Rolling Stone Brasil
Busca
Facebook Rolling Stone BrasilTwitter Rolling Stone BrasilInstagram Rolling Stone BrasilSpotify Rolling Stone BrasilYoutube Rolling Stone BrasilTiktok Rolling Stone Brasil

Para novo disco, Macklemore teve de enfrentar seus demônios e seu lugar como branco no hip-hop

No segundo álbum com Ryan Lewis, rapper norte-americano se arrisca com canções menos pop

Jonah Weiner Publicado em 19/05/2016, às 13h48 - Atualizado às 13h58

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Macklemore - Mark Seliger
Macklemore - Mark Seliger

Macklemore chega pontualmente ao local combinado. Ele surge em um Cadillac DTS Biarritz 2008 preto, com vidros escurecidos, capô de vinil da cor creme, pneus com faixas brancas e leiras de cactos minúsculos pintadas nas laterais traseiras. O astro do hip-hop nascido em Seattle e o maior rapper branco a ter surgido depois de Eminem se tornou obcecado por Cadillacs na adolescência, quando ouvia gangsta rap da Califórnia no walkman; comprou o DTS há alguns anos “com a primeira grana de verdade” que ganhou no rap. Ele tem um braço apoiado no volante e exibe no pulso um Rolex President de ouro 18 quilates, incrustado com diamantes.

Contrastando com a aura de ostentação, há uma cadeirinha de plástico atrás dele: pertence à sua filha de 9 meses, Sloane. Outra discrepância é a grade amassada do carro: “Fiz esse estrago ontem”, diz. “Estava dirigindo, com o celular na mão, olhando o World Star” um site de compartilhamento de vídeos dedicado à cultura hip-hop “e pensando: ‘É uma estupidez eu estar fazendo isso’. Bem nesse momento bati na traseira de um caminhão”.

Ele sorri, balançando a cabeça, e saímos. É um dia de janeiro em Seattle, e Macklemore, cujo nome verdadeiro é Ben Haggerty, tem preocupações maiores ocupando a mente. Está se preparando para lançar This Unruly Mess I’ve Made (que saiu no nal de fevereiro), sexto álbum da carreira e o segundo com o parceiro criativo e arquiteto musical Ryan Lewis. O LP de estreia da dupla foi o megassucesso The Heist (2012), que ganhou disco de platina e controversamente derrotou Kendrick Lamar, Drake, Jay Z e Kanye West na disputa pelo Grammy de Melhor Álbum de Rap, em 2014. Foi um disco que lançou, entre outros hits, a inescapável “Thrift Shop”, que até o momento rendeu impressionantes 882 milhões de visualizações no YouTube.

A primeira música de trabalho de This Unruly Mess I’ve Made, “Downtown” uma opereta de rap da velha guarda e teatralidade à la Freddie Mercury , vendeu mais de 750 mil cópias só nos Estados Unidos. Os compromissos de Macklemore para promover o álbum estão a todo vapor. No entanto, antes da agenda pro ssional, o rapper de 32 anos precisa resolver alguns assuntos por ser alcoólatra e viciado em drogas em recuperação, ele participa sempre que pode de reuniões de apoio a adictos.

Hoje, ele passa por uma. Quando chega, senta-se em uma cadeira velha, brinca ansiosamente com o fecho do capuz e ouve as histórias de homens e mulheres que acabou conhecendo intimamente. Agradece a eles por compartilhar e, então, fala sobre como embora não tenha bebido uma gota de álcool em sete anos teve uma recaída; várias recaídas. Detalha como mentiu a respeito para a esposa, Tricia Davis, com quem se casou no ano passado. E diz aos colegas viciados que está assustado: ao sair em turnê, não sabe bem como conseguirá se manter limpo sem esse grupo. “Se eu não priorizar minha recuperação, logo carei péssimo ou chapado”, ele me diz depois. “A droga que tomo depende da recaída. Pode ser um comprimido. Xarope. Erva. Algo que eu cheire. Algo que eu coma. Não importa–se coloco alguma coisa no meu corpo, quero mais.”

Macklemore me pede para não especificar qual programa de recuperação ele segue, acrescentando: “Não estou te trazendo porque quero ‘mostrar ao jornalista’. Quero ser transparente, e é isso o que estou fazendo hoje”. A relação dele com as drogas começou na adolescência e nunca foi caracterizada pela moderação. “Quando uso, a única coisa em que penso é como vou conseguir mais”, conta. Nos anos de juventude, “chapado de erva ou bebaço”, aprontou de tudo: roubou dinheiro no trabalho que tinha no Burger King, quebrou “vidros de carro para roubar trocados e comprar garra nhas de bebida”, andou em carros roubados pelos amigos. “Sempre fui atraído por coisas sujas”, afirma.

Para ele, que tinha uma vida nanceira confortável, foi uma questão de “rito de passagem, mudanças hormonais, tentar ser conhecido”. No grafite e no hip-hop, entretanto, encontrou aspirações artísticas que, se levadas a sério, exigiriam ousadia e devoção. Incentivando esse lado do filho, os pais o mandaram para um curso de artes no Pratt Institute, em Nova York. Não foi uma coisa boa: “Passei o verão inteiro bêbado e chapado, sem fazer arte, e tive de inventar uma mentira para eles, dizendo que o ar condicionado vazou sobre as minhas obras e que precisei jogar tudo fora”. Foi no Pratt onde conheceu um garoto que lhe disse: “‘Mano, você é alcoólatra’. Eu nunca tinha pensado nisso. Sabia que coisas aconteciam quando eu usava drogas e bebia, mas nunca tinha aplicado essa palavra a mim mesmo”.

Mais tarde, quando pergunto há quanto tempo está limpo, ele afirma que prefere “não listar momentos de sobriedade”. “O importante é dizer: ‘Ferrei tudo, estou fodido, menti’. Vivo um programa de recuperação há um ano e meio e tem sido ótimo 99% do tempo.” Acrescenta: “Fico sentado naquela sala me sentindo péssimo com um Rolex no pulso, um Cadillac no estacionamento e uma casa em Capitol Hill. E vou olhar para os outros participantes e ver gente mais conectada espiritualmente e realizada do que eu, tendo muito mais serenidade e paz na vida”.

Ele faz uma comparação entre o que acontece nas reuniões e atingir suas próprias metas artísticas: “Ver um homem chorar diante de várias pessoas, pedir desculpa e sair com mais poder e respeito, de uma maneira verdadeira? Luto por isso quando faço música. Escrevo o primeiro rascunho, rasgo e vou mais fundo. Mergulho. Quando alguém é verdadeiro, isso incendeia o lugar. Então, para mim, se estou compartilhando algo ou compondo uma música, minha pergunta é: ‘O que estou escondendo?’ É exatamente isso que preciso dizer”.

O trabalho em This Unruly Mess I’ve Made começou em 2014 e progrediu lentamente, devido tanto aos problemas pessoais de Macklemore quanto às ambições da dupla. Ryan Lewis, com o bolso cheio do dinheiro de The Heist, esbanjou nos sons: somente para a abertura do álbum – a música “Light Tunnels” –, contratou a percussão do time de futebol americano Seattle Seahawks, um coral, uma “seção de cordas com algo entre 12 e 15 instrumentos”, uma harpista e um tocador de dulcimer. A faixa levou mais de um ano para ficar pronta. Enquanto isso, Macklemore tentou superar um bloqueio criativo com exercícios de fluxo de consciência na máquina de escrever – ideia inspirada por um livro de autoajuda chamado The Artist’s Way: A Spiritual Path to Higher Creativity (“O Modo do Artista: Um Caminho Espiritual para Mais Criatividade” , de Julia Cameron).

Lewis e Macklemore usaram parte do que ganharam com The Heist para construir seus próprios estúdios, então o álbum, apesar da complexidade de sua elaboração, “custou menos que um segundo álbum comparável teria custado em uma grande gravadora”, afirma o empresário deles, Zach Quillen. “Eles gastaram menos de US$ 500 mil.”

Em Unruly Mess, o lado confrontador que Macklemore mostrou com mais pungência no início da carreira está de volta. Nenhuma faixa demonstra tanto isso quanto “White Privilege II”, sucessora de uma canção de 2005 sobre o mesmo tema. O incentivo para a música veio no final de 2014, quando Macklemore, espantado com a absolvição de Darren Wilson no inquérito pela morte de Michael Brown, foi fotografado participando de um protesto do Black Lives Matter em Seattle. Um veterano do hip-hop (cujo nome Macklemore não quer divulgar) viu essas imagens, enviou uma mensagem direta pelo Twitter e depois ligou para ele. “Elogiou muito as músicas que fazemos e depois disse: ‘Você tem uma plataforma, mas o silêncio é uma ação e, neste momento, você está sendo silencioso. Tem uma percepção sobre essas questões da qual precisa falar e, como um rapper branco, é importante envolver seu público’” – ou seja, brancos.

A faixa passou por um amplo processo de revisão: Macklemore envolveu diversos ativistas, músicos, intelectuais e acadêmicos e a reescreveu com base no feedback deles. “Como uma pessoa branca entrando em qualquer tipo de obra antirracismo, você precisa se perguntar constantemente: ‘Qual é minha intenção?’ Repense, repense, repense”, afirma. “Não há uma versão perfeita dessa música”, completa Lewis.

Contraditoriamente, o jeito consciente de Macklemore tem um histórico de metê-lo em encrenca. Em 2014, depois que The Heist ganhou o Grammy, ele foi criticado por enviar uma mensagem privada a Kendrick Lamar pedindo desculpas e, depois, postar uma imagem da tela no Instagram, o que muita gente achou ser um ato interesseiro de contrição. Alguns críticos LGBT consideraram “Same Love” condescendente; outros acharam que Macklemore não deveria criticar o hip-hop, no segundo verso da faixa, como amplamente homofóbico.

A validade das letras de Macklemore pode variar dependendo de quem sente que foi tocado por elas: gays não precisam da permissão dele para se amarem, claro, mas algum ouvinte reflexivamente homofóbico pode acabar questionando seus próprios preconceitos ao escutar “Same Love”. Sobre as críticas que surgiram em reação a “White Privilege II”, Macklemore diz: “Essa música foi como um fluxo de pensamento em voz alta. Não foi tipo ‘como posso nocautear os críticos? Como podemos nos isentar deste ângulo, desse ângulo e daquele ângulo?’ Foi: ‘Posso continuar seguro e à vontade no meu privilégio, não falar nada e o sistema se perpetuar ou posso tentar entrar na conversa, sabendo que não tenho todas as respostas e que tenho muito a aprender?’”

Quando menciono brancos comuns que podem ficar incomodados com o cara de “Thrift Shop” dizendo em um rap que a bandeira dos Estados Unidos é um símbolo de supremacia racial, Macklemore responde: “Em algum momento, essa faixa pode afetar as vendas ou a turnê, mas simplesmente não importa contanto que eu esteja me comunicando que eu esteja me motivando a falar a verdade.”

Fuga do Fácil

No segundo disco com Ryan Lewis, rapper se arrisca com canções menos pop

Embora tenha estourado com duas músicas festivas – “Thrift Shop” e “Can’t Hold Us” –, em ambas Macklemore teve como inspiração a rejeição ao conformismo e a proteção da autoconfiança. Desde o início da carreira, o que tem amarrado a música de Macklemore é a honestidade e a autoconsciência do rapper.

Isso continua verdadeiro em This Unruly Mess I’ve Made. Na faixa de abertura, “Light Tunnels”, Macklemore descreve a indústria do entretenimento como uma farsa movida a insegurança e faminta por congratulações; em “Kevin”, inspirada pela overdose de remédios de um amigo, ele acusa as grandes indústrias farmacêuticas de serem uma gangue de assassinos buscando o lucro e de serem protegidas por um sistema de justiça hipócrita. Mais ambiciosamente e complicadamente , o rapper dedica nove minutos a “White Privilege II”, que levanta várias perguntas sobre a sociedade racista em que vivemos e a própria cumplicidade de Macklemore, como um rapper branco, dentro dela. Nenhuma dessas faixas reflete o que se chamaria de impulsos tradicionalmente comerciais e, embora Macklemore negue que o imenso sucesso de The Heist tenha levado a um afastamento consciente da acessibilidade pop, o empresário da dupla, Zach Quillen, reconhece que uma faixa como “White Privilege II” pode alienar os fãs de “Thrift Shop”. “Ela pode espantar uma parte do nosso público”, afirma. “Por um lado, tivemos um sucesso com The Heist muito maior do que conseguiríamos prever, então temos capital para gastar. Por outro lado, é insanamente arriscado.”