Em Alô, Alô, Terezinha, coadjuvantes do universo de Chacrinha são retratados da mesma forma burlesca popularizada pelo apresentador, mas com menos autenticidade
Havia uma época em que a TV brasileira apelava para mulheres seminuas, entupia sua programação de celebridades e submetia anônimos a uma loteria de humilhações, cada uma pior que a outra. Havia uma época em que a TV brasileira fazia tudo isso, mas conseguia ser ao mesmo tempo original. Havia uma época em que nossa televisão, essa grande porta-voz da cultura popular, se resumia a um nome: Chacrinha. O resto era bacalhau.
Em Alô, Alô, Terezinha, documentário exibido na terça, 27, dentro da programação da Mostra de São Paulo, Nelson Hoineff bate à porta do império do entretenimento cujo soberano era Abelardo Barbosa, aquele velho menino, com seus cabelos brancos, ar debochado e guarda-roupa que mais parecia tema de escola de samba inspirado em Denis, o Pimentinha. O filme entra no circuito comercial nesta sexta, 30.
Ao longo da projeção, você não descobre nada que já não soubesse sobre Chacrinha. Sequer estão lá detalhes biográficos básicos, como data de nascimento e morte ou a estreia do pernambucano no Rancho Alegre, na extinta Tupi, em 1956. Não é esse tipo de documentário que interessa a Hoineff, que tem gosto em levar aos cinemas figuras polêmicas, como fez recentemente em Meu Caro Francis, sobre o jornalista Paulo Francis.
O diretor quer mesmo é encarnar uma espécie de Chacrinha do ofício, embora o faça com menos descaramento que o original. Em 95 minutos, convoca chacretes, calouros, jurados e mais uma penca de pessoas que passaram pelas várias encarnações do Velho Guerreiro na televisão (Roberto Carlos, Gilberto Gil, Cauby Peixoto e até a finada Dercy Gonçalves estão lá) - e costura todos os depoimentos, intercalados com imagens de arquivo, como se ele próprio estivesse com a buzina na mão, no comando de um reciclado picadeiro do ridículo onde o espectador é induzido a rir de diversas cenas apresentadas de forma mais sensacionalista que reflexiva.
"O humor é cruel", Gilberto Gil comenta a certa hora. É mesmo. Nesse sentido, Chacrinha age com a liberdade da criança sem pudor para dizer o que vem à telha, e que a patrulha do politicamente correto lhe faça o favor de curtir uma partida de dominó na aposentaria forçada. O humor é cruel, doa a quem doer. Com uma edição competente, Alô, Alô, Terezinha aterra qualquer margem para dúvidas a esse respeito.
A montagem mais esperta vem logo nos primeiros minutos, quando uma cena de Roberto Carlos (que, jovem, se apresentou no quadro de nome autoexplicativo "O Cantor Mascarado") é seguida por outra com o ex-calouro Manoel de Jesus, que chama o rei de "um bosta" antes de botar as cordas vocais para trabalhar. Se você ainda não foi introduzido ao conceito de vergonha alheia (aquele liquidificador de compaixão, constrangimento e sadismo pelo ridículo do próximo), bom, a hora é essa. Aqui, não faltam oportunidades: Chacretes que desafiam as leis da física para entrar no collant tão perfeito para as medidas de quase trinta anos atrás; a radicalização de Índia Potira (os nomes iam por aí: Gracinha Copacabana, Vera Furacão, Regina Pintinha etc.), nua, com décadas e quilos de sobra, caracterizada como a personagem do Cassino do Chacrinha; Rita Cadillac, descrita pelo assistente de palco Russo (se você nasceu nos anos 80, deve se lembrar dele no Domingão do Faustão) como "a mais analfabeta delas", dando aos fãs o privilégio de dar uma bitoca no capô avantajado; entrevistas com ex-calouros ora recalcados, ora saudosistas dos tempos em que levaram buzinadas (a trilha sonora do fracasso) de Chacrinha uma, duas, 20 vezes.
O ridículo é esta coisa engraçada: pode-se rir dele ou com ele. Hoineff inclina o espectador à primeira opção. Mas ganha mérito por atirar ele próprio alguns bacalhaus nos bastidores de um dos maiores fenômenos da TV nacional. Preserva, por exemplo, versões contraditórias das rebolativas ajudantes de palco sobre o que rolava quando as câmeras paravam de rodar - Índia fala de prostituição ("todas faziam programa"), mas muitas juram que a proporção da castidade era inversamente proporcional à do pano no corpo.
Também não há muito rodeio para falar dos peixes grandes. É a hora da CPI das Chacretes. Elas agora falam sem pudor sobre os antigos cortejadores, Pelé, Wilson Simonal, José Bonifácio (o Boni) e Garrincha entre eles. Sobra para "Francisco Collor, aquele que confiscou nosso dinheiro", diz uma das ex-beldades, em referência a Fernando Collor, e Chico Buarque, que, "muito bêbado e nuzinho", não deu conta do recado, entrega outra.
Mas, afinal, quem era a tal da Terezinha que o maior dos showmans brasileiros saudou por tantos anos? O "Rosebud" de Abelardo Barbosa não ganha explicação final: cada entrevistado dá uma hipótese diferente. No final das contas, é por aí. No Cassino do Chacrinha, todas as apostas são válidas.