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Selvagens e Apaixonados - Movido a roncos de motores e riffs de guitarra, evento reúne fãs das motocicletas Harley-Davidson

Encontro anual National HOG (Harley Owners Group) levou 750 entusiastas da escuderia ao sul do Brasil

Felipe Branco Cruz Publicado em 12/06/2014, às 15h21 - Atualizado em 13/06/2014, às 15h26

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Encontro anual National HOG (Harley Owners Group) levou 750 entusiastas da escuderia ao sul do Brasil - Divulgação/National HOG Rally
Encontro anual National HOG (Harley Owners Group) levou 750 entusiastas da escuderia ao sul do Brasil - Divulgação/National HOG Rally

A presença de um senhor de 83 anos com barba e cabelos brancos em um churrasco gaúcho para mais de 750 pessoas não passou despercebida. Cercado por amigos e familiares e protegendo-se do frio com um boné antigo de veludo, cachecol e uma jaqueta de couro, o Capitão Senra era reverenciado pelos convidados como uma espécie de microcelebridade. A aparente fragilidade, reforçada por uma bengala que o auxiliava a caminhar, ficou apenas na aparência. O Capitão, que na verdade é tenente-coronel aposentado do Exército, com uma das mãos segurava uma lata de cerveja e com a outra batia com a bengala no chão sempre que queria enfatizar uma de suas histórias.

E não eram poucas. Dono de uma frota de 15 motocicletas Harley-Davidson, Senra foi um dos convidados de honra do National HOG (Harley Owners Group), o encontro anual de entusiastas da escuderia, ocorrido nas cidades gaúchas de Canela e Gramado em maio. O evento promoveu um cortejo de mais de 500 Harleys pelas cidades, algumas vindas até do Nordeste do país depois de circular mais de 4 mil quilômetros.

A primeira Harley do Capitão Senra foi comprada há 66 anos. De lá para cá, vendeu apenas uma delas, fato que diz ter sido seu maior arrependimento na vida. Pai de três e avô de cinco, Senra é certamente um dos mais velhos proprietários de uma moto Harley-Davidson do país. Foi a bordo de uma dessas, por exemplo, que diz ter trabalhado na escolta de três presidentes – Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart. “Eu rodo fácil mil quilômetros por dia, parando só para abastecer. Tem gente muito mais nova que não aguenta meu ritmo”, ele garante. Em Belo Horizonte, onde vive atualmente, Senra ganhou até uma cerveja com o seu nome, uma amber lager produzida pela cervejaria Backer. “Não gosto de ficar parado em uma cidade. Gosto da estrada.”

O respeito que Senra adquiriu entre os motociclistas não é à toa. Mesmo idoso, ele é a personificação do estilo de vida de um grupo de indivíduos que dedica parte do tempo a viajar longas distâncias sobre duas rodas. “É uma irmandade”, garante o Capitão. Assim como a maioria dos presentes, ele também vestia botas, cinto e jaqueta de couro, esta repleta de insígnias e bandeiras de vários países visitados pelos motoqueiros.

No entanto, poucos por ali ostentavam uma insígnia de Ushuaia, cidade ao extremo sul da Argentina. Era o caso do carioca Artur Albuquerque, 61 anos, coronel da aeronáutica aposentado. No início de 2006, ele e alguns amigos passaram 33 dias na estrada para percorrer 14 mil quilômetros da ida e volta entre o Rio de Janeiro e Ushuaia. Os detalhes dessa aventura foram registrados no livro Ushuaia – Viajar de Moto para el Fin del Mundo. Quatro anos depois, Albuquerque fez outra viagem, ainda mais distante, do Rio a Fairbanks, no Alasca: foram quatro meses e 53 mil quilômetros percorridos. “Em uma viagem como essa, você adquire um autoconhecimento profundo”, diz. “Meu próximo desafio é percorrer a Transiberiana, na Rússia.”

Embora existam motociclistas mais jovens, a maioria dos amantes da cultura estradeira já passou dos 40 anos. O fato tem uma explicação. Para se dedicar a essa atividade, é preciso tempo, dinheiro e planejamento. “A Harley não é uma moto para correr. É para passear”, afirma Longino Morawski, diretor-superintendente da marca no Brasil. Durante o HOG, por exemplo, a maioria dos participantes era composta por militares aposentados, empresários, médicos e empreiteiros. O veículo também não é exatamente barato. O modelo mais em conta, da família Sportster, custa por volta de R$ 33 mil, o equivalente a um carro popular; o mais caro, da família CVO, não sai por menos de R$ 139 mil. Grande parte dos mais de 750 participantes do HOG chegou ao evento pilotando sua própria Harley.

Pouquíssimos optaram por viajar de avião. O empresário Jorge Paiva, 56 anos, e a mulher dele, Rosângela, 53, foram de moto de Fortaleza (CE). De lá até Gramado, somaram sete dias de viagem. “Rodávamos cerca de 800 km por dia”, lembra ele. “Reuni-me com amigos em Recife, e de lá fomos até Brasília, onde nos reunimos a um outro grupo, totalizando 28 motos. Viemos em comboio.”

Outros optaram por fazer o passeio sem garupa e trazer a família de avião. Márcio Kordel, 39 anos, foi dirigindo de Curitiba, enquanto a mulher e o filho, Vinicius, foram voando. Kordel afirma que o filho só ganhará uma moto após os 25. “Você precisa ter maturidade para andar”, ensina. Enquanto isso, Vinicius se divertia entre os pontos turísticos da serra gaúcha, sempre passeando com o pai na garupa.

O evento atraiu também motociclistas estrangeiros. O uruguaio Daniel Sousa de Los Santos, 54 anos, saiu de Punta del Este com outras 22 pessoas, que juntas percorreram cerca de 1,1 mil quilômetros em dois dias. Ele explica que, como o Uruguai é um país pequeno, há cerca de duas centenas de entusiastas de Harley-Davidson por lá. “Por isso viajamos muito para outros países”, conta. “Somos apaixonados por motos. A paisagem de lá até aqui é linda.”

A verdadeira devoção que os proprietários têm pela marca não surgiu de um dia para o outro. A Harley-Davidson foi fundada nos Estados Unidos em 1903, em Milwaukee (Wisconsin), pelos amigos Arthur Davidson e William S. Harley. No início, a fábrica criava apenas uma espécie de bicicleta equipada com motor. A grande virada ocorreu após a Segunda Guerra Mundial, quando o veículo passou a ser usado nas batalhas na Europa. Quando os soldados retornaram ao país, eles passaram a comprar os modelos civis da Harley, e a marca foi adotada como símbolo de liberdade e do “sonho americano”.

De lá para cá, a mística em torno da Harley-Davidson apenas aumentou. Ela passou a ser utilizada pelos policiais rodoviários dos Estados Unidos, por artistas de sucesso, como Elvis Presley, e a protagonizar filmes de Hollywood. O Selvagem (1953), com Marlon Brando usando jaqueta e botas de couro, ajudou a divulgar o estilo estradeiro. Mas foi em Sem Destino (1969), com Peter Fonda e Dennis Hopper, que a marca ganhou notoriedade global. Outra participação icônica da moto foi em O Exterminador do Futuro 2 (1991), com Arnold Schwarzenegger pilotando um modelo Fat Boy. Entre os longas mais recentes, vale o destaque para Motoqueiros Selvagens (2007), com John Travolta, e Capitão América 2 – O Soldado Invernal (2014), com Chris Evans.

Outro elemento característico e indissociável da cultura estradeira é a trilha sonora rock and roll. Clássicos de Steppenwolf, Lynyrd Skynyrd, Dire Straits e Creedence Clearwater Revival poderiam soar batidos em qualquer situação, exceto no HOG, já que boa parte das canções tocadas nos alto-falantes do evento tinha como tema a liberdade proporcionada pela viagem sobre duas rodas. Em Gramado e Canela, alguns motociclistas puderam aproveitar as músicas mesmo enquanto pilotavam, já que alguns modelos, como o Touring Ultra, possuem um sistema de caixas de som embutido. Mesmo com o capacete na cabeça, o barulho dos motores e a mais de 100 km/h na estrada, era possível escutar com perfeição os riffs ressoantes de faixas como “Walk”, do Pantera.

No Brasil, embora a Harley-Davidson seja amplamente utilizada na patrulha da Polícia Rodoviária Federal, ela quase não figura na cultura popular. Um dos poucos programas de TV em que ela apareceu foi O Vigilante Rodoviário, produzido há mais de 50 anos, entre 1962 e 1967.

A presença da marca no país começou a aumentar a partir de 1991, quando o mercado para importação de veículos foi aberto e facilitou a entrada de carros e motos. “Atualmente, a maioria das Harleys vendidas no Brasil são produzidas em Manaus”, lembra o diretor-superintendente Longino Morawski. Em 1999, a capital amazonense recebeu a fábrica, que atualmente tem capacidade para produzir 500 motos por mês. “Hoje, o Brasil está entre os dez maiores mercados de Harleys no mundo”, ele garante. Em todo o território nacional, cerca de 15 mil motociclistas são membros do HOG.

A paixão desses motociclistas, no entanto, vai além da marca. Não importa se é Harley-Davidson ou outra escuderia qualquer. O que fica evidente entre eles é a busca incessante pelo tipo de liberdade que só esse veículo pode proporcionar. “Com um carro, você admira a paisagem. Com uma moto, você faz parte dela”, ensina o carioca Artur Albuquerque. E foi como parte da impressionante paisagem da serra gaúcha que aquelas 750 pessoas se sentiram mais livres e levaram ao pé da letra os versos de abertura de “Born to Be Wild”:

“Get your motor running

Head out on the highway

Looking for adventure

In whatever comes my way”.

Playlist em duas rodas

Em um evento de motociclistas, quase tudo é clichê, das roupas de couro ao rosto barbado. Porém, não há nada mais clichê do que a trilha sonora, seja qual for o lugar do mundo. Confira o top 10 das músicas mais tocadas durante os três dias do Harley Owners Group:

1 - “Born To Be Wild” – Steppenwolf

2 - “Sultans Of Swing” – Dire Straits

3 - “Sweet Home Alabama” – Lynyrd Skynyrd

4 -“Hey Tonight” – Creedence Clearwater Revival

5 - “Beds Are Burning” – Midnight Oil

6 - “Cowboys From Hell” – Pantera

7 - “Sweet Child O’ Mine” – Guns N’ Roses

8- “Misirlou” – Dick Dale

9 - “Highway To Hell” – AC/DC

10 - “Have You Ever Seen the Rain?” – Creedence Clearwater Revival