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Slam Papo de Poeta com Tuyo: Lio entrevista Kimani, Kimani entrevista Lio [ENTREVISTA]

Acompanhadas de outros artistas, a vocalista da Tuyo e a vencedora do Slam SP 2017 apresentam uma série de lives no Instagram para refletir sobre a arte de organizar palavras

Isabela Guiduci Publicado em 09/04/2021, às 10h30

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Lio Soares (Foto: Camila D'Orazio) | Kimani (Foto: Sérgio Silva)
Lio Soares (Foto: Camila D'Orazio) | Kimani (Foto: Sérgio Silva)

Quem acompanha o trabalho da Tuyo, banda formada por Lio Soares, Lay Soares e Jean Machado, pode se questionar sobre as muitas perguntas sem respostas provocadas pelo grupo ao longo da discografia composta, até agora, pelo EP Pra Doer (2017) e o disco Pra Curar (2018). Com profundidade e intensidade, as músicas refletem emoções, vulnerabilidades, agústias e desesperos interiores. 

Para responder essas questões complexas provocadas na discografia, mergulhar nos sentimentos e falar mais sobre a lírica da banda, Lio Soares convidou a poetisa Kimani, vencedora do Slam SP em 2017, para o Slam Papo de Poeta, uma série de conversas que acontece semanalmente no Instagram oficial da banda.

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Em cada semana, poetas de diferentes lugares do Brasil - entre sudeste, norte e nordeste - acompanham as duas artistas nessas conversas. Todos os encontros contam com tradução simultânea em libras. A agenda completa das lives está disponível ao final do texto.

Idealizadora e apresentadora, Lio Soares comenta sobre o projeto em entrevista à Rolling Stone Brasil: "Acredito que todo mundo tem um tesão imenso pela origem das coisas, uma vontade de investigar de onde vem o que a gente curte e tá aí uma boa oportunidade de entender como pensamos a lírica."

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"Tem horas que não dá tempo de explicar em show, em entrevista e em vídeo. O acordo macro é que cantemos. Por isso, é preciso desenrolar e elaborar esses espaços mais densos e mais seguros para poder falar com liberdade no que alicerça nossa música, nosso impulso criador", completa.

Em relação ao ambiente virtual escolhido para o Slam Papo de PoetaLio gosta da ‘oposição complementar’ entre o que julgamos profundo e o superficial: "Entendo o caráter ‘fast food’ das redes sociais, mas acredito também nessa 'micro influência' que papos mais densos numa plataforma hiper efêmera podem provocar."

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O slam é uma competição de poesia falada que aborda importantes questões da sociedade, como resistência, protagonismo e preconceito, mas também sentimentos, angústias, etc. E, para Lio, esse movimento está diretamente conectado com a vida dela. 

De acordo com a cantora, o papel dos versos na própria vida é fundamental. Mesmo antes de se imaginar em uma carreira musical e com a Tuyo, "o papel dessa tecnologia ancestral [a poesia] era bem definido" para ela. 

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Lio reforça sobre a importância da poesia, e principalmente do Slam, para a construção da memória de uma cultura. Para além da literatura ficcional, a compositora entende que há um difícil acesso à tecnologia da leitura, o que prejudica diretamente a 'população descentralizada'. Segundo ela: "É aí que o Slam entra".

"Foram muitas as movimentações aliadas ao sequestro e ao roubo de tudo que me ajuda a construir minha memória, de onde eu vim, quem eu sou, para onde vou. Toda pessoa negra brasileira teve seu nome roubado, substituído, sua trajetória genealógica sabotada, suas tradições amaldiçoadas, seus corpos violados, enfim, nada de novo para a gente", reflete.

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Ela complementa: "Mas se eu tenho alguma dimensão de quem eu sou, ainda que mínima, alguma certeza do que veio antes, devo à ciência antepassada da transmissão de memória via voz, via contação de história, através da repetição. [...] Poetes de Slam são, na minha percepção, os alicerces contemporâneos dessa antiga tecnologia de preservar memória e cultura do povo preto." 

Em uma reflexão mútua sobre poesia e slam, as apresentadoras do Slam Papo de Poeta, Kimani e Lio Soares, se entrevistaram e falaram sobre identificação, sentimentos, manifestações artísticas e mais. Confira o papo das artistas: 

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Kimani entrevista Lio

Kimani: Para você, qual a importância do Slam?

Lio: Assim, no particular, o Slam me pegou na prosódia. O desenho que a voz da pessoa poeta faz sozinho no ar, sem beat, sem acorde, só a voz desenhando a fala no ar, assinando as curvas das punchlines. Isso é de uma beleza que eu nem sei calcular. Para mim, a importância do Slam está alojada justamente na democracia, na acessibilidade, tudo o que você precisa é de voz e memória.

Nenhum playboy dá conta de te passar para trás acionando mais ferramentas que você, porque o que o Slam reivindica é voz. Curiosamente, é o que mais nos foi tomado ao longo dos anos e o Slam auxilia na devolução. Também é importante o acesso à oportunidade de se compreender enquanto artista, subir no palco, dominar plateias, comunicar com poder, com autoridade de quem forma opinião, outro lugar tomado da gente de maneira regular e paulatina durante séculos. É no Slam que recuperamos autoestima, autoridade, memória e trajetória.

K: Como você acha que o Slam Papo de Poeta está conectado com a Tuyo?
L: Fazemos coisas que se aproximam por poder contar com a voz como instrumento primário e com a memória enquanto sua aliada. A Tuyo tenta construir desdobramentos para o espectro emocional de nós mesmos. Tentamos desenrolar um jeito de fortalecer a musculatura do sentir, um movimento que pouca gente está esperando de pessoas pretas. Aquela surpresa da mistura entre o adocicado e o amargo na boca.

O Slam também faz manobra lírica para desarticular estereótipo, para desmotivar o que alicerça os arquétipos para a gente hoje. Talvez, encontremo-nos nessas manobras, ou também nesse objetivo que caminha em paralelo, que é emocionar. Não sei ao certo. Acho que manobrar palavra para acabar com estereótipo, talvez nos encontremos bem aqui.

K: Como foi o processo da escolha dos poetas para o Slam Papo de Poeta? Por que estes foram os escolhidos? Você se identifica com o trabalho deles? 

L: Pudemos contar com a percepção panorâmica, jovem e riquíssima desta que me entrevista, o sabor, a cremosa, o suco de beleza e poder que é Kimani, né (risos). Nós nos encontrávamos (online) toda semana para discutir nomes interessantes e fizemos nossas escolhas bastante pautadas no estilo lírico, no assunto que cada poete estava acostumado a abordar.

A vontade é conseguir alcançar todo mundo, conversar com todos, mas acredito muito que a seleção que fizemos é provocativa a ponto de levar nosso público às pesquisas mais amplas depois dessa maratona.

K: O que te guiou na hora de criar/pensar nos roteiros para as conversas?

L: Ah, gente eu sou cantora né. Não tenho uma trajetória de destaque na redação jornalística apesar de flertar com a área. Mas fiz o trabalho invertido de pensar no que me permite dizer, o que tenho vontade ou o que sinto que precise ser dito numa entrevista. Então, o que tem me pautado nesses roteiros é tentar elaborar provocações assertivas para que as pessoas entrevistadas deem conta de dividir suas percepções com sinceridade e liberdade, ainda que controversas. 

K: Como você acredita que os sentimentos e vulnerabilidades na poesia/Slam geram identificação no público? Qual a importância destas temáticas no Slam?

L: Consumimos arte por um catatau de razões que eu nem estudei o suficiente para entender, mas não precisa ser gênio para sacar que nós queremos sentir as coisas. Todo mundo quer se emocionar, dar uma saturada nas sensações - se sentir mais livre, mais triste, mais alegre. Sentir mais. O Slam é uma bomba atômica contendo todas essas provocações e ainda outras novas. Slam é a alternância ritmada de provocação e acolhimento, uma frase depois da outra, não tem como sair de um rolê desses sem chorar de raiva e gritar de satisfação. 


Lio entrevista Kimani

Lio: Qual é a importância da poesia para você? E a importância do Slam? 

K: A poesia me amadrinhou. Penso que de todas as manifestações artísticas, toda essa pluralidade bonita que temos - desde a música ao grafite -, de todas as manifestações do Hip Hop, o Slam foi o berço. De algum jeito eu fui muito pega pelo Slam, como se fosse uma persona mesmo, e fui acolhida. Posso dizer que o Slam é a primeira noção de coletivo preto que eu comecei a ter o entendimento, e é o primeiro coletivo - depois da minha família - que fui acolhida, e não me excluíram ou descartaram, e eu não era só mais uma, e minha fala tinha validade.

Para mim, o Slam é um processo extremamente terapêutico. A poesia em si é o meio, o Slam é a possibilidade, é o palco, a escuta. É um processo terapêutico muito profundo, ninguém consegue escrever para fora se não pensar primeiro dentro.   

L: Como você se vê enquanto artista após ganhar o Slam SP?

K: Não vou nem dizer como me vi como artista, mas sim como me vi enquanto um ser político, enquanto uma mulher preta e tudo o que isso significa. Então, antes de me ver enquanto artista, me vi enquanto alguém que podia expressar e me permitir o exercício de sentir. Isso é muito difícil, ainda com o prêmio na mão e ganhando o Slam SP, ainda depois de anos fazendo o que eu faço ainda é difícil, é complicado. Às vezes nos auto sabotamos, às vezes ouvimos que não temos esse lugar ou que a nossa voz não é tão importante ou que não é tão válido o que estamos falando. 

O processo todo foi, primeiro, de ter uma dignidade, me perceber e me ver. Me enxerguei na fala e poesia de outros e eles também se viram no que eu escrevia, e aí a gente comunga da mesma comida, do mesmo prato. E dividir o prato com as outras pessoas é muito bonito, principalmente, em tempos de escassez como hoje.  

L: Como você se conecta e se identifica com o Slam Papo de Poeta?  

K: Me identifico com o Slam Papo de Poeta a partir do verbo sentir. É muito louco para gente, enquanto povo preto, ter coragem, bater no peito e bancar o que sente. É muito difícil. É um desafio, um convite, então parafraseando Tuyo nesse processo “Pra Curar”, fico muito feliz e lisonjeada de ter sido - e ainda ser - alguém que contempla, ouvia e babava pela música e poética de Tuyo, e hoje eu posso dividir esse espaço com eles. Para além disso, posso convidar outras pessoas para que conhecemos e troque uns com os outros.

Penso que, no fundo, tudo isso é sobre esse sentido tanto do sentir dentro, quanto do momento em que nosso sentido se conecta com o outro, porque descendemos dos mesmos povos, falamos a mesma língua, nos entendemos. Ainda quando não haja poesia ou palavra, mas a palavra é importante e aí a gente diz. Então, penso que é aí que a gente comunga, que a gente conversa da mesma coisa.

L: Como você entende a importância da poesia neste período de quarentena/isolamento social?

K: Gosto da poesia porque ela é extremamente finita. Dentro dessa finitude, podemos sentir muita coisa a partir disso. Sinto que a poesia é um instrumento, e escolhemos o que vai fazer com ela, quando vai fazer e se quer fazer, ela está ali o tempo todo disponível.

Nesse processo todo de isolamento e quarentena, há pessoas que bebem da poesia para poder suprir alguma falta, e quantas faltas temos sentido. Tem pessoas que têm encontrado na poesia um conforto, um lugar de desova de algum jeito, de vomitar coisas indigestas.

É finito, mas é importante, e potencial a partir do momento que entendemos quantas cartas possíveis podem ser vistas, lidas e desenhadas a partir da poesia, e cada um faz como quer e se quiser. Tem aqueles também que não fazem poesia, mas ouvem, e aqueles que fazem sem nem saber. Então, particularmente, tem sido um lugar de conforto para mim, esse entendimento de que tudo é contínuo, rápido e fluido. É um tempo, esse de quarentena e isolamento, e irão vir outros tempos, e a poesia nos ajuda a passar por eles.  

L: Como você acredita que o empoderamento, as denúncias e urgências na poesia/Slam impactam o público? Qual a importância destas temáticas no Slam?

K: Está tudo na fala. Acredito muito que a fala abre caminhos, tranca caminhos, bem diz, amaldiçoa, e o Slam é o espaço para isso. O Slam é uma das possibilidades, é um espaço muito potente para isso, lá você está autorizado a dizer como se sente. “Vem aqui e divide com a gente o que você pensa sobre isso”. Acho que isso por si só já é extremamente empoderador, libertador, pois quando você fala é como cantar mesmo, parece que as dores e os monstros ficam um pouco menores ou não.

Temos um entendimento do tamanho deles e percebemos que não são só os nossos monstros, mas são monstros coletivos de outros também. Então, eu fico pensando o quanto é extremamente potente. Você se fortalece e tem um entendimento de quem você é frente a essas denúncias. Qual o seu papel a partir disso? Você tem o entendimento disso, e o que você faz com isso? O que você faz com quem te dilacera? O que você faz com essas dores? Você continua passivo?


Programação

Com a paulistana Dona Jacira, o primeiro Slam Papo de Poeta aconteceu na última terça, 6 de abril. No entanto, se você perdeu, fique tranquilo que a agenda continua cheia. Nas edições seguintes, os convidados são Kuma França (BA), Blenda Santos (SE), Luna Vitrolira (PE), Bell Puã (PE), Amém Ore (RN), Bicha Poética (CE), e Mateus MB (AC). 

Vale lembrar que, todos os encontros contam com tradução simultânea em libras e acontecem às segundas-feiras, no mesmo horário, a partir das 20h.

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Programação:
06 de abril, às 20h | Dona Jacira
12 de abril, às 20h | Kuma Fumaça
19 de abril, às 20h | Blenda Santos
26 de abril, às 20h | Luna Vitrolina
03 de maio, às 20h | Bell Puã
10 de maio, às 20h | Amém Ore
17 de maio, às 20h | Bicha Poética
24 de maio, às 20h | Mateus MB

Acompanhe o Slam Papo de Poeta com Lio e Kimani:


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