Fomos à DriveThru.Art, uma mostra artística frequentada de carro, e contamos como funciona
Eram cinco horas da tarde do último sábado, 1º de agosto, quando cheguei ao galpão ARCA, na Vila Leopoldina, em São Paulo, para uma atividade diferente em tempos de pandemia: a exposição DriveThru.Art.
Sentada no banco do carona do carro com meu irmão ao volante e minha mãe atrás, fui guiada por um circuito de obras de grandes dimensões e temáticas atuais reunidas pelo curador Luis Maluf - tudo isso com máscara no rosto, medição de temperatura e nenhum contato com o exterior.
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Após a checagem do ingresso, é preciso escanear um QR Code no celular para ter uma experiência mais completadentro do local . Acessando o link, áudios descrevem as 18 obras do local e propõem uma reflexão sobre arte e o momento no qual estamos vivendo.
Um exemplo dessas observações é “Carne Viva”, obra de Luiz Escañuela que critica o impacto humano na natureza em um pensamento introspectivo e urgente. Em “O Fim do Começo”, do artista Cranio, uma figura indígena azul de máscara e a relação com os outros elementos da obra auxiliam um pensar sobre a atualidade - e o momento presente traz novas experiências.
Na exposição, há um automóvel atrás do outro, faróis apagados. Além das obras, percebe-se apenas as lanternas acesas e barulho dos motores que ecoam no grande galpão. Em tempos de coronavírus, o projeto DriveThru.Art fez do isolamento, arte - mas não só isso.
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As obras tratam sobre quarentena, causas indígenas, preservação das florestas, movimento negro, discussão de gênero, gordofobia e outras temáticas cuja discussão relevante se faz presente na atualidade.
“Ibejis” representa alguns desses importantes debates. Na obra, a artista Criola reflete sobre as lutas do movimento negro e as desconexões da pandemia. Por meio de uma abordagem ancestral e simbólica, expressa-se a necessidade da união.
A exposição drive-thru é uma vivência inédita para mim. Acostumada com os quadros a um passo de distância e os ambientes estrategicamente iluminados das instalações do “antigo normal”, me deparei com os contrastes das possibilidades inéditas de mostras artísticas.
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O primeiro estranhamento da experiência é adentrar na exposição de carro, sentada no banco e praticamente imóvel. O segundo fator diferente seria a distância de cada obra: os carros devem esperar a vez para ocuparem o local destinado à observação de cada painel - a alguns metros da arte. Os detalhes precisam ser olhados ao longe - e às vezes, algumas lanternas mais fortes de outros carros podem atrapalhar a visão.
O terceiro fator peculiar seria o tempo máximo de observação: não mais de dois minutos por painel artístico - tempo determinado pelos áudios do QR Code. Infelizmente, esse é o período estabelecido para não atravancar a fila de automóveis e possibilitar que todos vejam as artes na hora determinada pelo ingresso.
Outro estranhamento seria a impossibilidade de fazer o próprio caminho de observação das obras. Os carros devem seguir um circuito no qual não há a possibilidade de voltar a um dos painéis, portanto, você não define o trajeto na exposição. No entanto, todas as diversidades transformam a nova dinâmica da mostra em uma possibilidade nos tempos atuais.
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A proposta peculiar transforma a impossibilidade de aglomeração dos museus em um isolamento particular. Os grandes painéis de 9,50 por 4,80 metros são observados dentro de cada carro em um afastamento físico, mas a experiência é compartilhada por todos em um vínculo sensorial.
A dupla Acidum explorou os sentidos na obra “Despertar”, uma mistura de realismo e imaginário em um painel que pensou na incidência do sol durante o entardecer no galpão - e o momento de visitação não poderia ter sido melhor escolhido.
Enquanto nos locomovemos pelas obras, a luz solar passava por entre as frestas das paredes do galpão. A cor alaranjada dava ao local acinzentado as características de outra obra - e os painéis dos artistas também mudavam de dinâmica ao serem abraçados, por alguns minutos, pelo laranja de fim de tarde.
Entre cada arte, um pequeno totem indicava as dimensões, títulos e autores dos painéis - além de destacar o ano de elaboração da obra - todas feitas em 2020.
Vinicius Meio trouxe uma atual reflexão sobre pós-verdade no rosto distorcido da obra “Kakek” - crítica ao uso indevido e opressor das palavras. Em “Nunca Haverá Silêncio”, Patrick Rigon abordou a intersexualidade na melancolia barroca de uma figura andrógina.
Após cada obra, fica a sensação de precisar de mais alguns minutos de reflexão e observação. Os funcionários que organizam a exposição mexem os luminosos bastões vermelhos indicando o fim da permanência em cada painel - uma possível distração para motorista.
Repleta de questionamentos e reflexões, a mostra consegue afetar a todos mesmo com o distanciamento. No entanto, a eficácia do entendimento e da mensagem pode ser abalada pelo sinal de celular e falta de internet.
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No meu caso, um problema de rede não ajudou no acesso do link com áudios. O sinal oscilante também prejudicou o aparelho cujo 4G estava funcionando melhor, por isso ouvimos palavras picotadas da descrição das obras. Sem Wi-Fi, a visitação pode ser prejudicada com problemas de celular.
Ao fim da exposição, uma sensação de ainda ter muito para ver. Uma vontade de ficar por mais tempo, voltar para apreciar mais um pouco - tanto pela experiência quanto pela necessidade de não querer retornar à realidade distanciada, ao sofá da sala.
“Caminhada” talvez seja uma das obras mais representativas da exposição, justamente pela veracidade das sensações do distanciamento. Apolo Torres traz a figura de dois idosos em uma referência direta ao isolamento - mesmo que, se observarmos bem, o ambiente pintado seja externo. Talvez as canecas nas mãos, o vazio da rua e a expressão frustrada de impedimento falem mais alto.
A vontade de ficar e desfrutar mais um pouco permanece. No entanto, o desejo é parcialmente saciado por outra obra que me esperava do lado de fora da mostra artística: o céu rosa alaranjado acompanhado de uma lua cheia.
A exposição das 18 obras está localizada na Av. Manuel Bandeira, 360 - ao lado da CEAGESP - iniciou em 17 de julho e vai até 9 de agosto. Apesar de ser pensada para a visitação de pessoas dentro de carros, a DriveThru.Art também é acessível para os que não têm automóveis.
Para os que têm carros, o valor do ingresso é R$40,00 + Taxas e inclui a visitação de 4 pessoas contando com o motorista. Para os interessados sem automóvel, a ARCA disponibiliza veículos de transporte com condutores - e o ingresso de R$30,00 é válido para um grupo de até três pessoas residentes no mesmo domicílio.
Todas as formas de visitação são possíveis apenas com o uso da máscara e medição de temperatura no local. Os ingressos estão disponíveis no site do evento.
Para os ingressos de carros particulares, a entrada de veículos é realizada por ordem de chegada e a tolerância máxima é de 20 minutos após o início da sessão. Além disso, não é permitido acesso de veículos conversíveis com capota aberta e/ou com teto solar aberto.
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