Banda islandesa reuniu cerca de 7 mil no Espaço das Américas, em edição do Popload Gig
É uma cena difícil de imaginar: um artista islandês lotando praticamente todos os 7 mil lugares de uma casa como o Espaço das Américas, em São Paulo (que vai receber em breve, por exemplo, o astro britânico Harry Styles), em plena quarta-feira, 29, um dia de semana. E não se trata da consagrada Björk e nem dos “queridinhos” do Lollapalooza Of Monsters and Men, que já esteve no Brasil duas vezes recentemente.
O grupo em questão é o Sigur Rós, um (agora) trio de post rock/post punk cultuado mundialmente e que retornou ao Brasil após 16 anos da passagem anterior. O show, uma “edição de luxo” do Popload Gig, foi uma espécie de encontro ritualístico, que pouco teve de interação e agitação, mas no qual os presentes puderam compartilhar da atmosfera reflexiva criada pelas sonoridades estendidas e os cenários iluminados dos europeus.
As estruturas foram fundamentais para o show. Havia diversos bastões e construções que mudaram de brilho e entonação conforme a canção apresentada e o telão foi uma atração complementar, exibindo tanto gravações de cenários filmados quanto animações baseadas em formas geométricas, variando cores e dimensões de profundidade. Até por isso (a impossibilidade de trazer a estrutura completa de show), a banda demorou a vir ao Brasil, segundo os integrantes revelaram em entrevista ao Estado de S. Paulo.
Com os estímulos visuais, o show do Sigur Rós foi praticamente “silencioso” por parte do público. Ninguém cantou junto – até porque praticamente ninguém entende islandês ou "vonlenska", língua criada pelo líder da banda, Jónsi Birgisson – e os gritos vinham normalmente quando as canções acabavam ou quando mudavam drasticamente de direção para um momento de maior agitação. O próprio vocalista e guitarrista até interpretou algumas das poesias, mas o jeito que ele abordou e costuma abordar os vocais acabou fazendo do microfone praticamente um instrumento adicional na sonoridade dos islandeses.
Birgisson, aliás, é o mais fundamental dos integrantes. Os vocais dele podem soar melancólicos e tranquilos e atingir o ápice de potência em questão de segundos (como na performance de “Dauðalagið”) e todo o instrumental do trio cresce junto aos gritos extensos e embebidos de eco. Apesar de sempre soturno e contemplativo, em cima do palco, o Sigur Rós deu combustível às dinâmicas e até os ruídos e barulhos – como os gerados pela guitarra tocada com arco de violino, não com o deboche de Jimmy Page no Led Zeppelin, mas com uma sensibilidade capaz de extrair candura até da guitarra mais distorcida – soaram melódicos. O baterista, Orri Páll Dýrason, acabou a apresentação sem camiseta e exausto depois da catarticamente intensa “Popplagið”.
No atual estágio da carreira, o Sigur Rós vive um revisionismo da discografia. Depois que o tecladista Kjartan Sveinsson saiu, em 2013, a banda não lançou nenhum disco (o último é Kveikur, de 2013) e segue se apresentando com um setlist que abrange tudo o que foi feito (os próprios integrantes do Sigur Rós já revelaram a possibilidade de que esta seja a última turnê extensa do grupo). Bom para os fãs órfãos brasileiros, que puderam suprir a falta da banda com um show multifacetado.
Em São Paulo, o Sigur Rós foi ritualístico. Não exatamente porque demandou algum tipo de “elevação”, mas porque cumpriu os termos do ritual: transportou milhares para um universo raro de reflexão e contemplação, em que tudo era subjetivo e pessoal, ainda que o sentimento emanado do palco fosse o mesmo. Apesar de uma atividade coletiva, o show do Sigur Rós foi extremamente baseado na experiência individual – não houve momentos de “cantar junto” e nem a narrativa sonora foi tão enfaticamente compartilhada pelos presentes. Tudo tão inusitado quanto a devoção de milhares de brasileiros a uma banda que é cultural e sentimentalmente distante como a ilha fria e minúscula de onde vem.