O músico latino contou sobre a paternidade, os protestos e como é ser pop em Porto Rico
Ricky Martin já era um superstar internacional muito antes de começar a viver ‘La Vida Loca’ - e parece que mal teve um dia maçante nos 20 anos que se seguiram.
Em 2010, o porto riquenho disse aos fãs que era gay; quase 10 anos depois, recebeu a primeira nomeação ao Emmy pelo papel em O Assassinato de Gianni Versace: American Crime Story. No outono deste ano, Martin - agora pai de quatro e casado com o artista sírio Jwan Yosef - lançou um EP, Pausa, com colaborações de Sting, Residente e Bad Bunny. É uma vida ocupada, mas ele andava nela a passos largos, pelo menos até o Covid-19 chegar.
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“Antes dessa pandemia, eu não tinha problemas,” Martin, 18, disse, rindo, para Rolling Stone. “Eu delego bastante, tenho uma ótima equipe. Mas, quando essa pandemia nos atingiu… Comecei a enlouquecer!”
Você mora numa casa linda em Beverly Hills. Isso faz da quarentena mais fácil?
Eu tenho uma casa muito barulhenta, já que tenho crianças. Estamos em quarentena extrema porque minha mãe está aqui. É bem severo - acho que é a única maneira de impedir isso de causar mais danos. Mas sou muito sortudo. Estou em uma casa confortável na qual meus filhos podem brincar. Quando sua mente vai por um caminho estranho, você só olha pros filhos, para o marido, mãe e pensa: “Precisamos lidar.”
Você lançou seu EP, Pausa, em maio - e agora trabalha numa sequência, Play, para o final do ano. Você começou Pausa num mundo totalmente diferente do que estamos agora. Como isso evoluiu na quarentena?
Comecei a trabalhar na música talvez há uns nove meses. Na minha cabeça, o álbum chamaria Movimiento. Mas tudo isso me disse: “Do jeito que estava não funcionava. Vamos fazer diferente.” Eu tenho música com ritmo, mas não ia mandar as pessoas se mexerem! Então chamei de Pausa.
Sua música nova se alinha no progresso que artistas como J Balvin e Bad Bunny fazem no pop latino ao colaborar com artistas do afrobeats e flamenco. Você os vê como iguais?
Tenho tanto orgulho deles! Quando comecei a trabalhar com música, era basicamente baladas românticas. Permiti ir para um som bem latino, africano, com “Maria” [música de 1995]. Lembro de um dos presidentes de uma das gravadoras de um país que eu vendia bem me dizer: “Meu Deus, Ricky, é o fim da sua carreira.” Seis meses depois, a faixa virou número 1 em vários países. Diferentes críticos e jornalistas de várias partes do mundo diziam: “Não, sério, da onde vocês são?” E dizíamos “Porto Rico.” Precisei explicar a influência da África nos ritmos que trouxemos de lá. Também, obviamente, a influência dos EUA em Porto Rico. Sempre estávamos espertos no que bombava nos EUA. Queria que nos encontrássemos no Caribe.
Na nossa capa de Bad Bunny este ano, você o descreveu como um “ícone queer Latino”, e alguns leitores não gostaram. O que faz de alguém um ícone queer?
Amigos são importantes. Sem eles, nossa luta por igualdade é impossível. Só me cai bem ver Bad Buddy como ícone gay - assim como Cher poderia. Por que não?
Como foi para você ficar no armário durante os anos 1990 e 2000 - o período mais público e exposto da sua vida?
Eu tive momentos de extrema positividade, e outros nem tão positivos. A vida usava esteróides naquela época. Tudo era muito intenso, mas conseguia aguentar! Eu vim da disciplina de uma escola militar quando se trata de música, dança e atuação. Comecei aos 12. Então, para mim, era sobre ainda não estar pronto para me abrir. Quando você abre um ovo de fora, o que vem de dentro não tem vida. Isso precisa vir de dentro. Sempre que alguém força alguém a se assumir, o que você faz é destruir o fluxo natural da auto-descoberta.
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O que te motivou a contar para os seus fãs?
Hoje acordei e li uma manchete linda que eu sei que alguém por aí precisava. Era algo tipo “Eu saí do armário, e desde então tenho sido mais feliz.” Algo assim… Meu coração está acelerado porque sei que uma criança, em algum lugar, acordou precisando ouvir isso. Muita gente diz que cansa de falar sobre a mesma coisa. Por que eu cansaria? Tá brincando? Por muitos anos, precisei manter dentro de mim. E o efeito em alguém… O que as pessoas conseguem com isso no processo de cura delas? Estou feliz!
No último verão, você se envolveu em protestos contra o agora ex-governante de Porto Rico, Ricardo Rosselló. Você já tinha ido para as ruas antes?
Meus protestos são diferentes. No lugar de ir para as ruas, protestava mais no mundo virtual, falando do que me preocupava. Mas disso eu não sabia: o poder das pessoas juntas na paz, todas com uma mensagem. Nós, em Porto Rico, estávamos na rua cantando, dançando, clamando. Se livrar da raiva e frustração e das nossas incertezas pela música. Foi muito especial. Se você um músico, cantaria no meio da rua. Se você fosse um acrobata, ia querer se comportar assim. Se fosse um professor de Yoga, do nada juntaria 100 pessoas e começaria uma aula de yoga. Assim são os protestos em Porto Rico. Eles duraram um tempo, mas na paz, derrubamos o governo. A magia do protesto é muito importante e precisa ser respeitada.
Ver Rossello exonerado, principalmente depois do vazamento daqueles audios [em que Martin é descrito como homem chauvinista por ser gay] foi uma fonte poderosa de mostrar força.
O áudio foi a gota d’água que fez tudo transbordar. Porto Rico, nós estávamos em um momento bem difícil nos últimos anos, mas estamos nos segurando e ajudando um ao outro. Isso é o lindo de uma crise. O instinto de salvar a humanidade se sobressaiu. Isso é Porto Rico.
Você foi um embaixador pop do Porto Rico nos anos 1990, no auge da era TRL. Jornalistas americanos ficavam surpresos de saber que você ouvia rock clássico. Isso te frustrava?
Eu me diverti muito - mas ouve - é muito satisfatório poder rodar o mundo falando da sua cultura. Sabe quantas vezes eles disseram: “Ah, você é da Costa Rica!” e eu respondia “Bom, alguns dizem que Costa Rica é namorada de Porto Rico!”
Mas, da maneira que vejo, eles estavam abrindo uma porta para eu mostrar para eles que nem todo mundo ouve música mexicana na Argentina, ou na parte sul da América. Existem centenas de diferentes ritmos e danças e diferentes formas de comunicação. É anccestral. Começamos com Celia Cruz. Tínhamos Glória Estefan, José Feliciano. E agora temos essa nova geração de artistas aí, falando sobre a evolução da Colômbia e lutando por Porto Rico.
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Você acha que a mídia dos EUA melhorou no quesito entender a cultura de Porto Rico e latina no geral?
Certamente temos um longo caminho pela frente, mas o mais importante é ver que tem público interessado. E cabe a nós trazer a educação.
Nos anos 1990 você atuou numa novela mexicana, então fez General Hospital por um tempo - e até esteve no revival de Evita para Broadway em 2012. E, depois de American Crime Story, você foi nomeado ao Emmy. Quer atuar mais?
Em primeiro lugar, sou eternamente grato a Ryan Murphy pela liberdade e oportunidade de contar a história de Versace. É tão importante. Agora, a responsabilidade cresce. E eu amaria, claro, atuar mais. É hora de me descobrir nisso, mesmo que eu tenha começado aos 12. Quero fazer muito - não só na câmera, mas em teatros, também. Estou aberto para projetos.
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Não existe manual de instruções para ser um pai rockstar. E nem para ser um pai gay. Mas você é um desses, independente disso. Como você equilibra família e carreira?
As pessoas me dizem: ‘Ah, meu deus, você leva seus filhos para todo lugar. Não precisam de estabilidade?’ digo que sim, claro. Mas nasceram na estrada. Eu sou a estabilidade deles. Quando não estou do lado, eles se sentem instáveis. Estão acostumados a acordar depois de um show, entramos no ônibus, acordamos na próxima cidade. Agora na quarentena, minha rotina é: depois de brincar tomamos banho e colocamos pijama. Bebemos um leite, cantamos, e vamos dormir. Desde que haja rotina, eles gostam. Desde que eu esteja por perto.
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