Com um line-up feminino, o evento realizado nos dias 7 e 8 de março vai na contramão da indústria, no qual 87% dos nomes que lideram a primeira linha do line-up de festivais são do sexo masculino
A indústria musical deveria ser para todos. Mas os números provam o contrário. Entre as músicas mais populares mundialmente dos últimos sete anos, apenas 2% tem mulheres creditadas como produtoras, 12% aparecem como compositoras e 22% são artistas do sexo feminino, segundo uma pesquisa da USC, na Califórnia.
No Brasil, de acordo com a BBC Reality Check e a União Brasileira de Compositores, 87% dos nomes que lideram a primeira linha do line-up de festivais são do sexo masculino. Em uma década de profundidade no espaço político, na música - de certa forma, um, consequência do outro - e de reinvenção em como consumir esses conteúdos, essa desproporção de gênero na indústria soa gritante.
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Contra essa disparidade no mercado brasileiro, surgiu o Festival GRLS, uma iniciativa cultural focada em celebrar a música feita por mulheres e pessoas não-binárias, encabeçada por Paola Wescher em parceria com a Time For Fun.
"É um projeto que foi o tempo todo pensado em promover a igualdade de gênero e identidade", conta a produtora em uma entrevista para a Rolling Stone Brasil. "A nossa revolução não é excludente".
O evento, que será hospedado no Memorial da América Latina, em São Paulo, entre os dias 7 e 8 de março, tem um line-up 100% feminino que vai do pop radiofônico do grupo Little Mix, o rap enfático de Tierra Whack até o umbandafunk de Mc Tha. Além de celebrar essa diversidade de ritmos, o festival promoverá discussões sobre o papel da mulher e a inclusão do gênero no cenário musical brasileiro.
"Fiz uma reunião com o artístico da Time For Fun para tentar criar uma coisa especial, já que o Dia das Mulheres ia ser em um final de semana. Todo mundo abraçou a ideia e começamos a pensar em um festival. Sentamos com uma equipe de mulheres para entender como queríamos fazer, o que esse festival precisava ter. Ele não podia ser só de música, porque temos uma série de questões para levantar", conta. "Esse festival é uma causa".
Com uma indústria inteiramente voltada para o entretenimento masculino, o evento aparece como um farol para guiar os curadores e produtores a reestruturarem as bases de como realizar um festival em 2020.
Segundo um estudo realizado pela Thabata Arruda, produtora cultural, a presença feminina nos festivais brasileiros de 2016 a 2018 não ultrapassou a margem de 20%, sendo 15% em 2016, 15% em 2017 e 20% em 2018. Na pesquisa, foram analisados 76 festivais de diferentes portes e públicos entre eles o Lollapalooza (SP), Bananada (GO), João Rock (RP) e No Ar Coquetel Molotov (PE) e 1.972 artistas desses line-ups.
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A edição de 2019 do João Rock, por exemplo, entre 23 artistas presentes na programação, apenas a Pitty foi escalada. O Lollapalooza 2019 também não foi representativo para o gênero feminino: entre as 60 atrações escaladas, apenas 10 foram mulheres. Enquanto o Rock in Rio 2019, que apresentou um saldo positivo ao ter um line-up com o maior número de artistas negros, perdeu para as edições de 1985 e 2011 na proporção de mulheres na programação principal.
Apesar dos tropeços, contudo, movimentações para tentar reestruturar esse cenário tem acontecido - ainda que minimamente. O festival No Ar Coquetel Molotov é um bom exemplo de iniciativa. Na edição de 2019, a organização do evento aderiu à campanha Keychange, que encoraja mulheres a transformarem os grandes festivais de música ao equilibrarem os gêneros na programação e incluírem pessoas trans (que tinham entrada gratuita). O Popload (SP), também idealizado por Wescher, ao longo dos anos se destacou pela representatividade feminina ao enfatizar mulheres com carreiras solo e bandas mistas nos line-ups dos festivais.
Para a produtora, a luta pelas mulheres na escalação desses festivais sempre existiu. "São ondas maiores e menores, mas estamos em um momento melhor e muito importante para as mulheres na música".
Tendo isso em vista, Wescher concretizou a ideia de um festival com uma programação inteira formada por mulheres e uma equipe de produção e ‘staff’ 70% feminina.
"Tivemos sim dificuldades para conseguir levantar o festival. Desde conseguirmos aprovar o projeto até ele ir para a rua", conta.
"É o nosso primeiro ano. As pessoas têm receio de entrar na causa, de patrocinar, de colocar a cara. Os agentes internacionais também não tinham certeza se íamos conseguir montar um line-up, mas as coisas caminharam surpreendentemente bem".
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Com Kylie Minogue, Tierra Whack, Little Mix, IZA, Gaby Amarantos, Linn da Quebrada, Mc Tha e Mulamba somada à programação dos Talks, uma área do festival que envolve selos, coletivos e ONGs com oficinas, imersões e bate-papos, o GRLS almeja ser um marco no circuito dos festivais do Brasil que promove a música, discussão e transformação.
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