Rolling Stone Brasil
Busca
Facebook Rolling Stone BrasilTwitter Rolling Stone BrasilInstagram Rolling Stone BrasilSpotify Rolling Stone BrasilYoutube Rolling Stone BrasilTiktok Rolling Stone Brasil

Primeiro contrato, orquestração e experimentalismo: relembre a relação de George Martin com os Beatles

Produtor – morto na última terça, 8 – comandou as gravações de quase todos os discos do quarteto de Liverpool

Rolling Stone EUA Publicado em 09/03/2016, às 18h21 - Atualizado às 18h37

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
O produtor George Martin e Paul McCartney trabalhando em estúdio em 1966 - Rex Features/AP
O produtor George Martin e Paul McCartney trabalhando em estúdio em 1966 - Rex Features/AP

O produtor George Martin – que morreu na última terça, 8, aos 90 anos – encontrou os Beatles em 1962. Na época, eles eram cultuados em partes da Inglaterra, mas tiveram pouco sucesso em conseguir um contrato para gravar. O empresário do quarteto, Brian Epstein, abordou o produtor, então na EMI, e fez ele concordar em escutar uma fita demo do grupo.

“A gravação, para não falar mais, era sem dúvidas um estrondo”, escreveu o produtor na autobiografia dele, All You Need Is Ears (1979). “Eu poderia muito bem entender que as pessoas recusaram aquilo, mas havia uma qualidade sonora incomum, uma certa crueza que eu nunca tinha visto antes. Tinha também o fato de que havia mais de uma pessoa cantando.”

Ele chamou os Beatles para irem aos estúdios em Abbey Road, no dia 6 de junho de 1962, para uma sessão teste. A banda estava exultante por ter a chance de gravar o material deles, que na época já incluía “Love Me Do” e “P.S. I Love You”.

Havia uma clara diferença cultural entre o mais velho e bem vestido Martin e os rapazes desajeitados. Quando o produtor perguntou aos Beatles se eles tinham algum problema com a sessão, George Harrison respondeu: “Bom, tem a sua gravata, para começo de conversa”. Mas eles, todavia, respeitaram Martin. Quando ele sugeriu que o baterista Pete Best não estava conseguindo acompanhar o resto do grupo, os quatro concordaram em demiti-lo.

Semanas depois, Martin ofereceu aos Beatles o primeiro contrato de gravação deles. Quando eles retornaram com um novo baterista, Ringo Starr, para registrar “Love Me Do”, Martin não titubeou e insistiu que o novo baterista deveria tocar tamborim enquanto um baterista de estúdio, Andy White, sentaria atrás dos tambores.

Assim que ficou evidente que Ringo ficou extremamente magoado, ele o deixou tocar em outro take da canção. As duas versões foram eventualmente lançadas.

Quando “Love Me Do” se tornou um hit, Martin se sentiu pressionado a gravar um álbum inteiro com a banda rapidamente, e a partir daquele ponto ele se tornaria o produtor fixo dos Beatles. “Parecia que havia um barril sem fundo de músicas”, disse Martin certa vez. “E as pessoas me perguntaram de onde aquilo saiu. Quem sabe?”

Os Beatles gravaram o disco de estreia, o LP Please Please Me (1963), durante um único dia em fevereiro daquele ano. Mas conforme as músicas se tornaram mais complexas, as sessões passaram a ser significantemente mais longas.

No começo, as contribuições de Martin eram relativamente pequenas. Com “Yesterday”, de 1965, ele deixou uma marca indelével no cancioneiro do quarteto ao acrescentar uma orquestra à canção. E isso foi algo que ele explorou profundamente no ano seguinte.

“Minha abordagem [com as cordas de ‘Eleanor Rigby’] foi fortemente influenciada por Bernard Herrmann e a trilha sonora que ele fez para o filme Psicose”, disse o produtor em entrevista de 2012. “Ele tinha um jeito de fazer violinos soarem ferozes. Aquilo me inspirou a ter os instrumentos de corda sendo tocados com notas curtas e de um jeito mais agressivo, dando à canção um bom empurrão. Se você ouvir as duas coisas, vai entender a conexão.”

Martin também tocou em algumas das músicas dos Beatles, incluindo o piano em “In My Life”. “Eu não conseguia tocar o piano na velocidade que ele precisava ser tocado, do jeito que eu tinha composto”, disse ele em outra entrevista de 2012. “Eu não era tão bom pianista, mas se tivesse um pianista muito bom, ele conseguiria fazer aquilo.”

“Eu não conseguia incluir todas as notas”, seguiu ele, contando a história do solo da canção. “Uma noite eu estava sozinho e toquei as notas todas em metade da velocidade, mas em uma oitava abaixo do piano. Quando acelerei a fita à velocidade que deveria ser, as notas estavam no andamento e na tonalidade correta.”

Na época de Revolver (1966), ele apresentou à banda o conceito de criar novas músicas tocando as fitas ao contrário – uma abordagem que eles usaram em “Tomorrow Never Knows”. “Apresentei a John, e ele ficou deslumbrado”, disse Martin à Rolling Stone EUA em 1976. “Eles vinham e me traziam fitas de todos os tipos e nós tocávamos para dar risada. Quando fizemos ‘Tomorrow Never Knows’, estavam todas as fitas que eles tinham feito em casa, em loops.”

A idade e distância cultural de Martin em relação aos Beatles se tornou um benefício conforme a música deles foi ficando mais psicodélica. “As drogas certamente afetaram a música”, disse o produtor na mesma entrevista. “Mas não afetou a produção do disco porque eu estava produzindo. Eu vi a música crescer, mas preferi vê-la como uma pintura de Salvador Dalí. Não achei que a razão daquilo eram as drogas. Achei que era porque eles queriam seguir um caminho impressionista.”

Perto do fim de 1966, o grupo tocou “Strawberry Fields Forever” tanto como um rock tradicional quanto em versão orquestrada luxuriante com metais. Lennon não conseguia escolher entre as duas, então ele sugeriu que tentassem, de alguma maneira, misturá-las, apesar de Martin ter dito a ele que estavam em tonalidades e andamentos diferentes.

“Não dá para consertar isso” dizia ele. Martin aceitou o desafio, acelerando uma versão, desacelerando a outra e combinando-as. O resultado final foi um dos registros dos Beatles favoritos de Martin.

Uma das coisas mais memoráveis em relação a Martin é que ele produziu obras complexas, cheias de camadas, como Sgt. Pepper Lonely Hearts Club Band, usando apenas gravadores de quatro canais. “Acho que aquele foi o disco que transformou os Beatles de um grupo ordinário de rock para um dos grandes contribuintes na história da arte”, escreveu Martin em sua autobiografia.

Nas sessões de Let It Be (1969), a banda sentiu que era hora de uma mudança. “Eles estavam entrando em algo de ‘anti-produção’”, disse Martin em 1976. “John disse: ‘Não quero nenhuma engenhoca de produção nisso’.”

As sessões se tornaram extremamente custosas e eventualmente o quarteto deu as fitas a Phil Spector. “Fiquei chocado quando Phil dobrou pesadamente as camadas de coros e colocou cordas, harpas e outras coisas extremamente exuberantes”, disse Martin. “Pensei que estávamos terminados ali. Eu não estava feliz e não queria seguir em frente.”

Para a surpresa dele, os Beatles chamaram-no de volta para produzir Abbey Road. “Eles disseram: ‘Vamos tentar voltar a como éramos antigamente, e você vai realmente produzir o nosso próximo álbum?’”, disse Martin. “Estávamos bem amigáveis, realmente amistoso. Tentamos para valer trabalhar juntos.”

O único problema era que McCartney amou a ideia de Martin de criar uma sinfonia de música pop e Lennon queria uma coletânea de músicas mais tradicional. “Era um combinado”, explicou Martin. “Lado A era um conjunto de músicas individuais e lado B um trabalho contínuo.”

Durante os anos 1970, houve uma pressão tremenda para os Beatles voltarem a tocar juntos, mas Martin nunca achou que fosse uma boa ideia. “Seria um erro terrível para eles se juntarem e voltarem ao estúdio”, comentou o produtor em 1976. “Os Beatles existiram anos atrás; eles não existem hoje em dia. E se os quatro homens [que formavam a banda] se juntarem novamente, não seriam os Beatles.”