o adicional de ter um tabloide dizendo que eles estão se separando toda semana. E ainda estão aí. Às vezes há um pouco de sacrifício, é preciso falar não a algum trabalho.
Você acha prejudicial o número de remakes, sequências e prequels em Hollywood?
Muita gente diz que vai ao cinema apenas para se entreter, que a vida e o trabalho já são suficientemente difíceis e que o cinema é uma diversão. Então, algumas pessoas veem e amam um filme, e querem uma sequência. Eu não julgo isso. A essa altura, o fato de um filme fazer dinheiro, independentemente do filme, é encorajador para mim, porque significa que as pessoas ainda estão indo ao cinema, em uma época em que é possível ver filmes em iPads, iPods, nanoaparelhos.
Vocês fez filmes de entretenimento como ator, mas não como diretor. Isso é consciente?
Não é consciente, eu adoraria fazer um filme... Por exemplo, um cara como Ridley Scott, ele é incrível, um visionário brilhante que fez Alien, Blade Runner. Você olha para Prometheus, é uma realização técnica fenomenal. Eu admiro isso, adoraria tentar fazer um filme em que tivesse todas essas ferramentas a minha disposição. Não conseguiria fazer tão bem quanto ele, mas acho que poderia fazer algo interessante.
O seu trabalho é muito variado, para o bem e para o mal. Houve um divisor de águas?
Acho que você só consegue perceber realmente mudanças quando coloca as coisas em retrospecto, olhando o panorama todo, do início ao fim. Eu experimentei a minha vida como uma série de altos e baixos. Acho que sinto o agora, entre os 30 e os 40 anos, como a melhor época para o meu trabalho. Sei que vou falhar em algum ponto, porque nem todos os filmes funcionam. E não consigo achar sequer um diretor que eu admiro ou que considero um gênio que não tenha feito um filme do qual eu não tenha gostado.
Mas houve um período em que você não era levado a sério.
Bom, fiquei um tempo andando em círculos, fiz filmes que não deram nem um pouco certo, entrei nesse círculo de tabloides de um jeito muito ruim. E pensei: “Tenho que sair disso. O que quer que seja, não pode ser pior que isso do ponto de vista profissional”. E quis sair disso tudo e começar a dirigir. Então, comecei a trabalhar no projeto de Medo da Verdade. Nessa época eu me casei, não sei se as duas coisas têm a ver uma com a outra.
O Demolidor foi provavelmente sua lição mais difícil.
Hum, Demolidor é uma lição dolorosa de ensinar [risos]. Bom, eu fiz Procura-se Amy, Indo Até o Fim, Jovens, Loucos e Rebeldes, Barrados no Shopping e Gênio Indomável. Filmes, em geral, de baixo orçamento. E depois Armageddon, que era um mundo completamente diferente. Eu nunca tinha visto um estúdio como aquele, pensei: “Uau, isso é Hollywood”. Foi uma transição difícil, não era baseado nos personagens e em diálogos, era baseado em uma história maior, envolvendo asteroides e naves espaciais. E eu não sabia fazer isso. É muito difícil fazer grandes filmes de ação. Achei complicado, talvez outros atores não achem.
E agora, quais são os próximos passos?
Caramba, acabei de entregar esse filme! O que mais você quer? [risos] Bom, eu faço um pequeno papel em um filme chamado Runner, Runner, com Justin Timberlake. É uma história muito interessante.