Com experimentações e texturas orientais, vocalista apresentou canções do Led Zeppelin e da carreira solo em nova roupagem
O cartaz de divulgação dizia: “Robert Plant – A Voz do Led Zeppelin”, mas ali no palco do Espaço das Américas, em São Paulo, na noite desta segunda-feira, 22, não era apenas “a voz do Zeppelin”. Era bem mais do que isso. A voz já não é mais a mesma – a idade chega, é claro –, mas o dono do microfone mostrou um timbre curtido pelo tempo e muitas experimentações. Um músico que chegou aos 64 anos com dignidade rara, conhecedor dos caminhos (e atalhos) do verdadeiro rock and roll.
Perfil: como Robert Plant abriu mão do Led Zeppelin e revitalizou sua carreira solo.
Depois de se apresentar no Rio de Janeiro, na quinta, 18, e em Belo Horizonte, no dia 20, o cantor chegou a São Paulo com ingressos esgotados na primeira noite (ele volta a se apresentar no Espaço das Américas nesta terça, 23), algumas mudanças no repertório e empolgação de iniciante. Ao lado da primorosa The Sensational Space Shifters – Juldeh Camara (riti, uma espécie de violino de origem na África ocidental, kologo, como um banjo, e percussão), Justin Adams (guitarra), John Baggott (teclados), Liam Tyson (guitarra) e Billy Fuller (guitarra) – ele abriu a apresentação às 22h01, anunciado como “cinco vezes ganhador do Grammy”.
Como se pôde ver e ouvir no Espaço das Américas, o sujeito que abriu o show com “Tin Pan Valley” (cuja performance ao vivo, aliás, lhe rendeu uma das cinco estatuetas) era mais do que um resumo de prêmios na estante. Ousado, Plant deixou a sonoridade do Zeppelin para embarcar numa carreira solo múltipla. Sua nova faceta é a busca pelas origens do blues do Delta do Mississippi e de antes disso, de suas raízes africanas.
Até mesmo as oito músicas do Led Zeppelin – “Friends”, “Black Dog”, “Bron-y-aur Stomp”, “Gallows Pole”, “Ramble On”, “Whole Lotta Love”, “Going to California” e “Rock and Roll” – vieram com a nova embalagem de um novo Plant.
“Another Tribe”, outra do seu trabalho solo, deu sequência ao show e o público venerava cada movimento, batida de palmas e reboladas de Plant. Ele, como um bom maestro, regia banda e plateia, dono e consciente do seu poder ali no palco. “Obrigado”, disse ele em português algumas vezes, com uma candura quase tímida.
Logo em seguida, a primeira do Zeppelin, com a reconstruída e ainda assim lindíssima “Friends”, uma catarse se seguiu. Palmas, urros e saudação. Uma explosão digna de um dos grandes momentos do show.
Inegável que a banda que transformou o jeito que se faz e curte rock seria alvo de maior veneração do público. Mas Plant as apresentava à sua maneira, num processo de reconstrução invejável. Pode não ser a forma que os mais saudosistas preferem, mas a presença do vocalista já era mitológica por si.
Uma versão longa e psicodélica de "Spoonful", gravada por Howlin’ Wolf, e também pelos britânicos do Cream, ganhou texturas indianas e direito a Plant regendo as palmas.
O show variou entre os momentos de fascinação pela figura no palco, nas canções da carreira solo, e combustão com “Black Dog”, “Bron-y-aur Stomp”, “Gallows Pole”, “Ramble On” até “Whole Lotta Love”, que terminou a primeira parte da apresentação, às 23h20.
A volta ao palco, dois minutos depois, foi saudada. Veio “Going to California”, linda e emocionante balada folk do Zeppelin, que concorre como um dos grandes momentos do espetáculo – com ligeira vantagem, por mostrar que os roqueiros também buscam um amor, não só sacodem as cabeças.
Por fim, Plant disse: “Algumas coisas que pensamos sobre o Brasil, na Inglaterra, é em dança e futebol”. Ele pediu para que todos se soltassem em “Rock and Roll”. Não precisava. Foi uma reação química instantânea. E com um “até breve”, o peregrino do blues Robert Plant deixou o palco com um aceno e o sorriso de dever cumprido: deu aos fãs o que eles queriam, mas do seu jeito.
Depois do segundo show em São Paulo, nesta terça, 23, ele e sua banda se dirigem para Brasília (25), Curitiba (27) e Porto Alegre (29).