Os cariocas Dan, Lucas e Pepe têm a vontade provocativa dos punks, o som de um ukulele, e a energia caótica dos brasileiros
A quarentena é motor de saudade. De pessoas, de amigos, de momentos… E de aglomerações, por que não? Para os amantes de música, mais que tudo, um bom e suado show. Cantar até a voz ficar rouca, isqueiros para cima, e um mosh pit marcado por aquela guitarra energizante e recoberto de hematomas. Não se surpreenda se esses pensamentos pipocarem quando tocar “Coisa de Satanás”, faixa de abertura (e título) do segundo EP da banda carioca Meu Funeral, lançado pela Universal Music na sexta, 2.
O lançamento tem três faixas: “Eu Tô Meio Podre”, “Agricultor de Merda,” e “Coisa de Satanás”. O dia foi escolhido estrategicamente, como contou Dan, baixista, em entrevista para Rolling Stone Brasil: “Bateu na gente um faixo divino, e jogamos ele para o dia da Paixão de Cristo. Sabe, pela piada, toda a ironia… E a chance de entrar para área vip do inferno!”
A piada provocativa é a cara do Meu Funeral. O grupo - formado por Lucas (voz e guitarra), Dan (baixo) e Pepe (guitarra) - chega com a proposta de trazer o punk rock para o Século XXI. Tanto no tom, quanto na letra, mostram-se sarcásticos e petulantes - além de potencialmente ousados e engraçados.
Algumas provas do tom do afronte:
Evidência 1: as músicas (com títulos como “Acabou, Você Não É Mais Presidente” - uma lembrança do questionamento de um imigrante haitiano a Jair Bolsonaro (sem partido) - ou o próprio “Coisa de Satanás”).
Evidência 2: as letras (que variam de provocativas - “Um idiota completo até quando tá calado / Nunca ví uma ameba criar tanto problema / Chamar de porta é ofensivo com a madeira” [versos delicadamente dirigidos ao presidente] - e vão até existencialistas - “E eu que vivo reclamando que os anos / Vão passando e eu não fiz nada da vida / Vejo a irrelevância de ser o primeiro nesta corrida” [esses são de “Queimando a Mufa”]).
Evidência 3: os clipes (destaque para “Coisa de Satanás”, quando um corte transforma o Diabo em Jesus, e Jesus em Diabo logo na sequência).
Evidência 4: as reflexões de hipocrisia, sobre drogas, trabalhos, e achismos.
Evidência 5: o som carregado, que flerta principalmente com o punk rock e o ska, historicamente underground e contraculturais.
Mas, apesar de inquestionavelmente punks, Meu Funeral gosta da ideia de extravasar um pouco no estilo musical. Em “Não se Esqueça de Postar,” por exemplo, extravasa bem para o rock brasileiro, e “Eu Tô Meio Podre” tem até um ukulele de Lucas.
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“Somos uma banda de punk rock do Século XXI. Tentamos manter nossa cara e identidade, mas gostamos de muito tipo de som,” explicou Dan. “Nossa escola é o punk, mas dentro dessa linguagem, tentamos variar, também. Mesmo porque, tem muita gente que faz hardcore muito bem.” Lucas, inclusive, credita como “punk” muito mais a atitude que o som: “Conversamos, aliás, na última semana sobre como a linguagem do punk vai muito além do estilo [da música]. Hoje em dia, por exemplo, Pabblo Vittar é muito mais punk que a gente!
A banda nasceu aqui e ali, um pouco por acaso, um pouco por frustração, um pouco como diversão. Lucas conheceu Dan há quase 10 anos, enquanto o vocalista tocava, como contou em um vídeo de bastidores de gravações. Para Rolling Stone, o vocalista detalhou: ele era dono de um albergue, e Dan estava sempre por ali, almoçavam juntos quase diariamente, e resolveram montar um grupo.
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Quando o negócio faliu, Lucas, bem chateado, voltou a compor, algo que gostava. “Aí, estava na Praça da Cantareira [em Niterói, Rio de Janeiro], e falei ‘'Tô' sem um puto e cheio de música para gravar.’ E meu amigo [Felipe Veloso, baixista da Duda Beat] disse: ‘Tenho um estúdio!” Os dois começaram a primeira perna do trabalho. Fizeram 19 músicas, mas toda a questão de banda ainda estava somente parcialmente resolvida… Não tinham um guitarrista.
Lucas começou a pesquisar vários vídeos até encontrar Pepe. “Achava que ele não ia querer vir de Copacabana até Piratininga… Mas topou.” Pepe, no vídeo, detalhou: “A gente se conheceu em algum show de sua ex-banda [Lucas questiona: ‘ah, é?’] E depois você foi cantar no meu aniversário, num karaokê.”
A partir daí, foi trabalho. Lucas é o principal compositor, e várias das faixas interpretadas pelo Meu Funeral nasceram daquele "musicstorming" com Veloso. Mas eles nunca param, realmente. Conversando comigo no estúdio, Dan abriu os braços num gesto amplo e explicou: “Tudo isso que a luz toca é o nosso QG. O Lucas passa o dia tendo um milhão de ideias, de madrugada, do nada manda 10 músicas no WhatsApp, uma atrás da outra.”
Já Pepe “é O Mestre em ter uma ideia brilhante um dia depois do nosso prazo de entrega.” Dá trabalho para Dan, responsável em “botar tudo isso numa linha de produção.” Ele quem pensa em orçamentos, prazos e “lapida” o trabalho.
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As músicas, ali naquele estúdio, vão e voltam. As ideias chegam, eles trazem tudo para um passo atrás, e arrumam como desejam. Espaço para “muita antecipação e atraso,” define Dan. Lucas não é tão delicado na explicação: “é uma zona do c******, mesmo.” Mas garante: tudo isso é para o processo ser o mais cuidadoso possível. “Ficamos felizes e muito orgulhosos com o resultado. É incrível ver tudo tomar forma].”
Meu Funeral assinou com a Universal Music e quer lançar, no segundo semestre de 2021, um disco completo. Mas, antes disse, tem muito trabalho: vão lançar alguns EPS (somando 14 faixas) e clipes para as principais músicas. Gostam da ideia de irem passo a passo ao invés de lançar diretamente um disco, como explicou Dan: “Trabalhar de uma maneira gradual é um esforço para gente, mas planejamos uma melhoria [a cada lançamento].”
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Até agora, Meu Funeral lançou dois EPs para o disco, e Dan acredita que cada um passa uma sensação e um espírito bem diferente do outro. O primeiro, Acabou, é bastante crítico à política. O segundo, Coisa de Satanás, cutuca a hipocrisia social. O terceiro, ainda sem nome, será um lançamento “radiante e fanfarrão,” pelas promessas de Lucas. A divisão “É uma pegada bem real do Meu Funeral. Tem 'desgraceira', gritaria do inferno, 'cê não entende nada, aí entra um ukulelezinho… Você vai pensar ‘p****, o que esse menino 'tá fazendo?’”
Quem ajuda a dar significados a cada disco é Malfeitona, artista plástica responsável pelas capas (ela ficou conhecida por fazer muitas tatuagens mal feitonas). Lembra das sensações e espíritos do parágrafo de cima? As ilustrações das capas - um palhaço pegando fogo e um demônio vendendo drogas, respectivamente - ajudam a completar o tom dos lançamentos, além de ilustrar de maneira hilária cada um dos singles.
Em um mix de ideias, tons, sons, e capas hilárias, Dan concluiu: “A gente vai ficar o resto da vida tentando soar o menos punk e clichê possível. Mas, a verdade: é assim como sempre vamos soar. É como cozinhar. Você tem seu tempero. Essa honestidade de identidade é boa. A gente tem o nosso borogodó; todo mundo aqui toca há 20, 25 anos. E isso é real. O que a gente faz é incorporar e colocar tempero e especiarias no nosso som. São as camadas que deixa ele mais azedo ou doce.”
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