Dave Lombardo comenta saída do grupo, participação no disco do Sepultura e novos projetos
“Não gosto muito de falar sobre isso. Poderia ser sincero contigo, mas as pessoas vão pensar: ‘Meu Deus, ele está falando disso de novo?’”, reclama Dave Lombardo, baterista da formação original do Slayer, demitido pela banda no começo de 2013. “Não. Não estou ‘chorando’. Minha carreira está seguindo em frente. Eu só estou sendo educado, sincero, e respondendo à sua pergunta.”
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E é para dar segmento ao reconhecido trabalho que o baterista vem ao Brasil pela primeira vez sem o Slayer no fim de agosto e começo de setembro. Lombardo traz um workshop no qual explica técnicas de bateria e faz apresentações de faixas compostas por ele ao longo da carreira. “Criei uma compilação de músicas para ajudar quem está começando a tocar”, explica, em contato por telefone com a reportagem da Rolling Stone Brasil. Contrariando o que poderia se esperar, o baterista não dará foco aos clássicos da ex-banda na exibições, apesar de ainda revisitá-los, eventualmente.
Lombardo foi demitido do Slayer em fevereiro de 2013, antes de uma apresentação do grupo na Austrália. “O que aconteceu foi o que eu escrevi na época”, diz ele, se referindo ao texto publicado no Facebook logo após o incidente. O músico escreveu: “Estou triste e, para ser honesto, chocado com a situação”, depois de ter trocado a foto do perfil por uma imagem preta.
“[Isso estava] custando milhares de dólares ao grupo e deixando 10% - ou menos - para ser dividido entre nós quatro”, seguiu ele no texto, questionando a finalidade do dinheiro ganho pela banda com as turnês. O baterista tentou conversar com os outros integrantes, Tom Araya (baixista e vocalista) e Kerry King (guitarrista), que disseram para ele que arrumariam outra pessoa que pudesse assumir as baquetas. “Na quinta-feira, cheguei para o ensaio às 13h como combinado, mas Kerry não apareceu. Em vez disso, recebi um e-mail às 18h24 dos advogados dizendo que eu estava sendo substituído para as datas na Austrália”, contou.
“Se sentir que não estou sendo tratado com justiça, vou me retirar disso. Meu talento, e meu suor, são sagrados para mim”, diz Lombardo, pedindo, em seguida, para trocarmos o assunto da conversa.
Sepultura
“Eu estava andando na praia, na Califórnia, e recebi um SMS do meu amigo, o produtor Ross Robinson”, narra o baterista, que participou, no ano passado, das gravações do mais recente disco do Sepultura, The Mediator Between Head and Hands Must Be the Heart. “Ele disse: ‘Ei, você quer tocar bateria?’. E perguntar a Dave Lombardo se ele quer tocar bateria, é, tipo, claro!”.
Crítica: The Mediator Between Head and Hands Must Be the Heart - Sepultura.
Sem saber para onde estava indo, Lombardo chegou no local no qual o Sepultura gravava o álbum, com os filhos, a esposa e o cachorro. “Estava muito feliz em ver todos os caras da banda”, conta ele, que dividiu as baquetas com Eloy Casagrande nas sessões de estúdio. “Minha contribuição com o disco foi muito, muito pequena. Apenas estava andando pela praia e gravei um pouco da bateria”.
Após o contato, o ex-Slayer não esconde a admiração ao baterista brasileiro. “Amo Eloy”, confessa. “Poderoso e agressivo. Quando toca bateria, ele tem alma e suingue”. No vídeo abaixo, eles tocam simultaneamente. “Consigo sentir uma alma brasileira quando escuto Eloy tocar”.
“Não há evolução”
Em 1983, quando o Slayer gravava Show No Mercy, álbum de estreia do grupo, Lombardo ouviu o seguinte pedido: “Você não pode regravar somente os pratos da bateria depois?”. O som “alto e agressivo” vazava nos outros microfones do cômodo e ele teve, portanto, que gravar sem os pratos, para depois inseri-los. “Foi terrível. Dá pra ouvir. Ficou horrível”, reclama, sem, contudo, soar ranzinza.
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Tocar rápido e com precisão era um desafio no começo dos anos 1980, quando o metal mais pesado ainda engatinhava em bandas como o Slayer e o Metallica. “O legal de tocar rápido nos anos 80 era que você soava humano. Hoje em dia há computadores compensando a falta de habilidade dos bateristas”, teoriza.
Por mais que tenha mostrado reverência ao jovem Casagrande, Lombardo mantém uma postura ácida e combativa em relação à nova geração de bateristas das bandas de metal. “Não há evolução em tocar rápido”, diz. “Não tem mais para onde ir – o quão rápido você consegue tocar sem a bateria soar mecânica?”. Ele ainda alfineta: “Acho que as baterias do metal atualmente estão soando artificiais. Não é real!”.
Projetos atuais
Dave Lombardo nunca se permitiu ficar parado. Paralelamente ao Slayer, ele mantinha outros diversos projetos: o Fantômas, com Mike Patton; o Grip Inc. (que só retorna a ativa quando o grupo achar um substituto à altura do ex-vocalista Gus Chambers, morto em 2008); e o Philm, que lançará o segundo disco este ano.
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“Este novo disco terá um monte de surpresas. Ele será mais trash, mais pesado”, diz, revelando uma animação até incomum durante a conversa, e sugerindo que gostaria de sair em turnê pela América do Sul com o álbum. “O baixista nasceu no Equador e foi criado na Venezuela. Eu sou cubano. Nossa cozinha é muito única, muito diferente. Espero ter criado algo novo, fresco.”
Quando perguntado com qual grupo atual ele gostaria de tocar, as respostas foram diversas e reveladoras: “Adoraria improvisar com Jimmy Page”, “Eu gosto de muitas coisas, até de punk”, “Jack White é muito bom no blues, eu amo o blues”, “o pianista cubano Chucho Valdés”.
Se Lombardo – considerado um dos maiores mestres da bateria em todos os tempos – ainda tem a crescer como instrumentista, é difícil dizer. Além de virtuoso e criativo, ele não se prende a um só ritmo, estilo, ou gênero. É inquieto e dá valor ao ato de tocar, como se criasse um ritual em torno dos tambores, tons, surdos e caixas. “Tem coisas que só vêm com anos de tocar ao vivo e gravar discos”, reflete. “Estou mais confiante, tenho mais ideias, entendo a música melhor”.
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Difícil, também, é saber se ele ainda gostaria de estar tocando para multidões de todo o mundo com o Slayer. “Eu os vejo como uma banda cover de si mesma”, afirma, conclusivo, pontuando a frase com um suspiro. “Eles estão fora de forma. Não há energia nos shows”, diz.
Ao contrário, lembrando que já deixou o grupo por outros motivos (como o nascimento do primeiro filho, no começo dos anos 1990), Lombardo se prova independente, e, de certa forma, autoconfiante, como se acreditasse piamente no talento que tem – e ninguém pode tirar dele.