Nação Zumbi comemora o aniversário do primeiro álbum da carreira, Da Lama ao Caos, com casa cheia e músicas atuais em show nesta sexta-feira, 18, em São Paulo
Diante de cerca de duas mil pessoas, a banda pernambucana Nação Zumbi subiu ao palco do Citibank Hall, em São Paulo, para comemorar os 15 anos do disco de estreia, Da Lama ao Caos. Mais roqueiro do que nunca, o grupo escalou Otto, BNegão e Fred Zero Quatro, do Mundo Livre S/A, para completar o espetáculo, dedicado ao ex-líder Chico Science, morto há 12 anos.
Antes mesmo de verem a banda em cima do palco, os espectadores, inquietos, se empolgaram com as palavras e músicas de Science exibidas durante o filme O Mundo é Uma Cabeça, de Bidu Queiroz e Claudio Barroso. Além dos convidados da noite (exceto BNegão), Gilberto Gil e Mestre Salustiano (um dos precursores do manguebeat, morto em 2008) também têm espaço na produção, prestando depoimentos sobre o amigo e parceiro que teve a carreira encerrada por um acidente de carro fatal.
Por volta da 0h45, foram ouvidos os primeiros versos de "Monólogo ao Pé do Ouvido", faixa de abertura do primeiro álbum da Nação Zumbi, na voz de Jorge du Peixe, ainda oculto, ao som de fundo de Gilmar Bola Oito (vocal e percussão), Toca Ogan (vocal e percussão) e Gustavo Da Lua (percussionista de apoio da banda). Ao terminar a "leitura" da música, o vocalista surgiu no palco, quase sem iluminação, ao lado do guitarrista Lucio Maia, o baixista Dengue e o baterista Pupillo.
Como haviam prometido, as faixas de Da Lama ao Caos foram tocadas na sequência original no disco - aqui, com mais peso na guitarra de Maia.
No final de "Banditismo por uma Questão de Classe", du Peixe saudou a plateia, ainda com ar um tanto carrancudo, até convocar Otto ao palco. Elétrico, o cantor dançou e correu ao som do maracatu de "Rios, Pontes e Overdrives", engatando ainda "A Cidade". A essa altura, os músicos já viam a primeira roda de pogo no centro do salão.
Depois de "A Praieira", seria a vez de BNegão surgir com seus óculos escuros de aros brancos. No ritmo de quebradeira, du Peixe ainda brincou: "Nação Zumbi, só maloqueiro". E explicou que "aquele dia estava foda", fazendo referência à responsabilidade com a celebração. Por conta da inexistência de um baterista em Da Lama ao Caos, Pupillo ficou reservado somente a uma das caixas da bateria, montada, na verdade, para o que viria na chamada "segunda parte da festa", segundo Lúcio Maia. Em dueto, "Samba Makossa" balançou as estruturas da casa, agora preenchida por um compasso mais hip hop com a ajuda do cantor carioca.
O ritmo black logo deu espaço para o hardcore, numa versão intensa de "Maracatu de Tiro Certeiro". Sob luzes vermelhas, a banda manteve a pauleira das outras canções. A certa altura, o vocalista discursou sobre a violência praticada por policiais, deixando o palco em seguida. Nesse momento, Maia ficou com o destaque no palco, debaixo de um feixe de luz branca, na instrumental "Salustiano Song", em memória ao músico tão presente na carreira da banda.
Com du Peixe de volta ao palco, o público conferiu as roqueiras "Antene-se" e "Risoflora". Na vez de "Lixo do Mangue", os espectadores aumentaram ainda mais a roda de pogo - a movimentação chamou a atenção de Da Lua, que veio à frente do palco, no final, e pediu para "brincarem na paz". Mas Jorge e Lúcio defenderam a "brincadeira", com ar de orgulho diante daqueles que participavam da roda.
Na sequência, Zero Quatro foi anunciado. Antes de começarem "Computadores Fazem Arte", os músicos questionaram o uso desenfreado da máquina para tudo. "Tem o virtual, mas precisa do real e o real está aqui", declarou o convidado. A parceria, apesar de antiga, não superou a animação de Otto e BNegão.
Após a viagem sonora de "Coco Dub (Afrociberdelia)", Gilmar e Da Lua brincaram com a plateia, pedindo para os acompanharem no ritmo dos bumbos, como sempre fazem em shows da Nação. "São 15 anos e não 15 dias", disse du Peixe, como que justificando a empolgação do grupo. "Há 15 anos, ninguém conhecia maracatu, frevo", acrescentou.
E com o repertório encerrado, a banda continuou o show com canções de outros discos, a começar por "Cidadão do Mundo", de Afrociberdelia, de 1996, ainda da época de Science. Ainda viriam "Manguetown", "Blunt of Judah" e "Fome de Tudo". Para a surpresa de muitos, as quase duas horas de apresentação foram seladas magistralmente com um cover de "Purple Haze", em homenagem aos 39 anos da morte do guitarrista norte-americano Jimi Hendrix - e também dedicada a Chico, nas palavras do atual vocalista.
Guizado e Ortinho
A programação do festival Conexão PE foi iniciada às 22h20, com o projeto Guizado, do trompetista paulistano Guilherme Mendonça. Acompanhado dos músicos Rian Batista (baixista), Regis Damasceno (guitarrista) - ambos integrantes da banda Cidadão Instigado - e Samuel (baterista), o músico introduziu uma mistura de jazz, rock e música eletrônica. Mendonça se destacou com o fôlego no trompete, aliado aos sintetizadores controlados por ele no decorrer das músicas. No repertório, faixas do álbum de estreia, Punx (2008), e outras inéditas, que estarão no próximo disco, entre elas "Mais Além". "O álbum sai no carnaval", avisou Mendonça.
No intervalo entre os shows, foi exibido o curta Samydarsh - Os Artistas da Rua, de Claudio Assis, Adelina Pontual e Marcelo Gomes. Imagens de Pernambuco, do cotidiano e da simplicidade do povo local ilustravam o filme sobre a música regional. Nessa hora, muita gente já aguardava sentada no chão.
Às 23h30, as cortinas do palco se levantaram, revelando uma banda composta por seis músicos, mas sem um vocalista. Não demorou muito para o cantor caruaruense Ortinho surgir diante de todos, mandando beijos para a plateia. Empolgado, o artista revezava a performance no microfone a danças e gestos espalhafatosos.
Com mais percussão no palco, o público presenciou o momento mais regional na noite que, ainda assim, ganhou toques roqueiros da banda A Zuada, parceira de Ortinho nas apresentações ao vivo. Para preencher o show, o cantor selecionou faixas dos discos Ilha do Destino (2002) e Somos (2006). E, como os amigos da Nação Zumbi, recebeu convidados no palco, entre eles o roqueiro Daniel Belleza.
Ortinho ainda apresentou músicas inéditas, que estarão em seu próximo disco, Antes que Eu Me Esqueça, previsto para o final do ano. Nele, o cantor contou com a colaboração de Arnaldo Antunes, como na faixa "Pense Duas Vezes Antes de Esquecer", que conquistou os espectadores pelo refrão pegajoso. Próximo ao final, "Sangue de Bairro" embalou o público, dessa vez com uma pegada mais rock. Ao se despedir, o músico recebeu os calorosos aplausos da plateia, naquele momento pronta para Jorge du Peixe e sua trupe.